O racismo e sua reação
O ódio contra Waack é mais função da predisposição de muitos de ser contra ele por suas posições de direita do que uma reação justa a um caráter monstruoso
Publicado em 10 de novembro de 2017 às, 10h19.
Última atualização em 10 de novembro de 2017 às, 16h18.
O racismo é repugnante. Ainda temos um longo caminho até vencê-lo no Brasil. Sendo assim, a sanção social contra o racismo é bem-vinda. Por outro lado, o furor punitivista e a tendência a personalizar o debate, elencando o comentário racista como o grande mal a ser punido exemplarmente erra o alvo e pode ser contraproducente.
Durante o dia de ontem, “surgiu” (provavelmente foi estrategicamente colocado) nas redes sociais um vídeo do jornalista da Globo William Waack de um ano atrás, na cobertura da eleição presidencial americana, em que ele, em algum momento entre as gravações, faz um comentário racista. Algum carro buzinava insistentemente perto de onde eles gravariam, ele xinga o motorista, vira-se para olhá-lo e, depois disso, volta-se para seu colega de cena (Paulo Sotero) e comenta rindo: “É preto. É coisa de preto.”.
O comentário, no tom de escárnio que foi feito, é muito feio. Merece algum tipo de pedido de desculpas público. Ao mesmo tempo, foi um comentário privado dito em momento de estresse, de agressividade aflorada; não é bom indicar do que o jornalista realmente pensa sobre negros, sobre as raças, ou qualquer outra coisa. O ódio que se levanta contra Waack é mais função da predisposição de muitos de ser contra ele por suas posições de direita do que uma reação justa a um caráter monstruoso. Basta lembrar que, em 2009, o jornalista Paulo Henrique Amorim chamou Heraldo Pereira de “negro de alma branca”, venceu a narrativa de que fora um deslize, um momento infeliz que não retratava verdadeiramente a alma do bom jornalista.
Comentários de ódio como forma de aliviar a tensão interna são hábito comum da humanidade. Feio, mas comum. Não se dá só com a raça, não. Tem quem fale mal de mulheres, de homossexuais, de idosos, de ricos, de pobres, de motoboys e taxistas, ou de pessoas específicas (“tinha que ser aquele burro…”). E falar assim não significa que se acredite nisso, que se viva a vida agindo com base nessa afirmação. A mente humana está sujeita a ódios irracionais – que não representam o pensamento ponderado daquele indivíduo – que vem à tona e escapam do autopoliciamento.
Além disso, o comentário de Waack para Sotero foi um comentário privado e não foi dirigido a nenhum negro, ou seja, não foi usado para humilhar alguém. Que ele seja veiculado para sua execração pública abre o precedente para que qualquer conversa privada em qualquer empresa do país seja usada para queimar funcionários. E quem será inocente de comentários casuais de maldade e de ódio – se não contra uma raça, contra outros grupos e pessoas?
Seja como for, uma vez que veio a público, Waack tem o dever de se desculpar. Possivelmente, também se submeter a algum tipo de ação educativa para reforçar o caráter nefasto do racismo. Querer o fim de sua carreira, prisão, exílio eterno é fruto de um ódio reativo, não de uma estimativa justa da gravidade do que foi cometido.
Mesmo porque o problema do racismo não são alguns homens muito maus, e sim de uma cultura habituada a colocar o negro e tudo que a ele é associado em um patamar inferior ao branco, algo que é reproduzido por muitos na sociedade. Não será mudado com punições draconianas, com campanhas de caçada às bruxas, com o impulso repressivo que parece ser a primeira opção do brasileiro para lidar com tudo de que ele não gosta.
Ao contrário, a postura de patrulhamento e punição severa de qualquer deslize tende a promover o efeito oposto ao desejado: o desprezo pela causa anti-racista e, quem sabe, o fortalecimento até mesmo de um tipo de racismo beligerante (fundado no ódio racial) do qual, até hoje, felizmente, o Brasil foi largamente poupado.