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O perigo do sucesso econômico de Bolsonaro

Apesar de a agenda econômica caminhar na direção do crescimento, há áreas do governo que são verdadeiros desastres

GUEDES E BOLSONARO: o bom desempenho econômico servirá para encorajar a postura populista de degradação institucional / REUTERS/Adriano Machado
GUEDES E BOLSONARO: o bom desempenho econômico servirá para encorajar a postura populista de degradação institucional / REUTERS/Adriano Machado
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Joel Pinheiro da Fonseca

Publicado em 12 de dezembro de 2019 às, 17h52.

Última atualização em 13 de dezembro de 2019 às, 09h45.

É difícil competir com dinheiro no bolso. Assim, se a recuperação econômica ganhar tração, como tem parecido, Bolsonaro pode contar com maior boa vontade da população. Não é para menos que a economia se recupera: com a SELIC a 4,5%, definitivamente acabou a farra dos títulos públicos.

O estímulo dos juros mais baixos não durará para sempre. Conforme a capacidade ociosa das empresas e o desemprego diminuam, o dinheiro que circula livremente pela economia começará a ter um efeito inflacionário, de aumento dos preços, e será a hora de subir a SELIC novamente. Por enquanto, contudo, o Brasil deve surfar a maré favorável e continuar nesta recuperação que, ainda que não seja rápida (previsões otimistas falam em crescimento acima de 2,5% no ano que vem; não é exatamente vertiginoso), será mais rápida do que o que temos vivenciado até aqui.

Dois fatores podem atrapalhar essa recuperação econômica. O primeiro é o cenário externo: uma economia global em desaceleração (ainda não há sinais de recessão no ar, mas isso não descarta a possibilidade) e um mundo mais hostil e incerto, no qual a política comercial trumpista, errática, aumenta a imprevisibilidade e direciona capitais para os portos mais seguros. Punições aleatórias como a tarifa para o nosso aço podem aparecer do nada, e não há nível de bajulação que possa nos proteger – ao contrário, a disposição de servir ao governo Trump que hoje impera no Itamaraty nos transforma em alvo preferencial de seu populismo.

O segundo risco é a alta de algum preço sensível. A alta da carne – por motivos totalmente alheios à política econômica do governo –, que parece já estar em reversão, gerou um certo descontentamento. Uma alta acentuada nos combustíveis – perfeitamente imaginável como consequência de alguma disrupção no Oriente Médio somada ao dólar alto – produziria reações revoltadas por parte da sociedade. E seria o grande teste para a seriedade com que o governo persegue uma política econômica liberal: vai manter o sistema de preços de mercado ou irá ceder a tentação de subsidiar o combustível para aplacar os caminhoneiros? Se o fizer, perderá imediatamente a fé que o sistema financeiro tem lhe devotado tão efusivamente.

No momento, não há motivo para o governo se alarmar: o horizonte não traz grandes nuvens. Do ponto de vista da sociedade, isso traz riscos consideráveis. Apesar de a agenda econômica de Paulo Guedes caminhar na direção do crescimento (ainda que com deslizes, como o total descaso com a distribuição da renda), há áreas do governo que são verdadeiros desastres: relações exteriores, educação, cultura, meio ambiente. Em todas elas, a destruição sendo empreendida – com um mix de interesses escusos, ideologia torta e pura incompetência – já se faz sentir. Nada disso, hoje em dia, figura alto nas preocupações cotidianas dos cidadãos, mas pode ter efeitos substanciais e de longo prazo sobre a vida de todos nós.

O bom desempenho econômico, ademais, servirá para encorajar a postura populista de degradação institucional, personalismo exacerbado e polarização. Exigirá da oposição, portanto, uma postura inteligente: a capacidade de separar o joio do trigo. É possível manter as boas políticas econômicas – ajuste fiscal, reformas pró-mercado e abertura econômica – e ter, nas outras pastas, equipes igualmente técnicas, comprometidas com resultados e ciosas do respeito às regras do jogo democrático.

Existe sempre a tentação de “torcer contra”, de esperar uma piora econômica que também, fatalmente, cobrará seu preço do governo. Tirando o fato de que torcer não muda nada, é também uma esperança autodestrutiva. Afinal, se a economia naufragar, será justamente a agenda econômica do governo a primeira a ser descartada pela oposição que tomar seu lugar. O discurso que nega a necessidade de ajuste fiscal (“bastar gastar mais que a arrecadação subirá”) e que acredita no Estado como grande indutor do desenvolvimento – reeditando o BNDES de Dilma, as leis de conteúdo nacional, voltará com tudo na oposição vencedora.

Não tem jeito. Se queremos uma sociedade mais próspera e com mais respeito às instituições democráticas, a recuperação econômica atual é nossa aliada. Resta criticar vocal e incessantemente todos os mal-feitos em outras áreas, apresentando sempre alternativas. E sem esquecer do principal: encontrar a liderança que possa encarnar esses valores.