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Recall presidencial: ideia interessante, mas péssima ideia

A PEC do recall foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, mas sua implementação pode ser desastrosa

PROTESTOS EM BRASÍLIA: uma lei sobre o recall das eleições criaria mais instabilidade no Brasil / REUTERS/Ueslei Marcelino
DR

Da Redação

Publicado em 22 de junho de 2017 às 15h39.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h35.

Outra pauta que vem ganhando popularidade, além da PEC da Direta (que, mesmo se passar, não deve se aplicar a este ciclo), é a do recall presidencial (ou revogação de mandato). A PEC do recall foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado e agora segue para plenária. Em princípio, a ideia não é ruim. Na prática, contudo, seja quais forem os detalhes da implementação, seria bem desastrosa.

A ideia é em princípio boa porque, como bem sabemos, a maioria pode errar; e errar feio. Se um presidente se mostra desastroso mas, diferentemente de Dilma, não tiver nenhum crime para receber o impeachment, seria possível tirar o presidente. A população é soberana. O povo dá, o povo tira. Quem pode ser contra aumentar o poder de decisão do povo, dando a ele mais chances de decidir o futuro de seu país?

Exceto que “o povo” não decide nem quer nada. São sempre maiorias; maiorias fluidas, produtos de articulações políticas, mobilizações da opinião pública e sentimentos passageiros. Mude a data da eleição em um mês, e um resultado completamente diferente se desenha. Se o pleito de 2014 tivesse sido um mês antes, Marina vencia. Se o segundo turno fosse duas semanas depois, era do Aécio.

A eleição popular direta é boa por dois motivos: o primeiro é que ela mantém o poder em alguma medida responsivo à opinião pública. Se o governante ou seu partido forem muito impopulares, eles cairão no próximo ciclo, sem necessidade de guerra civil. O segundo é que, finda a eleição, ela acabou: podemos seguir adiante sem ficar eternamente brigando para saber quem deve presidir o país: o presidente já foi eleito. Só daqui quatro anos seremos novamente tragados pela guerra eleitoral.

Com o recall, não. A eleição jamais terminará. No dia seguinte em que elegemos um novo presidente, os partidos derrotados já estarão investindo no abaixo-assinado necessário para convocar eleição de recall. Pela regra da versão que vai à plenária, serão necessárias as assinaturas de 10% do eleitorado. Com alguns milhões na mão, é plenamente factível (lembrando que certamente mais de 10% terão votado contra o presidente vencedor e serão, portanto, assinantes potenciais do abaixo-assinado). E sabemos como alguns milhões não são nada perto do dinheiro que corre para determinar os resultados da política.

Ao mesmo tempo, a oposição estará se articulando constantemente no Congresso para ter os votos necessários na Câmara. A derrubada do presidente, sem a necessidade de burocracias como investigação e evidência de crimes, se tornará uma pauta permanente da política nacional.

Desde 2015, não vivemos um mês sequer em que a derrubada do presidente em exercício não fosse um tema central da discussão pública. Havia bons motivos: as pedaladas de Dilma (e agora, sabemos, também a corrupção em larga escala), os possíveis esquemas de Temer. Mesmo assim, as energias da sociedade estão sugadas; não se fala em outra coisa e o país não avança. Torço para que depois do pleito de 2018 voltemos ao que deveria ser a normalidade: um presidente eleito e sobre cuja continuidade no cargo não ocorram disputas sérias a todo momento. Se a lei do recall passar, adeus sonho de estabilidade: colocaremos uma mira permanente na cadeira presidencial, esperando apenas o clima das ruas e do Congresso azedar para atirar.

A consequência natural seria, obviamente, a produção constante e ainda mais intensa de pautas para azedar a opinião pública e, por consequência, o Congresso. Bem ou mal, as passeatas contra Dilma pediam o impeachment por causa de seus crimes; elas pressionaram o Congresso, mas apenas porque havia algo que pesava contra a presidente que não era a própria passeata. Agora as ruas se tornarão árbitro e carrasco. A campanha eleitoral será perpétua.

O povo não é uma entidade sábia e dotada de vontade. Maiorias se coagulam e se perdem ao sabor do momento. Ter a opinião popular como pedra de toque de tempos em tempos faz todo o sentido. Deixar o governo ao sabor constante da opinião popular é, na melhor das hipóteses, deixar o navio à deriva em alto-mar. Na pior, nas mãos de um timoneiro populista com a pior das intenções.

Tirar um presidente desastroso é bom. Mas a ferramenta para tirar um presidente desastroso seria utilizável, por definição, para tirar qualquer presidente. E seria, portanto, mais um fator de desestabilização constante, algo de que o Brasil certamente não carece. Fiquemos sem o recall; eleição a cada quatro anos está muito bom. E que isso nos faça usar nossas esparsas oportunidades de voto da melhor maneira possível.

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Outra pauta que vem ganhando popularidade, além da PEC da Direta (que, mesmo se passar, não deve se aplicar a este ciclo), é a do recall presidencial (ou revogação de mandato). A PEC do recall foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado e agora segue para plenária. Em princípio, a ideia não é ruim. Na prática, contudo, seja quais forem os detalhes da implementação, seria bem desastrosa.

A ideia é em princípio boa porque, como bem sabemos, a maioria pode errar; e errar feio. Se um presidente se mostra desastroso mas, diferentemente de Dilma, não tiver nenhum crime para receber o impeachment, seria possível tirar o presidente. A população é soberana. O povo dá, o povo tira. Quem pode ser contra aumentar o poder de decisão do povo, dando a ele mais chances de decidir o futuro de seu país?

Exceto que “o povo” não decide nem quer nada. São sempre maiorias; maiorias fluidas, produtos de articulações políticas, mobilizações da opinião pública e sentimentos passageiros. Mude a data da eleição em um mês, e um resultado completamente diferente se desenha. Se o pleito de 2014 tivesse sido um mês antes, Marina vencia. Se o segundo turno fosse duas semanas depois, era do Aécio.

A eleição popular direta é boa por dois motivos: o primeiro é que ela mantém o poder em alguma medida responsivo à opinião pública. Se o governante ou seu partido forem muito impopulares, eles cairão no próximo ciclo, sem necessidade de guerra civil. O segundo é que, finda a eleição, ela acabou: podemos seguir adiante sem ficar eternamente brigando para saber quem deve presidir o país: o presidente já foi eleito. Só daqui quatro anos seremos novamente tragados pela guerra eleitoral.

Com o recall, não. A eleição jamais terminará. No dia seguinte em que elegemos um novo presidente, os partidos derrotados já estarão investindo no abaixo-assinado necessário para convocar eleição de recall. Pela regra da versão que vai à plenária, serão necessárias as assinaturas de 10% do eleitorado. Com alguns milhões na mão, é plenamente factível (lembrando que certamente mais de 10% terão votado contra o presidente vencedor e serão, portanto, assinantes potenciais do abaixo-assinado). E sabemos como alguns milhões não são nada perto do dinheiro que corre para determinar os resultados da política.

Ao mesmo tempo, a oposição estará se articulando constantemente no Congresso para ter os votos necessários na Câmara. A derrubada do presidente, sem a necessidade de burocracias como investigação e evidência de crimes, se tornará uma pauta permanente da política nacional.

Desde 2015, não vivemos um mês sequer em que a derrubada do presidente em exercício não fosse um tema central da discussão pública. Havia bons motivos: as pedaladas de Dilma (e agora, sabemos, também a corrupção em larga escala), os possíveis esquemas de Temer. Mesmo assim, as energias da sociedade estão sugadas; não se fala em outra coisa e o país não avança. Torço para que depois do pleito de 2018 voltemos ao que deveria ser a normalidade: um presidente eleito e sobre cuja continuidade no cargo não ocorram disputas sérias a todo momento. Se a lei do recall passar, adeus sonho de estabilidade: colocaremos uma mira permanente na cadeira presidencial, esperando apenas o clima das ruas e do Congresso azedar para atirar.

A consequência natural seria, obviamente, a produção constante e ainda mais intensa de pautas para azedar a opinião pública e, por consequência, o Congresso. Bem ou mal, as passeatas contra Dilma pediam o impeachment por causa de seus crimes; elas pressionaram o Congresso, mas apenas porque havia algo que pesava contra a presidente que não era a própria passeata. Agora as ruas se tornarão árbitro e carrasco. A campanha eleitoral será perpétua.

O povo não é uma entidade sábia e dotada de vontade. Maiorias se coagulam e se perdem ao sabor do momento. Ter a opinião popular como pedra de toque de tempos em tempos faz todo o sentido. Deixar o governo ao sabor constante da opinião popular é, na melhor das hipóteses, deixar o navio à deriva em alto-mar. Na pior, nas mãos de um timoneiro populista com a pior das intenções.

Tirar um presidente desastroso é bom. Mas a ferramenta para tirar um presidente desastroso seria utilizável, por definição, para tirar qualquer presidente. E seria, portanto, mais um fator de desestabilização constante, algo de que o Brasil certamente não carece. Fiquemos sem o recall; eleição a cada quatro anos está muito bom. E que isso nos faça usar nossas esparsas oportunidades de voto da melhor maneira possível.

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