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Do Canadá ao Mercosul: a ameaça ao comércio e as perspectivas liberais

Nosso tempo não está dócil para os tratados internacionais de comércio. Tanto que a The Economist – defensora deles por excelência – já os chama de os “mortos-vivos” das relações internacionais. Os anos passam, novos encontros são feitos para acertar detalhes, mudam-se alguns termos, voltam para a mesa de negociação. Enquanto isso, a opinião pública […]

CHRYSTIA FREELAND, MINISTRA DO COMÉRCIO DO CANADÁ: “Se a União Europeia não consegue fechar um acordo com o Canadá, vai conseguir fazer com quem?” / Chris Wattie/ Reuters
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Da Redação

Publicado em 27 de outubro de 2016 às 14h38.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h56.

Nosso tempo não está dócil para os tratados internacionais de comércio. Tanto que a The Economist – defensora deles por excelência – já os chama de os “mortos-vivos” das relações internacionais. Os anos passam, novos encontros são feitos para acertar detalhes, mudam-se alguns termos, voltam para a mesa de negociação. Enquanto isso, a opinião pública está cada vez mais negativa.

Seja à esquerda, seja à direita, as populações de todos os países ricos não acham o livre comércio uma boa ideia. A plataforma de Donald Trump é francamente protecionista. Hillary, campeã de acordos como a TPP (Trans-Pacific Partnership), que deve sair, adota a linha oposta em sua campanha.

Na Europa o clima é, na medida do possível, ainda pior. O sentimento no continente é muito pessimista e negativo, conforme viu-se na votação da Valônia (uma região da Bélgica) na semana passada para vetar o acordo de livre comércio com o Canadá. Se isso não for revertido, será um duro golpe nas perspectivas do continente. E estamos falando de um acordo não com China ou mesmo EUA, mas com o Canadá, um dos países mais próximos da Europa no que diz respeito ao modelo de Estado e organização socio-econômica. Nas palavras da Ministra do Comércio canadense no início do ano: “Se a União Europeia não consegue fechar um acordo com o Canadá, vai conseguir fazer com quem?”. Naqueles dias, o veto da Valônia ainda não tinha entrado no radar.

A saída do Reino Unido da UE poderia sinalizar a quebra com esse clima anti-comércio. Philip Hammond, o atual Ministro da Fazenda inglês, é um defensor do livre-comércio e de acordos comerciais. O sentimento nacional que levou ao Brexit, contudo, é notadamente nativista e protecionista, tendendo ao fechamento econômico para evitar a concorrência com o restante do mundo. De todo modo, ainda não está claro qual será o saldo econômico e institucional do Brexit: um Inglaterra fechada em si ou aberta para o mundo. Seja como for, dado que a Europa é um gigante, mas um gigante em declínio e que parece estar apostando nos próprios erros, a saída pode se revelar um bom negócio no longo prazo.

Para o Brasil, conforme já argumentei aqui anteriormente, o estado atual do mundo é péssimo. No início dos anos 2000, enquanto nossos vizinhos da Aliança do Pacífico, especialmente o Chile, apostavam em acordos de livre comércio, o Brasil se fechava no Mercosul – um bloco irrelevante e ideologicamente tóxico –, perseguia uma agenda esdrúxula de alianças Sul-Sul, como a malfadada aproximação com o Irã, e mais tarde sonhava com os BRICs. Sob Dilma, nada avançou, exceto políticas de desenvolvimento com Cuba, Angola e outras nações cujas grandes obras o contribuinte brasileiro pagou via BNDES. Livre comércio não tinha glamour, não estava nos planos de nossa iluminada diplomacia.

Agora, com o fracasso total e irrestrito do projeto Dilma e da Nova Matriz Econômica (basicamente uma aposta nos velhos erros macro e microeconômicos de sempre), o governo Temer volta disposto a negociar com o mundo. Mas o mundo mudou de ideia. Não quisemos a ALCA lá atrás; agora os EUA é que não querem. Chile, México e outros se beneficiam dos acordos feitos anteriormente; nós ficamos a ver navios.

O que fazer? Sentar e chorar? O desespero nunca salvou ninguém. Podemos olhar para um lado potencialmente positivo do fim da era dos grandes acordos. Eles sempre contiveram em si um elemento antiliberal: a necessidade de padronizar regulamentações e, em alguma medida, leis. Padrões de produção, leis trabalhistas, propriedade intelectual. Por exigências dos Estados, esses sempre foram os pontos centrais do acordos recentes de livre comércio. E ao mesmo tempo em que permitiam uma maior integração econômica, universalizavam práticas e padrões que podem estar muito aquém do ideal. Um dos grandes atrativos do TTP para os americanos, aliás, é a padronização de leis trabalhistas que forçaria a China e entrar nas mesmas regras. Isso faz sentido para a China agora, mas deixará grandes partes da população com mais dificuldade de entrar no mercado de trabalho formal.

A saída para integração econômica do mundo dependerá cada vez mais de governos visionários capazes de fazer acordos bilaterais simples e, o que pouco se vê, abertura unilateral para o comércio internacional. Essa atitude, que contrariará grupos de interesse internos, tem potencial de trazer grande crescimento econômico e benefícios difusos para a população como um todo. Parte dela, ademais (por exemplo, extinguindo antigas leis protecionistas do Brasil, como conteúdo nacional), nos permitirá finalmente dar o salto para integrar as cadeias globais de valor, coisa que, década após década, relutamos em fazer.

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Nosso tempo não está dócil para os tratados internacionais de comércio. Tanto que a The Economist – defensora deles por excelência – já os chama de os “mortos-vivos” das relações internacionais. Os anos passam, novos encontros são feitos para acertar detalhes, mudam-se alguns termos, voltam para a mesa de negociação. Enquanto isso, a opinião pública está cada vez mais negativa.

Seja à esquerda, seja à direita, as populações de todos os países ricos não acham o livre comércio uma boa ideia. A plataforma de Donald Trump é francamente protecionista. Hillary, campeã de acordos como a TPP (Trans-Pacific Partnership), que deve sair, adota a linha oposta em sua campanha.

Na Europa o clima é, na medida do possível, ainda pior. O sentimento no continente é muito pessimista e negativo, conforme viu-se na votação da Valônia (uma região da Bélgica) na semana passada para vetar o acordo de livre comércio com o Canadá. Se isso não for revertido, será um duro golpe nas perspectivas do continente. E estamos falando de um acordo não com China ou mesmo EUA, mas com o Canadá, um dos países mais próximos da Europa no que diz respeito ao modelo de Estado e organização socio-econômica. Nas palavras da Ministra do Comércio canadense no início do ano: “Se a União Europeia não consegue fechar um acordo com o Canadá, vai conseguir fazer com quem?”. Naqueles dias, o veto da Valônia ainda não tinha entrado no radar.

A saída do Reino Unido da UE poderia sinalizar a quebra com esse clima anti-comércio. Philip Hammond, o atual Ministro da Fazenda inglês, é um defensor do livre-comércio e de acordos comerciais. O sentimento nacional que levou ao Brexit, contudo, é notadamente nativista e protecionista, tendendo ao fechamento econômico para evitar a concorrência com o restante do mundo. De todo modo, ainda não está claro qual será o saldo econômico e institucional do Brexit: um Inglaterra fechada em si ou aberta para o mundo. Seja como for, dado que a Europa é um gigante, mas um gigante em declínio e que parece estar apostando nos próprios erros, a saída pode se revelar um bom negócio no longo prazo.

Para o Brasil, conforme já argumentei aqui anteriormente, o estado atual do mundo é péssimo. No início dos anos 2000, enquanto nossos vizinhos da Aliança do Pacífico, especialmente o Chile, apostavam em acordos de livre comércio, o Brasil se fechava no Mercosul – um bloco irrelevante e ideologicamente tóxico –, perseguia uma agenda esdrúxula de alianças Sul-Sul, como a malfadada aproximação com o Irã, e mais tarde sonhava com os BRICs. Sob Dilma, nada avançou, exceto políticas de desenvolvimento com Cuba, Angola e outras nações cujas grandes obras o contribuinte brasileiro pagou via BNDES. Livre comércio não tinha glamour, não estava nos planos de nossa iluminada diplomacia.

Agora, com o fracasso total e irrestrito do projeto Dilma e da Nova Matriz Econômica (basicamente uma aposta nos velhos erros macro e microeconômicos de sempre), o governo Temer volta disposto a negociar com o mundo. Mas o mundo mudou de ideia. Não quisemos a ALCA lá atrás; agora os EUA é que não querem. Chile, México e outros se beneficiam dos acordos feitos anteriormente; nós ficamos a ver navios.

O que fazer? Sentar e chorar? O desespero nunca salvou ninguém. Podemos olhar para um lado potencialmente positivo do fim da era dos grandes acordos. Eles sempre contiveram em si um elemento antiliberal: a necessidade de padronizar regulamentações e, em alguma medida, leis. Padrões de produção, leis trabalhistas, propriedade intelectual. Por exigências dos Estados, esses sempre foram os pontos centrais do acordos recentes de livre comércio. E ao mesmo tempo em que permitiam uma maior integração econômica, universalizavam práticas e padrões que podem estar muito aquém do ideal. Um dos grandes atrativos do TTP para os americanos, aliás, é a padronização de leis trabalhistas que forçaria a China e entrar nas mesmas regras. Isso faz sentido para a China agora, mas deixará grandes partes da população com mais dificuldade de entrar no mercado de trabalho formal.

A saída para integração econômica do mundo dependerá cada vez mais de governos visionários capazes de fazer acordos bilaterais simples e, o que pouco se vê, abertura unilateral para o comércio internacional. Essa atitude, que contrariará grupos de interesse internos, tem potencial de trazer grande crescimento econômico e benefícios difusos para a população como um todo. Parte dela, ademais (por exemplo, extinguindo antigas leis protecionistas do Brasil, como conteúdo nacional), nos permitirá finalmente dar o salto para integrar as cadeias globais de valor, coisa que, década após década, relutamos em fazer.

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