O perigo do sucesso econômico de Bolsonaro
Apesar de a agenda econômica caminhar na direção do crescimento, há áreas do governo que são verdadeiros desastres
Da Redação
Publicado em 12 de dezembro de 2019 às 17h52.
Última atualização em 13 de dezembro de 2019 às 09h45.
É difícil competir com dinheiro no bolso. Assim, se a recuperação econômica ganhar tração, como tem parecido, Bolsonaro pode contar com maior boa vontade da população. Não é para menos que a economia se recupera: com a SELIC a 4,5%, definitivamente acabou a farra dos títulos públicos.
O estímulo dos juros mais baixos não durará para sempre. Conforme a capacidade ociosa das empresas e o desemprego diminuam, o dinheiro que circula livremente pela economia começará a ter um efeito inflacionário, de aumento dos preços, e será a hora de subir a SELIC novamente. Por enquanto, contudo, o Brasil deve surfar a maré favorável e continuar nesta recuperação que, ainda que não seja rápida (previsões otimistas falam em crescimento acima de 2,5% no ano que vem; não é exatamente vertiginoso), será mais rápida do que o que temos vivenciado até aqui.
Dois fatores podem atrapalhar essa recuperação econômica. O primeiro é o cenário externo: uma economia global em desaceleração (ainda não há sinais de recessão no ar, mas isso não descarta a possibilidade) e um mundo mais hostil e incerto, no qual a política comercial trumpista, errática, aumenta a imprevisibilidade e direciona capitais para os portos mais seguros. Punições aleatórias como a tarifa para o nosso aço podem aparecer do nada, e não há nível de bajulação que possa nos proteger – ao contrário, a disposição de servir ao governo Trump que hoje impera no Itamaraty nos transforma em alvo preferencial de seu populismo.
O segundo risco é a alta de algum preço sensível. A alta da carne – por motivos totalmente alheios à política econômica do governo –, que parece já estar em reversão, gerou um certo descontentamento. Uma alta acentuada nos combustíveis – perfeitamente imaginável como consequência de alguma disrupção no Oriente Médio somada ao dólar alto – produziria reações revoltadas por parte da sociedade. E seria o grande teste para a seriedade com que o governo persegue uma política econômica liberal: vai manter o sistema de preços de mercado ou irá ceder a tentação de subsidiar o combustível para aplacar os caminhoneiros? Se o fizer, perderá imediatamente a fé que o sistema financeiro tem lhe devotado tão efusivamente.
No momento, não há motivo para o governo se alarmar: o horizonte não traz grandes nuvens. Do ponto de vista da sociedade, isso traz riscos consideráveis. Apesar de a agenda econômica de Paulo Guedes caminhar na direção do crescimento (ainda que com deslizes, como o total descaso com a distribuição da renda), há áreas do governo que são verdadeiros desastres: relações exteriores, educação, cultura, meio ambiente. Em todas elas, a destruição sendo empreendida – com um mix de interesses escusos, ideologia torta e pura incompetência – já se faz sentir. Nada disso, hoje em dia, figura alto nas preocupações cotidianas dos cidadãos, mas pode ter efeitos substanciais e de longo prazo sobre a vida de todos nós.
O bom desempenho econômico, ademais, servirá para encorajar a postura populista de degradação institucional, personalismo exacerbado e polarização. Exigirá da oposição, portanto, uma postura inteligente: a capacidade de separar o joio do trigo. É possível manter as boas políticas econômicas – ajuste fiscal, reformas pró-mercado e abertura econômica – e ter, nas outras pastas, equipes igualmente técnicas, comprometidas com resultados e ciosas do respeito às regras do jogo democrático.
Existe sempre a tentação de “torcer contra”, de esperar uma piora econômica que também, fatalmente, cobrará seu preço do governo. Tirando o fato de que torcer não muda nada, é também uma esperança autodestrutiva. Afinal, se a economia naufragar, será justamente a agenda econômica do governo a primeira a ser descartada pela oposição que tomar seu lugar. O discurso que nega a necessidade de ajuste fiscal (“bastar gastar mais que a arrecadação subirá”) e que acredita no Estado como grande indutor do desenvolvimento – reeditando o BNDES de Dilma, as leis de conteúdo nacional, voltará com tudo na oposição vencedora.
Não tem jeito. Se queremos uma sociedade mais próspera e com mais respeito às instituições democráticas, a recuperação econômica atual é nossa aliada. Resta criticar vocal e incessantemente todos os mal-feitos em outras áreas, apresentando sempre alternativas. E sem esquecer do principal: encontrar a liderança que possa encarnar esses valores.
É difícil competir com dinheiro no bolso. Assim, se a recuperação econômica ganhar tração, como tem parecido, Bolsonaro pode contar com maior boa vontade da população. Não é para menos que a economia se recupera: com a SELIC a 4,5%, definitivamente acabou a farra dos títulos públicos.
O estímulo dos juros mais baixos não durará para sempre. Conforme a capacidade ociosa das empresas e o desemprego diminuam, o dinheiro que circula livremente pela economia começará a ter um efeito inflacionário, de aumento dos preços, e será a hora de subir a SELIC novamente. Por enquanto, contudo, o Brasil deve surfar a maré favorável e continuar nesta recuperação que, ainda que não seja rápida (previsões otimistas falam em crescimento acima de 2,5% no ano que vem; não é exatamente vertiginoso), será mais rápida do que o que temos vivenciado até aqui.
Dois fatores podem atrapalhar essa recuperação econômica. O primeiro é o cenário externo: uma economia global em desaceleração (ainda não há sinais de recessão no ar, mas isso não descarta a possibilidade) e um mundo mais hostil e incerto, no qual a política comercial trumpista, errática, aumenta a imprevisibilidade e direciona capitais para os portos mais seguros. Punições aleatórias como a tarifa para o nosso aço podem aparecer do nada, e não há nível de bajulação que possa nos proteger – ao contrário, a disposição de servir ao governo Trump que hoje impera no Itamaraty nos transforma em alvo preferencial de seu populismo.
O segundo risco é a alta de algum preço sensível. A alta da carne – por motivos totalmente alheios à política econômica do governo –, que parece já estar em reversão, gerou um certo descontentamento. Uma alta acentuada nos combustíveis – perfeitamente imaginável como consequência de alguma disrupção no Oriente Médio somada ao dólar alto – produziria reações revoltadas por parte da sociedade. E seria o grande teste para a seriedade com que o governo persegue uma política econômica liberal: vai manter o sistema de preços de mercado ou irá ceder a tentação de subsidiar o combustível para aplacar os caminhoneiros? Se o fizer, perderá imediatamente a fé que o sistema financeiro tem lhe devotado tão efusivamente.
No momento, não há motivo para o governo se alarmar: o horizonte não traz grandes nuvens. Do ponto de vista da sociedade, isso traz riscos consideráveis. Apesar de a agenda econômica de Paulo Guedes caminhar na direção do crescimento (ainda que com deslizes, como o total descaso com a distribuição da renda), há áreas do governo que são verdadeiros desastres: relações exteriores, educação, cultura, meio ambiente. Em todas elas, a destruição sendo empreendida – com um mix de interesses escusos, ideologia torta e pura incompetência – já se faz sentir. Nada disso, hoje em dia, figura alto nas preocupações cotidianas dos cidadãos, mas pode ter efeitos substanciais e de longo prazo sobre a vida de todos nós.
O bom desempenho econômico, ademais, servirá para encorajar a postura populista de degradação institucional, personalismo exacerbado e polarização. Exigirá da oposição, portanto, uma postura inteligente: a capacidade de separar o joio do trigo. É possível manter as boas políticas econômicas – ajuste fiscal, reformas pró-mercado e abertura econômica – e ter, nas outras pastas, equipes igualmente técnicas, comprometidas com resultados e ciosas do respeito às regras do jogo democrático.
Existe sempre a tentação de “torcer contra”, de esperar uma piora econômica que também, fatalmente, cobrará seu preço do governo. Tirando o fato de que torcer não muda nada, é também uma esperança autodestrutiva. Afinal, se a economia naufragar, será justamente a agenda econômica do governo a primeira a ser descartada pela oposição que tomar seu lugar. O discurso que nega a necessidade de ajuste fiscal (“bastar gastar mais que a arrecadação subirá”) e que acredita no Estado como grande indutor do desenvolvimento – reeditando o BNDES de Dilma, as leis de conteúdo nacional, voltará com tudo na oposição vencedora.
Não tem jeito. Se queremos uma sociedade mais próspera e com mais respeito às instituições democráticas, a recuperação econômica atual é nossa aliada. Resta criticar vocal e incessantemente todos os mal-feitos em outras áreas, apresentando sempre alternativas. E sem esquecer do principal: encontrar a liderança que possa encarnar esses valores.