Os ataques impotentes do bolsonarismo à democracia
A convocação de protestos contra o Congresso indica que o presidente se sente encurralado
Da Redação
Publicado em 28 de fevereiro de 2020 às 13h29.
Bolsonaro chamar alguns contatos para protestos contra o Congresso é um ato lamentável, mais uma para a longa lista de quebras de decoro que ele acumula, mas está longe de ser um tentativa de golpe ou de representar grande risco à democracia. Pelo contrário: indica um presidente que se sente encurralado.
Na lógica bolsonarista, a própria essência da atividade política é corrupta: negociar, ceder aqui para ganhar ali, entrar em acordos com quem tem ideias e interesses diversos. A própria articulação política era vista como uma forma de corrupção. Como fazer, então, para ter o apoio de um número suficiente de congressistas para aprovar seus projetos? Ora, bastava ter apoio popular, o povo nas ruas e nas redes sociais expressando sua vontade, que os deputados e senadores iriam se mover de acordo.
Essa estratégia foi testada ao longo de 2019: Bolsonaro prometia não negociar verbas e cargos – no que diz respeito aos cargos de primeiro escalão, cumpriu; quanto às verbas, falhou: o governo abriu a torneira das emendas parlamentares para aprovar a reforma da previdência. Mesmo assim, as redes sociais foram tomadas – e continuam – pela militância digital pró-governo, atacando, xingando e caluniando quem quer que se opusesse à vontade do presidente: políticos de oposição, formadores de opinião, ministros do Supremo, jornalistas (esta semana mesmo vimos ameaças inclusive à família de Vera Magalhães) e até integrantes do próprio governo (como o então ministro General Santos Cruz, o vice-presidente Mourão etc.). E em diversos momentos os apoiadores de Bolsonaro foram chamados às ruas para demonstrar seu apoio ao governo e atacar os mesmos inimigos de sempre: Congresso, STF, mídia, universidades. Era a pressão popular – bem mais orquestrada e menos espontânea do que o discurso da militância fazia parecer – agindo para intimidar legisladores e ministros do Supremo.
Qual foi o resultado? Depois de um ano de intensa “mobilização popular” e com quase nenhum esforço de negociar politicamente junto ao Congresso, Bolsonaro iniciou 2020 muito mais enfraquecido. E o Congresso, muito mais poderoso. O STF barrou o que quis dos projetos de Bolsonaro (como a extinção de diversos conselhos); o Congresso desidratou tudo que não era de seu interesse, e ainda abocanhou uma parcela maior do orçamento graças ao orçamento impositivo (apoiado por todos os membros da família Bolsonaro). O novo grande bloco da Câmara, batizado de supercentrão e alinhado à centro-direita, tem 70% dos deputados. Seria o sonho de um governo de direita que dialogasse com o Congresso; é o pesadelo de um que tentou vencê-lo no grito.
Passada a turbulência do episódio desnecessário desta semana, é provável que o Congresso volte ao acordo prévio com o governo: mantém alguns vetos presidenciais e retira outros. O esperado é que entre R$10 e R$30 bilhões do orçamento fiquem nas mãos do Congresso, fora da discricionariedade do Executivo.
O que a passeata de domingo 15/03 pode contra isso? Nada. Assim, apesar de ser lamentável ver setores da população querendo fechar Congresso e STF, e ainda com o apoio do Presidente, o fato é que esse desejo tem se mostrado impotente, e Bolsonaro tem perdido todas as batalhas importantes. Na agenda econômica, há confluência entre governo e Congresso, mas o Congresso já assumiu o protagonismo. No restante, o Congresso manda.
Tudo isso para concluir: é grave ver o presidente conclamar seus contatos para um protesto contra o Congresso? Sim. (Embora ele possa se defender dizendo que nos vídeos que ele repassou não há nenhuma fala contra o Congresso, apenas de louvor ao Mito.) Ele segue, desde o início do mandato, testando os limites institucionais e atacando qualquer obstáculo ao seu poder? Sim. Mas essa estratégia funcionou até agora? Não. Há alguma indicação de que ela funcionará? Tampouco.
O povo nas ruas pode muito pouca coisa no Brasil. Especialmente aos domingos. A cada novo protesto, menos gente aparece. Mesmo que esse quebre a tendência de queda, falta muito para ter algum impacto junto a um Congresso que se sente encorajado. Nesse sentido, os motins de policiais – que também contam com um apoio tácito e meio ambíguo da presidência – são um risco muito maior. Ver o povo na rua querendo fechar Congresso é triste: foi triste em 2013, e o será em 2020 (provavelmente em números muito menores). Mas até o momento não tem sido um risco para a democracia brasileira. Pelo contrário, desde a redemocratização, o Legislativo tem vencido muito mais batalhas do que perdido.
Bolsonaro chamar alguns contatos para protestos contra o Congresso é um ato lamentável, mais uma para a longa lista de quebras de decoro que ele acumula, mas está longe de ser um tentativa de golpe ou de representar grande risco à democracia. Pelo contrário: indica um presidente que se sente encurralado.
Na lógica bolsonarista, a própria essência da atividade política é corrupta: negociar, ceder aqui para ganhar ali, entrar em acordos com quem tem ideias e interesses diversos. A própria articulação política era vista como uma forma de corrupção. Como fazer, então, para ter o apoio de um número suficiente de congressistas para aprovar seus projetos? Ora, bastava ter apoio popular, o povo nas ruas e nas redes sociais expressando sua vontade, que os deputados e senadores iriam se mover de acordo.
Essa estratégia foi testada ao longo de 2019: Bolsonaro prometia não negociar verbas e cargos – no que diz respeito aos cargos de primeiro escalão, cumpriu; quanto às verbas, falhou: o governo abriu a torneira das emendas parlamentares para aprovar a reforma da previdência. Mesmo assim, as redes sociais foram tomadas – e continuam – pela militância digital pró-governo, atacando, xingando e caluniando quem quer que se opusesse à vontade do presidente: políticos de oposição, formadores de opinião, ministros do Supremo, jornalistas (esta semana mesmo vimos ameaças inclusive à família de Vera Magalhães) e até integrantes do próprio governo (como o então ministro General Santos Cruz, o vice-presidente Mourão etc.). E em diversos momentos os apoiadores de Bolsonaro foram chamados às ruas para demonstrar seu apoio ao governo e atacar os mesmos inimigos de sempre: Congresso, STF, mídia, universidades. Era a pressão popular – bem mais orquestrada e menos espontânea do que o discurso da militância fazia parecer – agindo para intimidar legisladores e ministros do Supremo.
Qual foi o resultado? Depois de um ano de intensa “mobilização popular” e com quase nenhum esforço de negociar politicamente junto ao Congresso, Bolsonaro iniciou 2020 muito mais enfraquecido. E o Congresso, muito mais poderoso. O STF barrou o que quis dos projetos de Bolsonaro (como a extinção de diversos conselhos); o Congresso desidratou tudo que não era de seu interesse, e ainda abocanhou uma parcela maior do orçamento graças ao orçamento impositivo (apoiado por todos os membros da família Bolsonaro). O novo grande bloco da Câmara, batizado de supercentrão e alinhado à centro-direita, tem 70% dos deputados. Seria o sonho de um governo de direita que dialogasse com o Congresso; é o pesadelo de um que tentou vencê-lo no grito.
Passada a turbulência do episódio desnecessário desta semana, é provável que o Congresso volte ao acordo prévio com o governo: mantém alguns vetos presidenciais e retira outros. O esperado é que entre R$10 e R$30 bilhões do orçamento fiquem nas mãos do Congresso, fora da discricionariedade do Executivo.
O que a passeata de domingo 15/03 pode contra isso? Nada. Assim, apesar de ser lamentável ver setores da população querendo fechar Congresso e STF, e ainda com o apoio do Presidente, o fato é que esse desejo tem se mostrado impotente, e Bolsonaro tem perdido todas as batalhas importantes. Na agenda econômica, há confluência entre governo e Congresso, mas o Congresso já assumiu o protagonismo. No restante, o Congresso manda.
Tudo isso para concluir: é grave ver o presidente conclamar seus contatos para um protesto contra o Congresso? Sim. (Embora ele possa se defender dizendo que nos vídeos que ele repassou não há nenhuma fala contra o Congresso, apenas de louvor ao Mito.) Ele segue, desde o início do mandato, testando os limites institucionais e atacando qualquer obstáculo ao seu poder? Sim. Mas essa estratégia funcionou até agora? Não. Há alguma indicação de que ela funcionará? Tampouco.
O povo nas ruas pode muito pouca coisa no Brasil. Especialmente aos domingos. A cada novo protesto, menos gente aparece. Mesmo que esse quebre a tendência de queda, falta muito para ter algum impacto junto a um Congresso que se sente encorajado. Nesse sentido, os motins de policiais – que também contam com um apoio tácito e meio ambíguo da presidência – são um risco muito maior. Ver o povo na rua querendo fechar Congresso é triste: foi triste em 2013, e o será em 2020 (provavelmente em números muito menores). Mas até o momento não tem sido um risco para a democracia brasileira. Pelo contrário, desde a redemocratização, o Legislativo tem vencido muito mais batalhas do que perdido.