Paliativo bem-vindo
Intervenção não vai mudar a estrutura de incentivos ao crime organizado
Publicado em 23 de fevereiro de 2018 às, 08h44.
É uma coisa muito triste ver um estado perdendo o controle de sua própria segurança, que tem agora ser gerida pelo governo federal. Triste, mas talvez necessário. O Rio de Janeiro pode não ser o estado mais violento do Brasil; mas é um estado no qual o crime organizado se encastelou e exerce um poder que rivaliza com o do Estado.
Ao mesmo tempo, as forças de segurança do estado do Rio estão tão comprometidas que dificilmente, por conta própria, seriam parte da solução. Como elaborar e implementar um novo plano de segurança se as polícias são parte do problema?
Nesse sentido, penso que a intervenção federal pode ajudar a chegar, não numa “solução”, mas numa situação melhor. O Rio já teve o exército nas ruas antes; isso não é novidade. O que é inédito é que agora quem toma as decisões da segurança é o governo federal na figura do interventor- o General Walter Braga Netto -, que tem mais liberdade e menos vínculos políticos para fazer as mudanças necessárias na estrutura das polícias militar e civil, trocando comandantes e varrendo corruptos com maior celeridade.
Sem dúvida é uma medida paliativa; que não vai ao cerne do problema da segurança pública. Mas ser paliativo não é ruim. O tratamento paliativo é muitas vezes essencial. Um analgésico é um cuidado paliativo durante uma doença, mas essencial para o bem-estar do paciente enquanto a doença é tratada.
Na minha visão, a intervenção será um sucesso se: 1) a presença do exército e o uso mais inteligente das polícias levar a uma queda nos níveis de criminalidade; 2) se as polícias forem reestruturadas e estiverem numa condição melhor de combater o crime ao fim do período. Por outro lado, se se mostrar incapaz de conter a violência, ou se – o que é igualmente grave – piorar as violações de direitos humanos por parte do Estado (que já não é baixa), será um fracasso.
A situação no Rio é realmente grave. Contudo, não consigo olhar para ela sem pensar que uma solução em profundidade passa por mudanças importantes na legislação. Em particular, passa por tirar das mãos do crime organizado uma fonte de lucros espetaculares que hoje entregamos de bandeja a ele. Falo, evidentemente, das drogas.
A política de guerra às drogas fortalece o crime organizado, ou garantir que ele terá o controle sobre bens pelos quais existe alta demanda. Exatamente como a Lei Seca fortaleceu o crime organizado nos EUA dos anos 20. Seguimos o caminho inglório do México e outros Estados que, na luta contra o narcotráfico, produzem uma situação de violência e criminalidade crescente.
É claro que esse aspecto não é o único na questão das drogas. Quem defende a descriminalização facilmente esquece dos danos terríveis que as drogas causam. Quem defende a proibição, facilmente esquece que o álcool é capaz também de muita destruição humana, e nem por isso é uma boa ideia proibi-lo.
Com as drogas descriminalizadas, o crime organizado acabaria? É claro que não. Mas ele perderia uma fonte de renda altamente lucrativa, e que hoje em dia dá a ele o poder de fogo e o poder de atração (para jovens pobres) que fazem com que o Rio de Janeiro tenha chegado à condição em que se encontra. A intervenção é um aumento da repressão que visa a controlar uma situação que foge ao controle. Mas não vai, por si só, mudar a estrutura de incentivos que praticamente garante que o crime organizado terá poder e dinheiro em nossa sociedade.