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O Intercept entre o jornalismo e a narrativa

Precisamos nos ater ao conteúdo jornalístico, e não à história que Glenn Greenwald quer nos vender

FHC: pelas mensagens divulgadas, não cabe falar que Moro foi contra que se investigasse o ex-presidente / REUTERS/Nacho Doce (Nacho Doce/Reuters)
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Da Redação

Publicado em 21 de junho de 2019 às 08h14.

Última atualização em 25 de junho de 2019 às 16h22.

Há duas interpretações rivais da Lava-Jato . A primeira, e dominante, é a de que a operação foi e tem sido um divisor de águas no combate à corrupção no Brasil.

Graças ao trabalho de policiais, procuradores e juízes, munidos de algumas inovações jurídicas – como a delação premiada -, pela primeira vez o Brasil passou a punir grandes empresários, banqueiros e políticos. Alguns excessos podem ter sido cometidos, mas fundamentalmente o que se está vendo é uma limpeza muito bem-vinda da corrupção, que, diferentemente de tempos passados, não pode mais ser cometida com a mesma certeza de impunidade.

É assim que eu, por exemplo, vejo a Lava Jato e outras operações que seguiram em sua esteira.

Mas há uma interpretação rival: a de que a Lava-Jato é marcada antes de tudo pelo excesso, e mais: pelo abuso. Que se trata de uma operação política com um objetivo claro: tirar a esquerda do poder, mirando-a de forma parcial e enviesada. A grande finalidade era prender Lula e dar o poder a alguma força de direita.

Um dos problemas dessa tese é que cada um dos que eram apontados como os grandes beneficiários da parcialidade da Lava-Jato acabaram sendo pegos pela própria Lava Jato (Eduardo Cunha, Temer, o PSDB, etc.). A tal da corrupção ou não existiu ou existiu mas foi punida apenas de maneira limitada e como pretexto para implodir o PT.

O The Intercept, em que pese sua enorme qualidade jornalística e a importância do furo que deu ao vazar as mensagens de Moro, Dallagnol e outros, é um site com um claro posicionamento político à esquerda. Tem um claro interesse em nos convencer da segunda leitura da Lava Jato.

Então quando nos mostra mensagens de Moro aconselhando Dallagnol sobre o caso Lula, a ideia é que isso seja parte de um plano maior de tirar a esquerda do poder e ajudar a direita. Mas nada disso está nas mensagens. Os motivos que levaram Moro a travar uma relação talvez excessivamente próxima do Ministério Público podem ser vários: o desejo de limpar a política de corruptos (o que fica indicado quando ele fala em “limpar o Congresso”), de ser um herói, etc. Nada disso justifica uma quebra da lei, mas é muito diferente de estar a serviço de um grupo político específico.

Na mais recente leva de mensagens vazadas, Moro e Dallagnol conversam sobre uma possível ação contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ocorre que a única acusação contra ele seria um caixa 2 em 1996. Além de não estar provado, o crime já estaria certamente prescrito. Por isso mesmo Moro sugere que não seja levado adiante. Parece ficar subentendido que, se houvesse uma denúncia séria e que pudesse resultar em condenação, ele seria favorável.

Portanto, não cabe falar que Moro foi contra que se investigasse FHC. O texto no The Intercept é bastante editorializado e tenta nos empurrar para esta conclusão, mas ela simplesmente não decorre do material que foi apresentado até agora. Curioso ver como um trabalho investigativo corajoso e de primeira linha pode ser poluído por comentários excessivamente politizados.

Glenn Greenwald promete que ainda há muito mais por vir. Aguardamos ansiosos, embora eu sinceramente duvide que veremos algo mais grave do que as primeiras revelações (Moro sugerindo ordem das fases da operação, indicando testemunha, aconselhando estratégia de imprensa ao Ministério Público). Torço para que mais verdades importantes sejam trazidas a público. Mas também me preocupa a atuação do jornalista nesses intervalos. Em alguns momentos, Greenwald fez afirmações sobre o conteúdo de mensagens que ainda não foram publicadas.

Em pelo menos duas ocasiões recentes, o Brasil já passou pelo suspense de ter um crime anunciado que simplesmente não se verifica no material que supostamente o provaria: a gravação que Marcelo Calero fez com Temer e, posteriormente, os áudios de Joesley. Para evitar outro anti-clímax, precisamos nos ater ao conteúdo jornalístico, e não à história que o jornalista quer nos vender.

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Há duas interpretações rivais da Lava-Jato . A primeira, e dominante, é a de que a operação foi e tem sido um divisor de águas no combate à corrupção no Brasil.

Graças ao trabalho de policiais, procuradores e juízes, munidos de algumas inovações jurídicas – como a delação premiada -, pela primeira vez o Brasil passou a punir grandes empresários, banqueiros e políticos. Alguns excessos podem ter sido cometidos, mas fundamentalmente o que se está vendo é uma limpeza muito bem-vinda da corrupção, que, diferentemente de tempos passados, não pode mais ser cometida com a mesma certeza de impunidade.

É assim que eu, por exemplo, vejo a Lava Jato e outras operações que seguiram em sua esteira.

Mas há uma interpretação rival: a de que a Lava-Jato é marcada antes de tudo pelo excesso, e mais: pelo abuso. Que se trata de uma operação política com um objetivo claro: tirar a esquerda do poder, mirando-a de forma parcial e enviesada. A grande finalidade era prender Lula e dar o poder a alguma força de direita.

Um dos problemas dessa tese é que cada um dos que eram apontados como os grandes beneficiários da parcialidade da Lava-Jato acabaram sendo pegos pela própria Lava Jato (Eduardo Cunha, Temer, o PSDB, etc.). A tal da corrupção ou não existiu ou existiu mas foi punida apenas de maneira limitada e como pretexto para implodir o PT.

O The Intercept, em que pese sua enorme qualidade jornalística e a importância do furo que deu ao vazar as mensagens de Moro, Dallagnol e outros, é um site com um claro posicionamento político à esquerda. Tem um claro interesse em nos convencer da segunda leitura da Lava Jato.

Então quando nos mostra mensagens de Moro aconselhando Dallagnol sobre o caso Lula, a ideia é que isso seja parte de um plano maior de tirar a esquerda do poder e ajudar a direita. Mas nada disso está nas mensagens. Os motivos que levaram Moro a travar uma relação talvez excessivamente próxima do Ministério Público podem ser vários: o desejo de limpar a política de corruptos (o que fica indicado quando ele fala em “limpar o Congresso”), de ser um herói, etc. Nada disso justifica uma quebra da lei, mas é muito diferente de estar a serviço de um grupo político específico.

Na mais recente leva de mensagens vazadas, Moro e Dallagnol conversam sobre uma possível ação contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ocorre que a única acusação contra ele seria um caixa 2 em 1996. Além de não estar provado, o crime já estaria certamente prescrito. Por isso mesmo Moro sugere que não seja levado adiante. Parece ficar subentendido que, se houvesse uma denúncia séria e que pudesse resultar em condenação, ele seria favorável.

Portanto, não cabe falar que Moro foi contra que se investigasse FHC. O texto no The Intercept é bastante editorializado e tenta nos empurrar para esta conclusão, mas ela simplesmente não decorre do material que foi apresentado até agora. Curioso ver como um trabalho investigativo corajoso e de primeira linha pode ser poluído por comentários excessivamente politizados.

Glenn Greenwald promete que ainda há muito mais por vir. Aguardamos ansiosos, embora eu sinceramente duvide que veremos algo mais grave do que as primeiras revelações (Moro sugerindo ordem das fases da operação, indicando testemunha, aconselhando estratégia de imprensa ao Ministério Público). Torço para que mais verdades importantes sejam trazidas a público. Mas também me preocupa a atuação do jornalista nesses intervalos. Em alguns momentos, Greenwald fez afirmações sobre o conteúdo de mensagens que ainda não foram publicadas.

Em pelo menos duas ocasiões recentes, o Brasil já passou pelo suspense de ter um crime anunciado que simplesmente não se verifica no material que supostamente o provaria: a gravação que Marcelo Calero fez com Temer e, posteriormente, os áudios de Joesley. Para evitar outro anti-clímax, precisamos nos ater ao conteúdo jornalístico, e não à história que o jornalista quer nos vender.

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