Tudo muda, nada perece
Em janeiro deste ano, em entrevista, Lula disse não ser “de esquerda”, e sim um liberal pragmático; em contraposição a Dilma, mais ideológica. Marta Suplicy, na campanha pela Prefeitura de São Paulo, declarou não só que não é de esquerda, mas que nunca foi. Há poucos dias, o perfil oficial de Paulo Maluf no Facebook […]
Da Redação
Publicado em 20 de outubro de 2016 às 16h23.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h05.
Em janeiro deste ano, em entrevista, Lula disse não ser “de esquerda”, e sim um liberal pragmático; em contraposição a Dilma, mais ideológica.
Marta Suplicy, na campanha pela Prefeitura de São Paulo, declarou não só que não é de esquerda, mas que nunca foi.
Há poucos dias, o perfil oficial de Paulo Maluf no Facebook – cujo estilo informal não exclui a possibilidade de que seja em alguma medida escrita pelo próprio –, respondendo a uma pergunta do Livres (um grupo que congrega indivíduos liberais do Partido Social Liberal), disse que sempre foi “um homem do livre mercado”.
Por fim, três dias atrás, o candidato à Prefeitura do Rio pelo PSOL, Marcelo Freixo, prometeu cortar secretarias e “enxugar a máquina” da Prefeitura.
A lição dessas e outras declarações é clara: a maré está mudando. Acostumamo-nos por pelo menos duas décadas que o normal para o político era ser de esquerda, defender o Estado grande e provedor de todas as necessidades. E como o Estado de fato era grande e, além disso, corrupto, muitos são levados a acreditar que, mudando a ideologia que guia os discursos políticos, estaremos efetivando mudanças reais para o Estado e a sociedade brasileira. Agora, os políticos mudam o discurso, mudam a ideologia. Será que o Estado mudará de acordo?
Temo que a realidade é mais complexa: o discurso da classe política se amolda facilmente aos sentimentos, ideias e valores da população. Ser de esquerda saiu de moda, agora a moda é defender o Estado enxuto e eficiente. Nossos políticos, que com suas muitas falhas são inegavelmente mestres na arte de se mostrar como líderes e defensores dos valores da população, já correm para se adaptar aos ventos de mudança. E justamente por isso, embora nunca tenham sido liberais, agora são os melhor colocados para se apresentar como liberais.
A política envolve duas esferas completamente diferentes e até mesmo desconectadas: de um lado, estão as crenças e a discussão acerca de que medidas o Estado pode tomar (ou se abster de tomar) para melhorar a vida humana. De outro, estão as habilidades e as técnicas para ser bem-sucedido na disputa pelas posições de poder na comando do Estado, que no caso de uma democracia passam pelo voto popular. De um lado, o político de Aristóteles, que tem no deliberar sobre o bem comum a atividade mais nobre possível ao homem. Do outro, o político de Maquiavel, que usará todas as ferramentas a seu dispor – inclusive o blá blá blá sobre o “bem comum” – para conquistar e manter o poder. Todo político bem-sucedido necessariamente tem uma boa dose de Maquiavel; torcemos para que pelo menos alguns desses tenham uma dose de Aristóteles.
Seja como for, nossa política, com todas as suas corrupções e inépcias, é mestra na arte de conquistar o voto popular e se manter no poder. Mesmo que para isso tenha que utilizar o discurso oposto ao que utilizou ontem. Muda a casca, mas a natureza de sua conduta permanece a mesma. Joga um pouco para seu público, faz uma ou outra concessão política (quando possível, cosmética e certamente não estrutural), mas não mais do que o necessário para garantir sua primazia na opinião popular.
Eleger novos políticos, sem experiência no jogo, é um antídoto contra essa característica do sistema? Talvez seja em parte; mas quais serão, dentre os novos candidatos, os mais aptos a se eleger? Justamente os mais hábeis em incorporar o discurso e os valores do momento e se colocar como um representante capaz deles; não necessariamente o que os leva mais a sério ou que está preocupado em descobrir soluções melhores para os problemas sociais. O idealismo raramente tem lugar na política do mundo. (E quando tem, pode ser mais perigoso do que a hipocrisia; mas isso é tema para outro dia). Acreditar que estamos chegando lá é justamente o primeiro passo para jamais sair do lugar.
Em janeiro deste ano, em entrevista, Lula disse não ser “de esquerda”, e sim um liberal pragmático; em contraposição a Dilma, mais ideológica.
Marta Suplicy, na campanha pela Prefeitura de São Paulo, declarou não só que não é de esquerda, mas que nunca foi.
Há poucos dias, o perfil oficial de Paulo Maluf no Facebook – cujo estilo informal não exclui a possibilidade de que seja em alguma medida escrita pelo próprio –, respondendo a uma pergunta do Livres (um grupo que congrega indivíduos liberais do Partido Social Liberal), disse que sempre foi “um homem do livre mercado”.
Por fim, três dias atrás, o candidato à Prefeitura do Rio pelo PSOL, Marcelo Freixo, prometeu cortar secretarias e “enxugar a máquina” da Prefeitura.
A lição dessas e outras declarações é clara: a maré está mudando. Acostumamo-nos por pelo menos duas décadas que o normal para o político era ser de esquerda, defender o Estado grande e provedor de todas as necessidades. E como o Estado de fato era grande e, além disso, corrupto, muitos são levados a acreditar que, mudando a ideologia que guia os discursos políticos, estaremos efetivando mudanças reais para o Estado e a sociedade brasileira. Agora, os políticos mudam o discurso, mudam a ideologia. Será que o Estado mudará de acordo?
Temo que a realidade é mais complexa: o discurso da classe política se amolda facilmente aos sentimentos, ideias e valores da população. Ser de esquerda saiu de moda, agora a moda é defender o Estado enxuto e eficiente. Nossos políticos, que com suas muitas falhas são inegavelmente mestres na arte de se mostrar como líderes e defensores dos valores da população, já correm para se adaptar aos ventos de mudança. E justamente por isso, embora nunca tenham sido liberais, agora são os melhor colocados para se apresentar como liberais.
A política envolve duas esferas completamente diferentes e até mesmo desconectadas: de um lado, estão as crenças e a discussão acerca de que medidas o Estado pode tomar (ou se abster de tomar) para melhorar a vida humana. De outro, estão as habilidades e as técnicas para ser bem-sucedido na disputa pelas posições de poder na comando do Estado, que no caso de uma democracia passam pelo voto popular. De um lado, o político de Aristóteles, que tem no deliberar sobre o bem comum a atividade mais nobre possível ao homem. Do outro, o político de Maquiavel, que usará todas as ferramentas a seu dispor – inclusive o blá blá blá sobre o “bem comum” – para conquistar e manter o poder. Todo político bem-sucedido necessariamente tem uma boa dose de Maquiavel; torcemos para que pelo menos alguns desses tenham uma dose de Aristóteles.
Seja como for, nossa política, com todas as suas corrupções e inépcias, é mestra na arte de conquistar o voto popular e se manter no poder. Mesmo que para isso tenha que utilizar o discurso oposto ao que utilizou ontem. Muda a casca, mas a natureza de sua conduta permanece a mesma. Joga um pouco para seu público, faz uma ou outra concessão política (quando possível, cosmética e certamente não estrutural), mas não mais do que o necessário para garantir sua primazia na opinião popular.
Eleger novos políticos, sem experiência no jogo, é um antídoto contra essa característica do sistema? Talvez seja em parte; mas quais serão, dentre os novos candidatos, os mais aptos a se eleger? Justamente os mais hábeis em incorporar o discurso e os valores do momento e se colocar como um representante capaz deles; não necessariamente o que os leva mais a sério ou que está preocupado em descobrir soluções melhores para os problemas sociais. O idealismo raramente tem lugar na política do mundo. (E quando tem, pode ser mais perigoso do que a hipocrisia; mas isso é tema para outro dia). Acreditar que estamos chegando lá é justamente o primeiro passo para jamais sair do lugar.