Previdência: uma PEC feminista?
Hollywood está certamente se esforçando para agradar às demandas do feminismo em ascensão, esta nova religião – ou filosofia, se preferirem – dos nossos tempos. Uma heroína mulher, independente, super-poderosa, vinda de uma tribo de guerreiras e que combate o mal sem ajuda de homem nenhum. Ainda para provar suas credenciais, o filme não focará […]
Publicado em 23 de março de 2017 às, 12h34.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h08.
Hollywood está certamente se esforçando para agradar às demandas do feminismo em ascensão, esta nova religião – ou filosofia, se preferirem – dos nossos tempos. Uma heroína mulher, independente, super-poderosa, vinda de uma tribo de guerreiras e que combate o mal sem ajuda de homem nenhum. Ainda para provar suas credenciais, o filme não focará no corpo da Mulher Maravilha; ao que tudo indica, nada de seios gigantescos e poses deliberadamente sensuais.
Infelizmente, não foi o bastante. Com um novo trailer que foi ao ar nesta semana, a internet já encontrou motivo de sobra para indignação: os sovacos excessivamente lisos da heroína, possivelmente fruto de tratamento digital de imagem. Se não fosse isso, decerto seria outra coisa: enquanto não reinar em todas as manifestações culturais a mais pura igualdade (inclusive plástica e comportamental) entre os gêneros, haverá quem levante o dedo acusador para escancarar o machismo da indústria cultural e da sociedade em geral.
É por isso que – e agora me permito voltar a um assunto mais chato – certas propostas deveriam ser elogiadas pelo feminismo organizado mas passam batido. É o caso de um dos pontos da reforma da previdência (que acaba de receber um golpe sério do próprio Temer, mas isso é outra história…): a igualdade de idade entre homens e mulheres.
É mais comum a mulher que trabalha fora de casa (e portanto contribui com o INSS) ter mais funções dentro de casa do que o marido que também trabalha fora? Sem dúvida. E se quisermos mudar isso, caminhar para uma cultura mais igualitária, acabar com o sistema que perpetua a desigualdade é fundamental. Pois se uma das partes poderá se aposentar mais cedo, é natural que ela fique com a maior parte dos trabalhos do lar que não entram na conta. É um sistema retroalimentativo, em que uma desigualdade cultural busca ser compensada por uma desigualdade legal que acaba por torná-la mais duradoura.
Há também um outro lado da história. Sim, mulheres trabalham mais em casa (mesmo as que têm trabalho profissional fora), mas é fato também que, via de regra, seu trabalho é menos estressante. Haja visto a maior incidência de estresse e suicídio em homens, sem falar da expectativa de vida menor – o que também tem efeitos previdenciários ruins ao dar a mulheres um período de recebimento artificialmente aumentado em 5 anos.
Com a igualdade, além de reduzir o gasto com mulheres que viverão muito e que ainda estão em vida perfeitamente útil (lembrando que, para quem chega aos 65 anos, a expectativa de vida no Brasil passa dos 80), criamos as bases legais para uma real igualdade dos sexos lá na frente.
É o eterno debate sobre o que fazer com uma desigualdade injusta: mirar na igualdade neutra ou tentar criar novas desigualdades que compensem o desvio inicial. A primeira nos encaminha para um mundo em que o indivíduo é chamado a tomar para si a responsabilidade sobre seu destino, se submetendo às mesmas regras dos demais. O segundo cria a cultural atual: pessoas se juntando em grupos para exigir algum direito a mais para si, num eterno cabo de guerra que nada cria e cujo saldo total é negativo, pois ao invés de gerar valor, todo mundo tentou capturar valor dos outros.
A sensibilidade também se altera. Grupos que dizem lutar pela igualdade dos gêneros exigem compensações desiguais ad aeternum, e quem gosta de crer que luta pelo fim de desigualdades nocivas acaba reclamando de um sovaco feminino de Hollywood que estava liso demais.