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O retorno do Brasil brasileiro

Sediar Olimpíada no Brasil era uma má decisão desde o princípio. Já se sabia, e agora se comprova cada vez mais, que o país sede, via de regra, não sai ganhando. Claro, sempre há exceções: Barcelona, cidade com enorme potencial turístico que jazia esquecida e mal cuidada; o evento foi o estopim para sua redescoberta […]

OLIMPÍADAS: todos os nossos problemas de sempre estarão esperando por nós, iguaizinhos, praticamente insolúveis, depois dos Jogos / Paul Gilham / Getty Images
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Da Redação

Publicado em 9 de agosto de 2016 às 12h51.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h23.

Sediar Olimpíada no Brasil era uma má decisão desde o princípio. Já se sabia, e agora se comprova cada vez mais, que o país sede, via de regra, não sai ganhando. Claro, sempre há exceções: Barcelona, cidade com enorme potencial turístico que jazia esquecida e mal cuidada; o evento foi o estopim para sua redescoberta e modernização. Na maior parte das vezes, o legado são obras desnecessárias para a vida normal da cidade. No caso do Rio, levando em conta o Pan de 2007 e a Copa, podemos já contabilizar também custos extras de manutenção de obras malfeitas e seu provável abandono antes da hora.

Também é verdade que, no caso de um país como o Brasil, as despesas da Olimpíada parecem especialmente equivocadas, dadas as prioridades sociais urgentes que continuam a sofrer de carência de recursos. Só as festas de abertura e encerramento (inclui Olimpíada e Paralimpíada) somam 200 milhões de reais. Dava para fazer a diferença em muita cidade carente pelo país.

E, no entanto, a partir da última sexta-feira à noite, essa argumentação, embora impecável, parece mesquinha. Era previsível que, uma vez começados os Jogos, entraríamos todos no clima da festa (eu, pelo menos, entrei). A cerimônia de abertura conseguiu cristalizar isso em um momento especial, pois deu um passo além do esperado: não apenas fez um show bonito – ao contrário do mico da Copa – como nos reconectou ao Brasil que poderia ser, que existe continuamente dentro do Brasil que é.

O Brasil do sincretismo cultural, da criação de ritmos, da miscigenação. Marcado sim por pobreza, desigualdade e violência, mas que tem nas virtudes da convivência e do gozar o momento uma contraparte valiosa para as mazelas dessa mesma cultura.

Confrontadas com a Garota de Ipanema, as ideologias murcham. As críticas tradicionais à “alienação” de se festejar quando o país tem tantas injustiças, as acusações estridentes – e 100% verdadeiras – de que a festa foi erguida sobre corrupção e desperdício perderam o sentido. Pobreza e corrupção não invalidam a celebração. Antes, em face daquelas, esta se torna ainda mais necessária e admirável.

Um dado importante – e na minha opinião valioso – da cultura brasileira é não deixar a ideologia, o reino da opinião sobre a configuração política do país (âmbito etéreo no qual o impossível e até o indesejável ganham ares de aspiração maravilhosa), se sobrepor à vida, à experiência de se relacionar e celebrar este mundo.

A chave que virou na abertura, e que seguirá virada durante os Jogos, não diz respeito a fatos sobre o Brasil, mas à importância que damos aos fatos. A pobreza continua sendo um problema sério, a violência idem, mas isso não significa que todos – inclusive aqueles que sofrem com violência e pobreza – tenham que viver de luto até que chegue o mundo melhor. Todos os nossos problemas de sempre estarão esperando por nós, iguaizinhos, praticamente insolúveis, depois dos Jogos. Teremos eleições, um fim de ano mais pobre do que o fim de ano passado, um rombo fiscal mais profundo; muita coisa para quebrarmos a cabeça incansavelmente até parar para o merecido descanso do novo ano e do Carnaval. Nem só de pão de vive o homem…

Mais do que mostrar o Brasil para o resto do mundo (e não está claro ainda quais aspectos, positivos ou negativos, a alegria da festa ou o caos da organização, os estrangeiros levarão consigo), a Olimpíada está nos levando a redescobrir a nossa própria identidade. A alegria é um fim em si mesma, e é perfeitamente compatível com a precariedade material. Mesmo com muito sofrimento, a vida vale a pena ser vivida, e o Brasil, com todos os defeitos, tem enormes valores. Sentimos que, se tiver que sacrificá-los para resolver os problemas atuais, talvez pague um preço alto demais.

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Sediar Olimpíada no Brasil era uma má decisão desde o princípio. Já se sabia, e agora se comprova cada vez mais, que o país sede, via de regra, não sai ganhando. Claro, sempre há exceções: Barcelona, cidade com enorme potencial turístico que jazia esquecida e mal cuidada; o evento foi o estopim para sua redescoberta e modernização. Na maior parte das vezes, o legado são obras desnecessárias para a vida normal da cidade. No caso do Rio, levando em conta o Pan de 2007 e a Copa, podemos já contabilizar também custos extras de manutenção de obras malfeitas e seu provável abandono antes da hora.

Também é verdade que, no caso de um país como o Brasil, as despesas da Olimpíada parecem especialmente equivocadas, dadas as prioridades sociais urgentes que continuam a sofrer de carência de recursos. Só as festas de abertura e encerramento (inclui Olimpíada e Paralimpíada) somam 200 milhões de reais. Dava para fazer a diferença em muita cidade carente pelo país.

E, no entanto, a partir da última sexta-feira à noite, essa argumentação, embora impecável, parece mesquinha. Era previsível que, uma vez começados os Jogos, entraríamos todos no clima da festa (eu, pelo menos, entrei). A cerimônia de abertura conseguiu cristalizar isso em um momento especial, pois deu um passo além do esperado: não apenas fez um show bonito – ao contrário do mico da Copa – como nos reconectou ao Brasil que poderia ser, que existe continuamente dentro do Brasil que é.

O Brasil do sincretismo cultural, da criação de ritmos, da miscigenação. Marcado sim por pobreza, desigualdade e violência, mas que tem nas virtudes da convivência e do gozar o momento uma contraparte valiosa para as mazelas dessa mesma cultura.

Confrontadas com a Garota de Ipanema, as ideologias murcham. As críticas tradicionais à “alienação” de se festejar quando o país tem tantas injustiças, as acusações estridentes – e 100% verdadeiras – de que a festa foi erguida sobre corrupção e desperdício perderam o sentido. Pobreza e corrupção não invalidam a celebração. Antes, em face daquelas, esta se torna ainda mais necessária e admirável.

Um dado importante – e na minha opinião valioso – da cultura brasileira é não deixar a ideologia, o reino da opinião sobre a configuração política do país (âmbito etéreo no qual o impossível e até o indesejável ganham ares de aspiração maravilhosa), se sobrepor à vida, à experiência de se relacionar e celebrar este mundo.

A chave que virou na abertura, e que seguirá virada durante os Jogos, não diz respeito a fatos sobre o Brasil, mas à importância que damos aos fatos. A pobreza continua sendo um problema sério, a violência idem, mas isso não significa que todos – inclusive aqueles que sofrem com violência e pobreza – tenham que viver de luto até que chegue o mundo melhor. Todos os nossos problemas de sempre estarão esperando por nós, iguaizinhos, praticamente insolúveis, depois dos Jogos. Teremos eleições, um fim de ano mais pobre do que o fim de ano passado, um rombo fiscal mais profundo; muita coisa para quebrarmos a cabeça incansavelmente até parar para o merecido descanso do novo ano e do Carnaval. Nem só de pão de vive o homem…

Mais do que mostrar o Brasil para o resto do mundo (e não está claro ainda quais aspectos, positivos ou negativos, a alegria da festa ou o caos da organização, os estrangeiros levarão consigo), a Olimpíada está nos levando a redescobrir a nossa própria identidade. A alegria é um fim em si mesma, e é perfeitamente compatível com a precariedade material. Mesmo com muito sofrimento, a vida vale a pena ser vivida, e o Brasil, com todos os defeitos, tem enormes valores. Sentimos que, se tiver que sacrificá-los para resolver os problemas atuais, talvez pague um preço alto demais.

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