Um liberal olha as ocupações escolares
As ocupações das escolas em vários estados do Brasil (em SP a última escola desocupada esta semana) têm sido lidas sob o prisma direita-esquerda, e penso que dá para transcender a briga ideológica nesse caso. Incluir as ocupações, por exemplo, que ocorrem no Ceará – governado pelo PT – talvez nos dê uma visão menos […]
Publicado em 19 de maio de 2016 às, 13h01.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h04.
As ocupações das escolas em vários estados do Brasil (em SP a última escola desocupada esta semana) têm sido lidas sob o prisma direita-esquerda, e penso que dá para transcender a briga ideológica nesse caso. Incluir as ocupações, por exemplo, que ocorrem no Ceará – governado pelo PT – talvez nos dê uma visão menos polarizada do fenômeno, embora eu não duvide que, se tentarmos chegar às ideias dos estudantes sobre a organização da sociedade em geral, ouviremos posições francamente à esquerda. Proponho, ao invés disso, um olhar voltado aos atos em si e ao que os motivam, mais do que às possíveis colorações discursivas que os embalam.
A ocupação virou uma nova forma de protesto que se alastrou pelo país. E não há como dizer que seja, por si mesma, ilegítima. Um estudante que vê suas chances de ascensão social sendo corroídas pela incompetência e pela corrupção, que outra arma tem a seu dispor? Ele precisa causar o incômodo que gere a necessidade de mudança. A indignação é justa e o meio – uma transformação daquela estrutura maltratada – é proporcional.
Sem falar que há algo de admirável em jovens que têm a iniciativa de mudar o meio em que vivem e estudam. Mais do que o que é exigido – no geral, coisas elementares como merenda e melhores instalações –, há um aprendizado de organização, de mobilização e de discussão que é rico. Não cabe aqui idealizar a juventude, como se fosse portadora de um percepção profunda da realidade política, econômica e social, ou como se suas motivações fossem puras. Todo mundo que já foi adolescente sabe o quanto de vaidade, autoengano e egocentrismo há mesmo nos atos mais idealistas. O que não a torna má, apenas humana, passível de ser valorizada como uma entre tantas forças que podem promover uma mudança benéfica na sociedade.
Dito isso, há um outro lado dessas ocupações: aquilo que elas impedem, o prosseguimento normal do curso que, com todos os seus problemas, é melhor do que nada. Ter aulas normalmente é, por sinal, uma demanda igualmente legítima de uma parcela possivelmente maior de estudantes. A esse respeito, uma Etec em São Paulo foi desocupada não pela polícia, mas por um grupo rival e maior de estudantes que, fartos de greve, queriam voltar a estudar. Essa movimentação merece tanto respeito quanto as ocupações que impuseram o fim das aulas. Talvez até mais.
O mero fato de um grupo se organizar para uma manifestação não faz desse grupo um representante de toda a classe. E ao obter, pela imposição, o direito de interromper o curso de todos, esse grupo obriga os que discordam a se organizar em grupos rivais, criando uma verdadeira corrida armamentista da mobilização política. Como ambos os lados têm que investir mais tempo e recursos em ocupações e contraocupações, podem dedicar menos ao estudo, que é o que de fato pode melhorar sua situação no longo prazo.
O homem em sociedade tem duas estratégias para conseguir o que quer: a da violência ou conflito, exigindo o que lhe cabe de uma autoridade ou classe – é o caminho das revoluções, das greves, das manifestações – e a do trabalho que aceita as condições adversas e segue em frente. A segunda é menos espalhafatosa, menos louvada nas cátedras de Humanas, e menos interessante para a política, mas é o que efetivamente constrói os resultados almejados. Quem passa o tempo todo reclamando das regras do jogo (que são, de fato, desiguais) não avança.
Isso não deslegitima a ocupação, a opção pelo conflito pontual em um caso de flagrante omissão de responsabilidades. Apenas a relativiza. A riqueza é o resultado do trabalho continuado e do acúmulo de esforços. A ocupação, como experiência e como disrupção pontual da normalidade institucional, é rica. Se se transformar na regra, na forma preferencial de exigir um sistema melhor (ao mesmo tempo que impede seu funcionamento), pode botar tudo a perder.