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Reformas eleitorais tornaram nossa política ainda mais fechada

Não é novidade para ninguém que sofremos uma “crise de representatividade”. Por trás desse clichê, o fato de que uma parcela expressiva da população se sente completamente alienada da classe política. Não somos representados por nossos supostos representantes. Com o início de mais um ciclo eleitoral, volta a esperança de, quem sabe, mudar essa realidade. […]

CELSO RUSSOMANNO: no dia 20 de setembro de 2012, ele atingia o pico nas pesquisas; agora, já está em queda / AFP / Getty Images (AFP/Getty Images)
CELSO RUSSOMANNO: no dia 20 de setembro de 2012, ele atingia o pico nas pesquisas; agora, já está em queda / AFP / Getty Images (AFP/Getty Images)
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Joel Pinheiro da Fonseca

Publicado em 17 de agosto de 2016 às, 11h45.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h14.

Não é novidade para ninguém que sofremos uma “crise de representatividade”. Por trás desse clichê, o fato de que uma parcela expressiva da população se sente completamente alienada da classe política. Não somos representados por nossos supostos representantes. Com o início de mais um ciclo eleitoral, volta a esperança de, quem sabe, mudar essa realidade.

Um caminho para superar esse problema seria diminuir a distância entre o cidadão comum e a política, facilitando o surgimento de novas alternativas no jogo político. Como alguém que acompanha de perto o dia a dia de um partido recém-oficializado (o Partido Novo, que recebeu registro em 15/09/2015), posso dizer sem sombra de dúvida que as mudanças pelas quais nosso sistema político vem passando, todas elas com a justificativa de tornar as eleições mais limpas, têm tido o efeito de dificultar o acesso à política e garantir os privilégios de quem está dentro do cercado.

A campanha está mais curta. Menos tempo para os candidatos divulgarem sua mensagem já daria uma vantagem para os mais conhecidos. Se nenhuma novidade aparece, o eleitor vota no que já conhece. Além disso, enquanto quem não exerce cargo público ficou de mãos atadas por meses, não podendo nem mesmo revelar ao público seu número de candidato antes dessa segunda-feira, os candidatos que já ocupam cargo de vereador vêm fazendo campanha há meses. Publicam panfletos e falam para quem quiser ouvir das maravilhas que fizeram em seu mandato. Ocupar um assento na Assembleia Legislativa é o primeiro e mais importante passo para continuar a ocupá-lo.

A proibição da doação de pessoa jurídica para partidos e campanhas foi apontada como uma grande vitória da democracia. Na prática, voltamos à situação pré-94, quando doações de empresa também eram proibidas, e nem por isso a política era mais honesta; era apenas muito menos transparente.

No lugar da doação empresarial, fica apenas o fundo partidário, dinheiro que o Estado paga aos partidos brasileiros. Como a quota do fundo que cada partido recebe é proporcional ao número de deputados que a legenda tem na Câmara, os grandes ganham muito dinheiro e os pequenos ganham pouco. Isso permite que o reinado dos grandes partidos continue incontestado e dificulta que pequenos entrem na competição. Sem falar no efeito viciante do fundo partidário para a maioria dos partidos nanicos, que não precisam se preocupar em representar o eleitorado, vivendo da mesada estatal ad aeternum.

Com o fim das doações empresariais, o fundo partidário triplicou de tamanho, e agora a força com que cada partido chega à campanha é basicamente o tamanho que ele já tem graças a eleições anteriores e negociações de migração partidária. Para um partido que tenta não jogar o mesmo jogo de sempre, a subida se tornou mais acentuada. A maioria das pessoas associa a doação empresarial às doações de grandes empreiteiras e bancos aos maiores candidatos, mas o fato é que doações de menor porte por parte de empresas pequenas e médias, que poderiam fazer toda a diferença para partidos que estão começando e precisam de investimentos, também foram proibidas.

Ainda há uma saída: a doação de pessoa física. Mesmo com todos os perrengues a que estão sujeitos por parte do Ministério Público, muitos indivíduos se dispõem a contribuir ativamente com um partido ou candidato em que acreditam. Isso ainda não foi proibido. Mesmo assim, o governo sempre tenta dificultar as coisas. Um exemplo: um cidadão não pode doar usando seu cartão de crédito, pois como existe um intermediário nessa transação entre partido e eleitor – a operadora do cartão – a Justiça considera que o dinheiro vem de pessoa jurídica. Excelente modo de promover a democracia e a participação popular!

O mesmo raciocínio se aplica ao tempo de TV gratuita (na verdade, mais uma maneira do Estado financiar os partidos), com um agravante. Além de o tempo disponível para um partido estreante com zero representantes na Câmara ser menor que cinco segundos, é terminantemente proibido comprar tempo extra na TV ou no rádio. “Ah, mas o que decidirá a eleição de hoje em diante é a internet!”. Também é proibido patrocinar ou impulsionar conteúdo na internet, e mesmo veicular conteúdos do partido e do candidato por sites ou páginas que não os deles próprios. A quem já não é grande, é vedado o direito de se mostrar.

Em outras palavras: para quem não está já devidamente encarapitado no Estado, ficou muito mais difícil entrar nele sem aderir às piores práticas da velha política nacional. Eu teria todos os motivos para aderir ao derrotismo por antecipação. Mas pelo contrário: estou bastante otimista com essas eleições (e com as de 2018). Por mais barreiras que a política tradicional crie, a população não aguenta mais a classe política que aí está.

A hora é mais do que propícia para o surgimento de novas alternativas. O importante é buscar alternativas ao que está aí e não se deixar enganar: a política tradicional sempre tentará viciar o jogo a seu favor e fechar o acesso ao Estado, mesmo quando alega medidas em nome da democracia e da participação popular.

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