Pouco a celebrar
Uma alegria inesperada brotou no meu peito quando ontem, finalmente, confirmou-se o impeachment. Foi o selo final a uma era que o Brasil fará bem em deixar para trás; de um projeto de poder de um partido e de uma visão do Estado que tão facilmente se misturaram. Agora o Brasil pode finalmente seguir em […]
Da Redação
Publicado em 1 de setembro de 2016 às 11h46.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h00.
Uma alegria inesperada brotou no meu peito quando ontem, finalmente, confirmou-se o impeachment. Foi o selo final a uma era que o Brasil fará bem em deixar para trás; de um projeto de poder de um partido e de uma visão do Estado que tão facilmente se misturaram. Agora o Brasil pode finalmente seguir em frente. Isso se a Lava-Jato permitir. E torço para que não permita.
O Brasil precisa de ordem e paz. Mas precisa talvez mais ainda de renovação. Mais do que nunca, é difícil que essa renovação venha apenas pelos caminhos políticos tradicionais, controlados por quem já está na máquina. Que esses saiam ou sejam obrigados a baixar a bola talvez seja a única esperança realista de ver as figuras que nos governam circularem um pouco.
Mesmo com a metástase da classe política e com a falência de nossa democracia representativa, não deixa de ser surpreendente a capacidade que ela ainda tem de comandar os sentimentos e os discursos de milhões de pessoas. Mesmo entre os defensores de Dilma, poucos realmente gostam (e dizem gostar) dela. Entre os favoráveis à saída, então, nem se fala; Michel Temer é um “menos ruim” ainda muito ruim. E, mesmo assim, ambos se aferram às suas posições e a troca de ódio mútuo nas redes sociais nunca foi tão intensa.
O pior é constatar que, em meio a essa verdadeira guerra, os dois lados nem sequer têm acesso às pessoas reais que realmente compõem o jogo político. A Dilma dos petistas é totalmente diferente da Dilma dos defensores do impeachment, ambas igualmente falsas, criaturas da propaganda partidária e de narrativas vendáveis da mídia. Idem para Temer, Renan, Aécio, etc.
Tivemos um pequeno lampejo das pessoas reais no momento do cafezinho, intervalo do julgamento. A câmera de um repórter mostrou Dilma, Aécio, Cardozo e Lewandowski rindo juntos de alguma piada. São pessoas que se acusam publicamente das piores falhas de caráter e de enormes crimes, ali batendo um papo descontraído. Enquanto isso, melhores amigos de infância cortam relações por causa de um debate no Facebook.
Na incapacidade de conhecer a verdadeira Dilma ou o verdadeiro Temer, e estando eles longe demais para que possamos fazer qualquer coisa, resta odiar – agora sim – seus apoiadores, que vivem e comem do nosso lado. É aí que reside o real conflito: duas grandes tribos que se formam e passam a se odiar por motivos fictícios, em prol de pessoas que nem perto aderem com a mesma sinceridade às discussões em jogo. Será que sentir-se do lado do bem mais do que compensa a divisão e a inimizade?
As redes sociais e as campanhas políticas dos últimos ciclos criaram divisões políticas muito mais profundas do que antes. Fizeram com que a adesão partidária – que em todo caso é tão fluida – se transformasse em uma marca identitária forte para muita gente. Isso não melhorou nossa política – se fosse para apostar, eu diria que o saldo foi oposto –, prejudicou a convivência no país (na família, no trabalho, etc.), fez de nós peões no xadrez alheio, e não nos tornou mais felizes. Será que a politização crescente de cada vez mais áreas da vida é realmente desejável?
Temos que celebrar os momentos bons que aparecem em meio aos dias negros. A saída de Dilma dá ao menos uma esperança de que algo pode ser feito para superar a crise. O mais provável, contudo, é que nosso sistema político não esteja preparado para as mudanças necessárias, e nem nós dispostos aos sacrifícios que a mudança exige. Um amadurecimento para 2018 requererá uma nova disposição. De onde ela pode vir, se não de nós mesmos?
Uma alegria inesperada brotou no meu peito quando ontem, finalmente, confirmou-se o impeachment. Foi o selo final a uma era que o Brasil fará bem em deixar para trás; de um projeto de poder de um partido e de uma visão do Estado que tão facilmente se misturaram. Agora o Brasil pode finalmente seguir em frente. Isso se a Lava-Jato permitir. E torço para que não permita.
O Brasil precisa de ordem e paz. Mas precisa talvez mais ainda de renovação. Mais do que nunca, é difícil que essa renovação venha apenas pelos caminhos políticos tradicionais, controlados por quem já está na máquina. Que esses saiam ou sejam obrigados a baixar a bola talvez seja a única esperança realista de ver as figuras que nos governam circularem um pouco.
Mesmo com a metástase da classe política e com a falência de nossa democracia representativa, não deixa de ser surpreendente a capacidade que ela ainda tem de comandar os sentimentos e os discursos de milhões de pessoas. Mesmo entre os defensores de Dilma, poucos realmente gostam (e dizem gostar) dela. Entre os favoráveis à saída, então, nem se fala; Michel Temer é um “menos ruim” ainda muito ruim. E, mesmo assim, ambos se aferram às suas posições e a troca de ódio mútuo nas redes sociais nunca foi tão intensa.
O pior é constatar que, em meio a essa verdadeira guerra, os dois lados nem sequer têm acesso às pessoas reais que realmente compõem o jogo político. A Dilma dos petistas é totalmente diferente da Dilma dos defensores do impeachment, ambas igualmente falsas, criaturas da propaganda partidária e de narrativas vendáveis da mídia. Idem para Temer, Renan, Aécio, etc.
Tivemos um pequeno lampejo das pessoas reais no momento do cafezinho, intervalo do julgamento. A câmera de um repórter mostrou Dilma, Aécio, Cardozo e Lewandowski rindo juntos de alguma piada. São pessoas que se acusam publicamente das piores falhas de caráter e de enormes crimes, ali batendo um papo descontraído. Enquanto isso, melhores amigos de infância cortam relações por causa de um debate no Facebook.
Na incapacidade de conhecer a verdadeira Dilma ou o verdadeiro Temer, e estando eles longe demais para que possamos fazer qualquer coisa, resta odiar – agora sim – seus apoiadores, que vivem e comem do nosso lado. É aí que reside o real conflito: duas grandes tribos que se formam e passam a se odiar por motivos fictícios, em prol de pessoas que nem perto aderem com a mesma sinceridade às discussões em jogo. Será que sentir-se do lado do bem mais do que compensa a divisão e a inimizade?
As redes sociais e as campanhas políticas dos últimos ciclos criaram divisões políticas muito mais profundas do que antes. Fizeram com que a adesão partidária – que em todo caso é tão fluida – se transformasse em uma marca identitária forte para muita gente. Isso não melhorou nossa política – se fosse para apostar, eu diria que o saldo foi oposto –, prejudicou a convivência no país (na família, no trabalho, etc.), fez de nós peões no xadrez alheio, e não nos tornou mais felizes. Será que a politização crescente de cada vez mais áreas da vida é realmente desejável?
Temos que celebrar os momentos bons que aparecem em meio aos dias negros. A saída de Dilma dá ao menos uma esperança de que algo pode ser feito para superar a crise. O mais provável, contudo, é que nosso sistema político não esteja preparado para as mudanças necessárias, e nem nós dispostos aos sacrifícios que a mudança exige. Um amadurecimento para 2018 requererá uma nova disposição. De onde ela pode vir, se não de nós mesmos?