Um Trump pé-no-chão
Em discurso ao Congresso americano, Trump revelou a outra face de seu governo: o que ele tem pé-no-chão e, em alguma medida, inspirador. É ainda um programa marcado por equívocos importantes, mas – e esse é o principal – uma presidência normal, e não uma avalanche destrambelhada de amadorismo e radicalismo difuso. Infelizmente, ele não […]
Publicado em 2 de março de 2017 às, 13h09.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h31.
Em discurso ao Congresso americano, Trump revelou a outra face de seu governo: o que ele tem pé-no-chão e, em alguma medida, inspirador. É ainda um programa marcado por equívocos importantes, mas – e esse é o principal – uma presidência normal, e não uma avalanche destrambelhada de amadorismo e radicalismo difuso.
Infelizmente, ele não abandonou ainda a narrativa que o elegeu: a de que os EUA caminha para o buraco, com a economia em frangalhos, a sociedade se desfazendo a violência atingindo novos recordes. A realidade é justamente o oposto: a economia americana vai relativamente bem – com desemprego abaixo inclusive de níveis pré-crise – e a violência tem baixado por décadas. Também é completamente falsa a ideia de que os EUA pratiquem fronteiras abertas com a imigração. A imigração ilegal vem caindo e o número de pessoas que cruza ilegalmente a fronteira com o México também despencou nos últimos 20 anos. Ou seja, a percepção básica que ajudou na eleição de Trump, um país em estado de calamidade, é falsa. E, assim, o que poderia ser política sensata vira demagogia populista, como é o caso do muro que ele insiste em querer construir, sem nenhuma evidência de que seja necessário ou que o custo/benefício compense.
Mas vamos ao que é razoável: implementar, por exemplo, um sistema de imigração baseado no mérito. Embora seja do interesse do país receber tanto trabalhadores de baixa qualificação quanto mais qualificados, é inegável que estes últimos são mais importantes, e que se os EUA quiser se manter na vanguarda do mundo não poderá barrar a entrada dos melhores cérebros que o mundo tem a oferecer.
Na Saúde, mantém-se a dificuldade de dizer com o quê exatamente ele pretende substituir o sistema deixado por Obama. Permitir mais escolha ao mesmo tempo que ninguém perde cobertura e que garante-se a cobertura a condições pré-existentes é uma conta que não fecha. Apenas os doentes quererão comprar os planos, que ficarão proibitivamente caros. Mais concorrência – podendo comprar planos em outros estados, por exemplo – é algo bom, mas dificilmente dará conta do problema.
No plano internacional, fez referência a algo que antes parecia ignorar: a diferença entre aliados e rivais.
Há dois mundos possíveis em combate na presidência Trump: as indicações sérias para cargos importantes, como James Mattis como Secretário da Defesa, Rex Tillerson como Secretário de Estado e Herbert McMaster como Conselheiro Nacional de Segurança. Este é uma melhora sensível sobre Michael Flynn, cuja conduta imprópria logo levou a sua renúncia poucos dias depois de assumir. Neste outro lado, mais ideológico e radicalizado, é chefiado por Steve Bannon e Jared Kushner, genro do presidente. O embate é entre uma direita controversa mas bastante sólida em sua conduta e profissionalismo e uma outra que quer colocar o sistema abaixo – ou cuja falta de experiência levará a esse efeito.
O mote básico de sua presidência, colocar os americanos em primeiro lugar, governar para eles e não para “o mundo”, é evidentemente um truísmo que não precisaria ser repetido. A grande questão não está aí, e sim em que consiste o interesse dos americanos: um país mais fechado, com prováveis déficits públicos crescentes (a julgar pelas promessas de obras e gastos) e com piores relações com o resto do globo?
Enquanto isso, no Oscar…
A esquerda chique, americana mas também brasileira, insiste em não enxergar o próprio ridículo. Em face da ascensão de tudo que ela mais abomina e que fez de tudo para aniquilar da cultura, o que fazem os artistas? Reafirmam seus valores, suas palavras-símbolo para sinalizar a própria superioridade. Ao invés de mostrar para grande parte da população bons motivos para ficarem de seu lado, preferem mostrar o quanto são do bem. Ao mesmo tempo, imploram a atenção do presidente, pedindo de joelhos um mísero tweet de resposta a suas provocações, que previsivelmente não veio. E quando chegam os resultados, ouvimos apenas o constrangedor: “we lost, by the way”.