Sem médicos cubanos, todos perdem
Bolsonaro tem a chance de emergir dessa história com uma grandeza inesperada. Se, da posição dura inicial, ele evoluir para um contrato melhor com Cuba
Da Redação
Publicado em 19 de novembro de 2018 às 10h33.
Última atualização em 19 de novembro de 2018 às 12h11.
A relação de importação de profissionais médicos de Cuba pelo Brasil está longe de ser perfeita. Mesmo assim, ela é benéfica para as populações de ambos os países, em especial aqueles que mais precisam.
Ao invés de se guiar por critérios de mercado, a formação do capital humano em Cuba obedeceu ao desígnio político do governo, que focou em medicina à exclusão de muitos outros setores. Inegavelmente, a saúde em Cuba é melhor do que, por exemplo, o estado da construção civil, da infraestrutura, das ciências puras, dos serviços, etc. E pelo mesmo motivo, há uma superabundância de médicos. Em muitos países, como no Brasil, há uma escassez. Por isso, faz sentido econômico para o Estado cubano exportar os médicos locais e, com isso, ter recursos para importar bens e serviços que faltam à ilha (bem como a movimentação do mercado interno pela renda extra enviada pelos médicos às suas famílias e pelas mercadorias que trazem consigo na bagagem de volta para casa).
Os serviços médicos são, hoje, de longe a maior exportação cubana. E o Brasil tem sido o segundo maior cliente, depois da Venezuela. Para o Brasil, também faz sentido: há falta de médicos em regiões pobres do interior do país, vagas que não estão sendo preenchidas por profissionais brasileiros. As demandas dos médicos brasileiros muitas vezes são justas: falta estrutura, utensílios. O problema é que resolver isso requereria mais investimento público, sem falar no preço mais alto dos médicos brasileiros. Dado que o Estado já está sem dinheiro, que a melhora na estrutura demorará algum tempo e que a população carente precisa de cuidados agora, faz todo sentido importar médicos cubanos e de outros países.
O médico cubano, ainda que não tenha o mesmo grau de formação técnica do brasileiro, é especialista justamente no tipo de cuidado preventivo e assistencial a pessoas carentes, com problemas de saúde comuns e que, ainda assim, causam muito sofrimento e mortes em áreas desassistidas.
A OPAS, empresa estatal cubana que cuida da terceirização desses médicos e outros profissionais da saúde para vários países, fica com a maior parte da receita: 70% do que o Estado brasileiro paga vai para os cofres públicos, e não para os médicos. Ainda assim, esse médico ganha mais do que ganharia em Cuba, e por isso muitos médicos cubanos querem participar do programa. Para eles, além da experiência, é a chance de ter um aumento de renda e de levar mercadorias para casa.
Para milhões de brasileiros que vivem em condições muito precárias e são atendidos por esses médicos, é a diferença entre a saúde e a doença; às vezes, entre a vida e a morte. O médico cubano pode não ser tão bem formado quanto o brasileiro; ainda assim, é infinitamente melhor do que médico nenhum. Por isso, a população assistida aprova em peso o trabalho dos cubanos.
Pode-se criticar, com razão, as condições impostas ao trabalhador cubano pela OPAS, mas o fato é que ele não é escravo. Não é forçado a vir e é remunerado. Uma fração deles deserta e pede asilo no país de trabalho, como foi o caso da médica Ramona Rodriguez aqui no Brasil em 2014. Hoje, ela vive em Miami.
Bolsonaro tem a chance de emergir dessa história com uma grandeza inesperada. Se, da posição dura inicial, ele evoluir para um contrato melhor com Cuba – por exemplo, pagando menos por médico ou garantindo que uma porcentagem maior do pagamento vá para os profissionais – ele assegurará o bem-estar da população brasileira e a melhora das condições de trabalho dos cubanos. O governo cubano terá interesse nisso, posto que o país atravessa uma maré econômica ruim, com o fechamento americano. Contudo, se se mantiver na posição ideológica e caricata que vem mostrando, tanto brasileiros quanto cubanos vão sair perdendo. Direita ou esquerda, ninguém quer isso.
A relação de importação de profissionais médicos de Cuba pelo Brasil está longe de ser perfeita. Mesmo assim, ela é benéfica para as populações de ambos os países, em especial aqueles que mais precisam.
Ao invés de se guiar por critérios de mercado, a formação do capital humano em Cuba obedeceu ao desígnio político do governo, que focou em medicina à exclusão de muitos outros setores. Inegavelmente, a saúde em Cuba é melhor do que, por exemplo, o estado da construção civil, da infraestrutura, das ciências puras, dos serviços, etc. E pelo mesmo motivo, há uma superabundância de médicos. Em muitos países, como no Brasil, há uma escassez. Por isso, faz sentido econômico para o Estado cubano exportar os médicos locais e, com isso, ter recursos para importar bens e serviços que faltam à ilha (bem como a movimentação do mercado interno pela renda extra enviada pelos médicos às suas famílias e pelas mercadorias que trazem consigo na bagagem de volta para casa).
Os serviços médicos são, hoje, de longe a maior exportação cubana. E o Brasil tem sido o segundo maior cliente, depois da Venezuela. Para o Brasil, também faz sentido: há falta de médicos em regiões pobres do interior do país, vagas que não estão sendo preenchidas por profissionais brasileiros. As demandas dos médicos brasileiros muitas vezes são justas: falta estrutura, utensílios. O problema é que resolver isso requereria mais investimento público, sem falar no preço mais alto dos médicos brasileiros. Dado que o Estado já está sem dinheiro, que a melhora na estrutura demorará algum tempo e que a população carente precisa de cuidados agora, faz todo sentido importar médicos cubanos e de outros países.
O médico cubano, ainda que não tenha o mesmo grau de formação técnica do brasileiro, é especialista justamente no tipo de cuidado preventivo e assistencial a pessoas carentes, com problemas de saúde comuns e que, ainda assim, causam muito sofrimento e mortes em áreas desassistidas.
A OPAS, empresa estatal cubana que cuida da terceirização desses médicos e outros profissionais da saúde para vários países, fica com a maior parte da receita: 70% do que o Estado brasileiro paga vai para os cofres públicos, e não para os médicos. Ainda assim, esse médico ganha mais do que ganharia em Cuba, e por isso muitos médicos cubanos querem participar do programa. Para eles, além da experiência, é a chance de ter um aumento de renda e de levar mercadorias para casa.
Para milhões de brasileiros que vivem em condições muito precárias e são atendidos por esses médicos, é a diferença entre a saúde e a doença; às vezes, entre a vida e a morte. O médico cubano pode não ser tão bem formado quanto o brasileiro; ainda assim, é infinitamente melhor do que médico nenhum. Por isso, a população assistida aprova em peso o trabalho dos cubanos.
Pode-se criticar, com razão, as condições impostas ao trabalhador cubano pela OPAS, mas o fato é que ele não é escravo. Não é forçado a vir e é remunerado. Uma fração deles deserta e pede asilo no país de trabalho, como foi o caso da médica Ramona Rodriguez aqui no Brasil em 2014. Hoje, ela vive em Miami.
Bolsonaro tem a chance de emergir dessa história com uma grandeza inesperada. Se, da posição dura inicial, ele evoluir para um contrato melhor com Cuba – por exemplo, pagando menos por médico ou garantindo que uma porcentagem maior do pagamento vá para os profissionais – ele assegurará o bem-estar da população brasileira e a melhora das condições de trabalho dos cubanos. O governo cubano terá interesse nisso, posto que o país atravessa uma maré econômica ruim, com o fechamento americano. Contudo, se se mantiver na posição ideológica e caricata que vem mostrando, tanto brasileiros quanto cubanos vão sair perdendo. Direita ou esquerda, ninguém quer isso.