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O espírito da greve

O Estado pode sim gastar mais (com o que importa para a população) e cobrar menos impostos. Basta ter a capacidade de enfrentar interesses há muito encastelados nele.

TEMER E SEUS MINISTROS: o ideal não é um Estado sem política, e sim com políticos melhores / Antonio Cruz | Agência Brasi
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Da Redação

Publicado em 1 de junho de 2018 às 16h46.

A primeira reação é a de riso perante o paradoxo: 87% dos brasileiros apoiam a greve dos caminhoneiros. E 87% não querem pagar essa conta. Ou seja, larga intersecção entre duas posições inconciliáveis.

E de fato, no Brasil, queremos tudo ao mesmo tempo: um Estado que garanta serviços à população, que ajude diversos setores e combata o desemprego, e que ao mesmo tempo não pese no bolso do cidadão. Aumento de gasto público com redução de impostos, sem deixar de lado – é claro – a responsabilidade fiscal! É o sonho eterno da humanidade, especialmente da humanidade brasileira.

Temos uma tara pelo milagre, pelo “bilhete premiado” que nos erga sem exigir esforço de nossa parte. Pena que o pré-sal não foi para frente! E somos compassivos, abrindo exceções de auxílio para cada grupo que demonstre seu sofrimento. Que crueldade não dar alguns bilhõezinhos para os caminhoneiros! O resultado da greve é o enfraquecimento institucional do país. Nosso controle de gastos tornou-se um pouco menos crível, assim como a independência da Petrobras das marés da política.

Dito isso, graças à enorme ineficiência do nosso setor público, há sim uma ampla faixa na qual o sonho brasileiro aparentemente impossível pode se realizar: o Estado pode sim gastar mais (com o que importa para a população) e cobrar menos impostos. Basta ter a capacidade de enfrentar interesses há muito encastelados nele.

O Brasil é, afinal, um país no qual a principal diferença de classe não é (apenas) econômica, mas também institucional: há pessoas – pobres e ricos – que vivem as altas e baixas da economia, que perdem emprego e renda quando a situação piora, e que têm que criar valor continuamente para manter o sistema de pé. Do outro lado, há pessoas que não vivem a realidade na pele: que estão blindadas do ciclo econômico pela posição de privilégio dentro do Estado, ganhando muito acima da média nacional, tendo emprego estável, aposentadoria generosa e, para coroar, pleiteando aumentos mesmo quando o resto do Brasil vê-se na obrigação de apertar os cintos.

A greve dos caminhoneiros pode ter sido ruim em algumas de suas propostas – subsídio do diesel, estabelecimento de frete mínimo – e simplesmente tenebrosa em outras – intervenção militar – mas foi o reflexo de uma indignação real e legítima. Uma indignação com o peso que o Estado brasileiro adquiriu do lado dos impostos, que torna tudo caro; assim como 2013 foi o protesto da indignação pela incompetência do Estado brasileiro do lado dos serviços.

O problema é que essa indignação pode ir para um lado francamente perigoso. Da completa ineficácia da política, e da percepção de que ela chegou a níveis obscenos de corrupção, nasce o ódio da política enquanto tal. Nada do que vem das autoridades constituídas do país é levado a sério. Posso estar equivocado, mas creio que essa rejeição visceral não se limite ao Temer; é mais abrangente e coloca toda a classe de representantes na lona.

A solução da intervenção militar é uma miragem perigosa. A população deseja uma autoridade forte, que seja capaz de impor ordem com um ato de vontade; que acabe ao mesmo com a corrupção e também com a lerdeza do processo político democrático. Nas ruas, na moral, no Congresso, nos preços; as pessoas querem sentir que há ordem, que elas não são peças de um jogo de forças muito superiores e no qual podem ser trituradas. Só que essa solução não resolve os problemas, apenas os esconde por trás de uma aparência de solução, que precisa, ademais, de muita violência para se manter.

Se quisermos escapar do risco populista – e, ainda mais, da ameaça de golpe militar – nestas eleições, as opções responsáveis terão que perder a vergonha de serem políticos e saber fazer a defesa da boa política: aquela que traz resultados e que respeita as leis. Para isso, será necessário adotar uma linguagem incisiva e direta (oposta, portanto, ao papo normal de político) e mostrar a franca incompetência para o cargo de quem se vende como opção sem ter a menor noção de como funciona a máquina pública brasileira e busca substituir esse vazio com sensacionalismo. Não há mapa sobre como reconquistar essa confiança perdida, e nem tempo hábil para uma mudança cultural.

Apesar de passada essa greve catastrófica, o momento é grave e encontrar o gancho que pode reabilitar a ideia de política na cabeça do brasileiro é algo de que o futuro do Brasil depende. Só assim será possível realizar o sonho brasileiro de um Estado que gaste melhor e custe menos. Não será um Estado sem política, e sim com políticos melhores.

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A primeira reação é a de riso perante o paradoxo: 87% dos brasileiros apoiam a greve dos caminhoneiros. E 87% não querem pagar essa conta. Ou seja, larga intersecção entre duas posições inconciliáveis.

E de fato, no Brasil, queremos tudo ao mesmo tempo: um Estado que garanta serviços à população, que ajude diversos setores e combata o desemprego, e que ao mesmo tempo não pese no bolso do cidadão. Aumento de gasto público com redução de impostos, sem deixar de lado – é claro – a responsabilidade fiscal! É o sonho eterno da humanidade, especialmente da humanidade brasileira.

Temos uma tara pelo milagre, pelo “bilhete premiado” que nos erga sem exigir esforço de nossa parte. Pena que o pré-sal não foi para frente! E somos compassivos, abrindo exceções de auxílio para cada grupo que demonstre seu sofrimento. Que crueldade não dar alguns bilhõezinhos para os caminhoneiros! O resultado da greve é o enfraquecimento institucional do país. Nosso controle de gastos tornou-se um pouco menos crível, assim como a independência da Petrobras das marés da política.

Dito isso, graças à enorme ineficiência do nosso setor público, há sim uma ampla faixa na qual o sonho brasileiro aparentemente impossível pode se realizar: o Estado pode sim gastar mais (com o que importa para a população) e cobrar menos impostos. Basta ter a capacidade de enfrentar interesses há muito encastelados nele.

O Brasil é, afinal, um país no qual a principal diferença de classe não é (apenas) econômica, mas também institucional: há pessoas – pobres e ricos – que vivem as altas e baixas da economia, que perdem emprego e renda quando a situação piora, e que têm que criar valor continuamente para manter o sistema de pé. Do outro lado, há pessoas que não vivem a realidade na pele: que estão blindadas do ciclo econômico pela posição de privilégio dentro do Estado, ganhando muito acima da média nacional, tendo emprego estável, aposentadoria generosa e, para coroar, pleiteando aumentos mesmo quando o resto do Brasil vê-se na obrigação de apertar os cintos.

A greve dos caminhoneiros pode ter sido ruim em algumas de suas propostas – subsídio do diesel, estabelecimento de frete mínimo – e simplesmente tenebrosa em outras – intervenção militar – mas foi o reflexo de uma indignação real e legítima. Uma indignação com o peso que o Estado brasileiro adquiriu do lado dos impostos, que torna tudo caro; assim como 2013 foi o protesto da indignação pela incompetência do Estado brasileiro do lado dos serviços.

O problema é que essa indignação pode ir para um lado francamente perigoso. Da completa ineficácia da política, e da percepção de que ela chegou a níveis obscenos de corrupção, nasce o ódio da política enquanto tal. Nada do que vem das autoridades constituídas do país é levado a sério. Posso estar equivocado, mas creio que essa rejeição visceral não se limite ao Temer; é mais abrangente e coloca toda a classe de representantes na lona.

A solução da intervenção militar é uma miragem perigosa. A população deseja uma autoridade forte, que seja capaz de impor ordem com um ato de vontade; que acabe ao mesmo com a corrupção e também com a lerdeza do processo político democrático. Nas ruas, na moral, no Congresso, nos preços; as pessoas querem sentir que há ordem, que elas não são peças de um jogo de forças muito superiores e no qual podem ser trituradas. Só que essa solução não resolve os problemas, apenas os esconde por trás de uma aparência de solução, que precisa, ademais, de muita violência para se manter.

Se quisermos escapar do risco populista – e, ainda mais, da ameaça de golpe militar – nestas eleições, as opções responsáveis terão que perder a vergonha de serem políticos e saber fazer a defesa da boa política: aquela que traz resultados e que respeita as leis. Para isso, será necessário adotar uma linguagem incisiva e direta (oposta, portanto, ao papo normal de político) e mostrar a franca incompetência para o cargo de quem se vende como opção sem ter a menor noção de como funciona a máquina pública brasileira e busca substituir esse vazio com sensacionalismo. Não há mapa sobre como reconquistar essa confiança perdida, e nem tempo hábil para uma mudança cultural.

Apesar de passada essa greve catastrófica, o momento é grave e encontrar o gancho que pode reabilitar a ideia de política na cabeça do brasileiro é algo de que o futuro do Brasil depende. Só assim será possível realizar o sonho brasileiro de um Estado que gaste melhor e custe menos. Não será um Estado sem política, e sim com políticos melhores.

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