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Um sonho para o Brasil: menos política e menos valores

Não acho ruim que mais gente se interesse por política. O brasileiro talvez fosse acomodado demais, desencanado demais com a política, e por isso tantos inescrupulosos deitavam e rolavam em cima de nós. Mas ainda acharei melhor o velho Brasil em que pouco se discutia política (regra que eu nunca segui desde que me dei […]

Manifestação contra o presidente Michel Temer no centro do Rio de Janeiro – 18/05/2017 / Pilar Olivares/Reuters (Pilar Olivares/Reuters)
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Da Redação

Publicado em 1 de junho de 2017 às 10h18.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h07.

Não acho ruim que mais gente se interesse por política. O brasileiro talvez fosse acomodado demais, desencanado demais com a política, e por isso tantos inescrupulosos deitavam e rolavam em cima de nós.

Mas ainda acharei melhor o velho Brasil em que pouco se discutia política (regra que eu nunca segui desde que me dei por gente) do que o admirável Brasil novo que se anuncia, em que basicamente o único assunto é a política. Até quando não é política, é. O filme no cinema, o esporte, a roupa de sair de casa, o corte de cabelo, ir ao banheiro, o que comer; tudo virou política, se presta a tomada de lados para participar de uma alguma guerrinha massageadora de egos.

Pois no fundo se trata disso: a pessoa que apenas incorpora a briga política em seu dia-a-dia, que cria desavença com o primo ou antipatia com o colega de trabalho, essa pessoa melhorará algo em sua vida? O vício de defender um lado em toda santa questão resolverá algum dos problemas concretos que ele enfrenta ou que gostaria de ver resolvidos no Brasil?

Tendo a achar que não. E que talvez até o dificulte. Porque estamos entrando para a guerra política sem a menor noção do que a política exige. Os extremos estão ganhando força; os que não sabem negociar, ceder, trabalhar junto; queremos cada vez mais os que defendem uma bandeira pura, sem concessões, que finquem o pé no chão mesmo que isso signifique não fazer efetivamente nada, afinal demonstrar a própria pureza moral em face do mal intolerável que é o outro lado é mais importante do que alterar a realidade imperfeita.

As redes sociais estão particularmente insuportáveis. A lacração no twitter, os áudios e imagens indignados no Whatsapp, o desespero por likes no Face. Abrimos a caixa de Pandora. Estimulamos a pessoa a ter opinião para ganhar like. Ao invés de dificultar, “gamificamos” o processo, damos ponto e feedback positivo para cada nova tirada, cada nova tentativa de piada ou mostra de pureza moral.

Não há nada estritamente novo aqui. O homem sempre teve um desejo insaciável de admiração, de estar acima dos demais (desejo que, por definição, não pode ser satisfeito por todos, nem por uma maioria). A diferença é que agora uma plataforma online destilou esse aspecto de nossa psicologia e o serve concentrado. E em meio aos jogos de vaidade, os rumos da nação são determinados. De alguma maneira, seu meme sobre o Danilo Gentili ou sua opinião sobre uso de turbante por mulher branca vai ajudar ou atrapalhar a vida do Temer ou do Lula.

Cada vez mais me convenço que, nessa história, nossos valores – aquilo que julgamos o melhor e mais inegociáveis em nós – é justamente a fonte dos maiores males. Não que sejam todos maus: um valor real, ou seja, que altere sua conduta para que você seja sempre imparcial, honesto, etc. é ótimo. Mas não é aí que nossos valores moram hoje em dia. Talvez movido pelo louvável desejo de acabar com a corrupção de vez (embora ela não seja nosso maior problema…) Eles moram no discurso.

Quando nosso discurso político vem carregado de valores, a mensagem implícita é: quem discordar disso não tem uma posição legítima; é mal-intencionado. E se assim, o adversário não tem, no fundo, direito de existir. Não devemos fazer concessão nenhuma, pois isso implicaria ceder ao mal. O compromisso, o meio do caminho, a concessão, a negociação, que são virtudes elementares em um bom político, se tornarão pecados na mente do povo. Isso não pode dar em coisa boa.

A realidade é que existem pessoas com crenças e interesses muito diferentes na sociedade. E, se não formos partir para a luta armada, teremos que encontrar um jeito de acomodar esses diversos pontos de vista em alguns grandes compromissos. Veja, talvez o seu lado, o seu ponto de vista, esteja sim objetivamente correto e o do seu adversário errado. Mas você é capaz de convencer as milhões de pessoas da verdade da sua opinião? Não, né? Então o fato dela ser verdadeira é irrelevante (e eles pensam o mesmo sobre a opinião deles, ainda que estejam errados), pois as ações das pessoas – com as quais você vai ter que conviver – são determinadas por suas crenças e interesses reais, e não pelas crenças verdadeiras e pelos interesses que elas deveriam ter.

Os valores que moram na boca criam, ao mesmo tempo, uma impressão errada sobre o que é a política democrática e por que ela existe e são um dos principais artigos de luxo que gostamos de ostentar para os outros. Melhor seria aceitar a imperfeição do mundo e perceber que, com mais relatividade, poderíamos nos dar melhor. E talvez esse seja mais um valor relevante a ser vivido (falado, nem tanto…).

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Não acho ruim que mais gente se interesse por política. O brasileiro talvez fosse acomodado demais, desencanado demais com a política, e por isso tantos inescrupulosos deitavam e rolavam em cima de nós.

Mas ainda acharei melhor o velho Brasil em que pouco se discutia política (regra que eu nunca segui desde que me dei por gente) do que o admirável Brasil novo que se anuncia, em que basicamente o único assunto é a política. Até quando não é política, é. O filme no cinema, o esporte, a roupa de sair de casa, o corte de cabelo, ir ao banheiro, o que comer; tudo virou política, se presta a tomada de lados para participar de uma alguma guerrinha massageadora de egos.

Pois no fundo se trata disso: a pessoa que apenas incorpora a briga política em seu dia-a-dia, que cria desavença com o primo ou antipatia com o colega de trabalho, essa pessoa melhorará algo em sua vida? O vício de defender um lado em toda santa questão resolverá algum dos problemas concretos que ele enfrenta ou que gostaria de ver resolvidos no Brasil?

Tendo a achar que não. E que talvez até o dificulte. Porque estamos entrando para a guerra política sem a menor noção do que a política exige. Os extremos estão ganhando força; os que não sabem negociar, ceder, trabalhar junto; queremos cada vez mais os que defendem uma bandeira pura, sem concessões, que finquem o pé no chão mesmo que isso signifique não fazer efetivamente nada, afinal demonstrar a própria pureza moral em face do mal intolerável que é o outro lado é mais importante do que alterar a realidade imperfeita.

As redes sociais estão particularmente insuportáveis. A lacração no twitter, os áudios e imagens indignados no Whatsapp, o desespero por likes no Face. Abrimos a caixa de Pandora. Estimulamos a pessoa a ter opinião para ganhar like. Ao invés de dificultar, “gamificamos” o processo, damos ponto e feedback positivo para cada nova tirada, cada nova tentativa de piada ou mostra de pureza moral.

Não há nada estritamente novo aqui. O homem sempre teve um desejo insaciável de admiração, de estar acima dos demais (desejo que, por definição, não pode ser satisfeito por todos, nem por uma maioria). A diferença é que agora uma plataforma online destilou esse aspecto de nossa psicologia e o serve concentrado. E em meio aos jogos de vaidade, os rumos da nação são determinados. De alguma maneira, seu meme sobre o Danilo Gentili ou sua opinião sobre uso de turbante por mulher branca vai ajudar ou atrapalhar a vida do Temer ou do Lula.

Cada vez mais me convenço que, nessa história, nossos valores – aquilo que julgamos o melhor e mais inegociáveis em nós – é justamente a fonte dos maiores males. Não que sejam todos maus: um valor real, ou seja, que altere sua conduta para que você seja sempre imparcial, honesto, etc. é ótimo. Mas não é aí que nossos valores moram hoje em dia. Talvez movido pelo louvável desejo de acabar com a corrupção de vez (embora ela não seja nosso maior problema…) Eles moram no discurso.

Quando nosso discurso político vem carregado de valores, a mensagem implícita é: quem discordar disso não tem uma posição legítima; é mal-intencionado. E se assim, o adversário não tem, no fundo, direito de existir. Não devemos fazer concessão nenhuma, pois isso implicaria ceder ao mal. O compromisso, o meio do caminho, a concessão, a negociação, que são virtudes elementares em um bom político, se tornarão pecados na mente do povo. Isso não pode dar em coisa boa.

A realidade é que existem pessoas com crenças e interesses muito diferentes na sociedade. E, se não formos partir para a luta armada, teremos que encontrar um jeito de acomodar esses diversos pontos de vista em alguns grandes compromissos. Veja, talvez o seu lado, o seu ponto de vista, esteja sim objetivamente correto e o do seu adversário errado. Mas você é capaz de convencer as milhões de pessoas da verdade da sua opinião? Não, né? Então o fato dela ser verdadeira é irrelevante (e eles pensam o mesmo sobre a opinião deles, ainda que estejam errados), pois as ações das pessoas – com as quais você vai ter que conviver – são determinadas por suas crenças e interesses reais, e não pelas crenças verdadeiras e pelos interesses que elas deveriam ter.

Os valores que moram na boca criam, ao mesmo tempo, uma impressão errada sobre o que é a política democrática e por que ela existe e são um dos principais artigos de luxo que gostamos de ostentar para os outros. Melhor seria aceitar a imperfeição do mundo e perceber que, com mais relatividade, poderíamos nos dar melhor. E talvez esse seja mais um valor relevante a ser vivido (falado, nem tanto…).

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