Sobre a irrelevância da pichação
João Doria não é o primeiro prefeito de São Paulo a apagar grafites e pichações da cidade. Marta o fez, Haddad o fez. Na época, os atos ganharam alguma atenção da mídia, mas não geraram a celeuma que o Doria gerou, apenas porque, agora, essa ação é encarada como uma cruzada anti-cultura de um prefeito […]
Da Redação
Publicado em 26 de janeiro de 2017 às 15h53.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h13.
João Doria não é o primeiro prefeito de São Paulo a apagar grafites e pichações da cidade. Marta o fez, Haddad o fez. Na época, os atos ganharam alguma atenção da mídia, mas não geraram a celeuma que o Doria gerou, apenas porque, agora, essa ação é encarada como uma cruzada anti-cultura de um prefeito almofadinha que não entende nada do assunto, e que tem uma visão elitista, burguesa e careta sobre como a cidade deveria ser.
Doria não fica por menos e passa o rolo cinza por cima não apenas das frases e assinaturas que tanto enfeiam a cidade como também de grafites mais elaborados que adornam grandes avenidas e muros vazios. Pintou de cinza inclusive um ponto de ônibus.
E aí vemos como essa guerra sensacionalista entre esquerda e direita, que se desenrola na mídia e nas redes sociais, praticamente impossibilita o caminho razoável naquilo que tem que ser feito. De um lado, o prefeito não vai ter sossego, a campanha eleitoral parece que nunca termina, tudo que ele faz será cornetado e integrará a narrativa de quem não gosta dele. Do outro, ele precisa reafirmar sempre o seu eleitorado (que foi, afinal, a maioria, não devidamente representada no jornalismo) e agir de maneira a se impor e a criar sua própria versão, ainda que nas redes sociais e nos sites que lhe dão apoio.
É tão impossível pensar em uma política de limpar a cidade que distinga entre pichações sem nenhum valor para os cidadãos e grafites que melhoram seu entorno? Que apague uns e não os outros? Por que a ânsia, de um lado, de defender todo e qualquer picho como expressão sagrada “das ruas” que deve ter seu direito garantido (queria saber se eles oferecem o muro da própria casa a pichadores…); e, de outro, de apagar tudo indiscriminadamente?
No fundo, a resposta é clara. Sim, é possível fazer essas distinções elementares do bom senso. Elas não são feitas porque a questão em si – a pichação – é menos importante do que marcar a própria identidade na agora eterna guerra tribal que se tornou nossa política. Por isso mesmo, tanto a solução do prefeito quanto o desconsolo dos amantes da street art são irrelevantes.
A pintura de rua – pichação ou grafite – se caracteriza justamente pela efemeridade. É algo que aparece, é pintado, uma nova surge depois. As obras “imprescindíveis” que perdemos serão logo esquecidas, outras virão, e mais tinta cinza terá que ser gasta. Designar espaços separados para grafiteiros fazerem sua arte parece perder o propósito da coisa; tornar postiço o que deveria ser orgânico.
Acabar com a pichação provavelmente envolve acabar também com o grafite. Se gostamos de um, teremos que tolerar alguma medida do outro. E existem dois caminhos para coibi-los: apagar constantemente a pichação e colocar a polícia para prender pichadores e puni-los. Não me parece uma boa ideia e certamente geraria bastante reação contrária, por uma causa que talvez não seja lá tão prioritária. O outro caminho é engendrar uma cultura de maior respeito pelo espaço público, que não coloque o próprio desejo de afirmar a própria identidade por cima do que deveria o espaço público. Nas ruas e nas redes sociais, é isso que nos tem faltado, e não consta que nenhuma esfera estatal possa criá-lo.
João Doria não é o primeiro prefeito de São Paulo a apagar grafites e pichações da cidade. Marta o fez, Haddad o fez. Na época, os atos ganharam alguma atenção da mídia, mas não geraram a celeuma que o Doria gerou, apenas porque, agora, essa ação é encarada como uma cruzada anti-cultura de um prefeito almofadinha que não entende nada do assunto, e que tem uma visão elitista, burguesa e careta sobre como a cidade deveria ser.
Doria não fica por menos e passa o rolo cinza por cima não apenas das frases e assinaturas que tanto enfeiam a cidade como também de grafites mais elaborados que adornam grandes avenidas e muros vazios. Pintou de cinza inclusive um ponto de ônibus.
E aí vemos como essa guerra sensacionalista entre esquerda e direita, que se desenrola na mídia e nas redes sociais, praticamente impossibilita o caminho razoável naquilo que tem que ser feito. De um lado, o prefeito não vai ter sossego, a campanha eleitoral parece que nunca termina, tudo que ele faz será cornetado e integrará a narrativa de quem não gosta dele. Do outro, ele precisa reafirmar sempre o seu eleitorado (que foi, afinal, a maioria, não devidamente representada no jornalismo) e agir de maneira a se impor e a criar sua própria versão, ainda que nas redes sociais e nos sites que lhe dão apoio.
É tão impossível pensar em uma política de limpar a cidade que distinga entre pichações sem nenhum valor para os cidadãos e grafites que melhoram seu entorno? Que apague uns e não os outros? Por que a ânsia, de um lado, de defender todo e qualquer picho como expressão sagrada “das ruas” que deve ter seu direito garantido (queria saber se eles oferecem o muro da própria casa a pichadores…); e, de outro, de apagar tudo indiscriminadamente?
No fundo, a resposta é clara. Sim, é possível fazer essas distinções elementares do bom senso. Elas não são feitas porque a questão em si – a pichação – é menos importante do que marcar a própria identidade na agora eterna guerra tribal que se tornou nossa política. Por isso mesmo, tanto a solução do prefeito quanto o desconsolo dos amantes da street art são irrelevantes.
A pintura de rua – pichação ou grafite – se caracteriza justamente pela efemeridade. É algo que aparece, é pintado, uma nova surge depois. As obras “imprescindíveis” que perdemos serão logo esquecidas, outras virão, e mais tinta cinza terá que ser gasta. Designar espaços separados para grafiteiros fazerem sua arte parece perder o propósito da coisa; tornar postiço o que deveria ser orgânico.
Acabar com a pichação provavelmente envolve acabar também com o grafite. Se gostamos de um, teremos que tolerar alguma medida do outro. E existem dois caminhos para coibi-los: apagar constantemente a pichação e colocar a polícia para prender pichadores e puni-los. Não me parece uma boa ideia e certamente geraria bastante reação contrária, por uma causa que talvez não seja lá tão prioritária. O outro caminho é engendrar uma cultura de maior respeito pelo espaço público, que não coloque o próprio desejo de afirmar a própria identidade por cima do que deveria o espaço público. Nas ruas e nas redes sociais, é isso que nos tem faltado, e não consta que nenhuma esfera estatal possa criá-lo.