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O que puxa nossa economia ainda mais para baixo?

Guedes e suas brilhantes falas e palestras estão perdendo a capacidade de trazer o brilho ao olhar de traders e empresários

 (Adriano Machado/Reuters)
(Adriano Machado/Reuters)
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Joel Pinheiro da Fonseca

Publicado em 17 de maio de 2020 às, 10h08.

O mundo inteiro está sofrendo com a pandemia. As economias estão em queda livre. É natural, portanto, que, em busca de um porto seguro, os investidores comprem dólar. Os bancos centrais do mundo todo também estão cortando juros. Assim, moedas de países emergentes perdem valor. Isso não explica, contudo, porque justo o nosso real tem se desvalorizado tão mais do que as outras. Há mais alguma coisa aí…

O Credit Suisse tornou explícito o que já estava claro: projetam o dólar a R$6,20 e citam como um dos motivos o risco político brasileiro. Segundo Lauro Jardim, já tem fundo norte-americano prevendo o dólar a R$8,00 no Natal. Em entrevista, o presidente da Mercedes-Benz no Brasil e América Latina, Philipp Schiemer, disse que as expectativas da empresa quanto à retomada econômica no segundo semestre já estão se decepcionando. O motivo? “A administração falha da crise está postergando a normalização da economia e, a cada dia que perdemos com esse descontrole, mais se agrava a situação. (…) O que falta são ações coordenadas e eficientes de combate à covid-19 entre governos federal, estaduais e municipais.”

Por fim, até o Vice-presidente General Mourão, em artigo no Estadão na quarta-feira (“Limites e Responsabilidades”), apontou o dedo para o grande problema: a instabilidade e falta de projeto coordenado no momento atual. “Enquanto os países mais importantes do mundo se organizam para enfrentar a pandemia em todas as frentes, de saúde a produção e consumo, aqui, no Brasil, continuamos entregues a estatísticas seletivas, discórdia, corrupção e oportunismo.”

Mourão faz o seu melhor para apontar o dedo em todas as direções: Congresso, governadores, STF, mídia. Mas é o silêncio de Mourão que me interessa: será que cada um desses está completamente errado e trabalha para o mal do país? Ou será que a responsabilidade maior cabe justo ao pivô do conflito de cada um desses: o Presidente da República?

Mourão insiste na necessidade de coordenação, mas como é possível coordenar se o Presidente não tem plano, se passa os dias a brigar com seus próprios ministros, a criar confusão (mudar o Diretor Geral da PF justo agora?)? O primeiro e mais elementar passo, criar um comitê de ministros e governadores, como recomendado por Toffoli, nem foi tentado. Se vemos agora um verdadeiro bate-cabeça sem fim, de medidas descoordenadas e clima anárquico, é porque o Presidente não governa, não tem ideia de como liderar o país. E isso está nos custando muito caro.

A falta de liderança e o abraço ao Centrão para garantir a própria sobrevivência na Câmara – que cobrará um preço (não só) em gasto público – estão rapidamente erodindo a confiança do mercado em nossa recuperação. Guedes e suas brilhantes falas e palestras estão perdendo a capacidade de trazer o brilho ao olhar de traders e empresários.

E isso por dois motivos. O primeiro, que nada tem a ver com ele: Bolsonaro agora dá ouvidos também à ala militar e ao Centrão quando o assunto é economia. Guedes é uma vez entre outras, e não mais a única. O segundo é responsabilidade dele: de tanto fazer promessas megalomaníacas e não entregar, suas projeções são tomadas como intenções de alguém que ninguém sabe direito se terá condições internas de implementar.

Provocar conflito para mobilizar sua base é o único truque de Bolsonaro. Sem isso, sem essa base mobilizada, ele não tem nada. Queimou todas as pontes possíveis e interlocutores sérios. Continuará a agir da mesma maneira, com cada vez mais extremismo e desespero, conforme a crise se aprofunde. Esperar qualquer estabilidade ou coordenação enquanto ele estiver na Presidência é um sonho vão. Continuaremos em águas revoltas e afugentando investimentos. O mundo inteiro sofre, mas nós caímos mais fundo puxados por uma variável evidente: Bolsonaro. Não há Guedes que o compense.