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O que foi perdido nos protestos do “Fora Temer”

A grande manifestação do “Fora Temer” do domingo passado em São Paulo foi uma tragédia moral para nossa vida política. Pela primeira vez em muito tempo, desenhou-se a possibilidade de uma manifestação de esquerda sem violência nem de parte dos manifestantes nem da polícia. Tudo corria como uma pacífica manifestação de domingo – daquele tipo […]

MANIFESTAÇÕES: Justiça proibiu o uso de gás lacrimogênio e bala de borracha contra manifestantes / Nacho Doce/ Reuters
MANIFESTAÇÕES: Justiça proibiu o uso de gás lacrimogênio e bala de borracha contra manifestantes / Nacho Doce/ Reuters
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Joel Pinheiro da Fonseca

Publicado em 8 de setembro de 2016 às, 12h51.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h49.

A grande manifestação do “Fora Temer” do domingo passado em São Paulo foi uma tragédia moral para nossa vida política. Pela primeira vez em muito tempo, desenhou-se a possibilidade de uma manifestação de esquerda sem violência nem de parte dos manifestantes nem da polícia. Tudo corria como uma pacífica manifestação de domingo – daquele tipo que fora tão ridicularizada quando feita em prol do impeachment ao longo dos últimos dois anos, justamente por não ser violenta – cantos bem humorados, pessoas tomando cerveja, casais de namorados, famílias. No Largo da Batata, onde a marcha terminaria, o clima pesou e a polícia fez o que, infelizmente, aprendemos a esperar de amplos setores dela: foi desnecessariamente violenta.

Há um triste paralelo entre as ações da polícia para reprimir protestos da esquerda pró-PT ou, agora, anti-Temer, e os atos de violência e depredação que muitas vezes caracterizam tais protestos. Não que a vandalização justifique ações truculentas da polícia; mas ela sem dúvida possibilita uma narrativa contrária que vai nessa direção. A incapacidade de coibir grupelhos violentos e vandalismo em seus próprios protestos – e pior, muitas vezes até de condená-la inequivocamente – dá uma desnecessária camada de plausibilidade às defesas da polícia.

Com a ação policial aparentemente injustificável de domingo, aumenta a certeza revolucionária de quem protestou, aumentando a chance de novos atos de vandalismo e violência. Diminui, também, as chances da massa que estava nas ruas de incorporar o protesto verdadeiramente pacífico (e que não interrompe a vida produtiva da cidade) como um valor. O ciclo vicioso se retroalimenta, piorando, nesse processo, a divisão política do país.

As manifestações da semana que passou foram, provavelmente, o ápice do sentimento anti-Temer. Há muita gente que o quer fora, ainda que a adesão à gasta tese do golpe tenha, com o novo slogan (“Diretas já”), sido chutada para escanteio. Na ausência de um caminho institucional e legal factível para a bandeira de novas eleições (Temer teria que sofrer impeachment até o fim de 2016, o que é quase impossível), fica como um último grito de esperança de uma ala da população brasileira que teve seus ídolos destruídos mas ainda luta para seus ideais sobrevivem.

Do lado da pressão popular, Temer não tem o que temer. O grosso da população quer apenas seguir a vida, trabalhar e ver o país sair da crise. Ninguém simpatiza com ele, dificilmente votaria nele, mas, na ausência de novos motivos, é melhor seguir com o novo presidente do que começar todo o ciclo novamente. Nesse sentido, o Brasil adere ao “Bora, Temer!”, resposta ao slogan da esquerda na qual ninguém, nem quem a elaborou, deve ter levado muito a sério. Acabou sendo o melhor retrato do estado de espírito que vivemos.

É justamente do Poder que não está diretamente submetido à opinião popular que vem a real ameaça ao novo governo. Contra todos os prognósticos dos partidários de Dilma, a Lava-Jato segue em frente. Para um Brasil carente de heróis, a Polícia Federal e o Judiciário que persegue corruptos cumpre esse papel. Ironicamente, os mesmos atores que os governistas pró-Dilma demonizaram enquanto ela esteve no poder são agora os únicos com possibilidades realistas de realizar seu objetivo de tirar Temer.

O futuro do Brasil depende de nossa esquerda ser capaz de crescer e se modernizar, como fez a direita. Abandonar de vez a retórica e as pretensões revolucionárias e com elas a violência (assim como a direita abandonou o militarismo), aceitar o resultado do processo institucional e ser capaz de discutir propostas centrais para o país – reforma previdenciária, legislação trabalhista, privatizações – sem partir para a imediata demonização do outro lado. Parar o trânsito e quebrar vidraças não conquistará os corações de uma população que quer apenas ver alguma luz no fim do túnel e caminhar para frente. Gritos de ordem e reafirmações da própria superioridade moral de nada ajudam.

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