O dilema do Reino Unido
O Reino Unido vota hoje se permanece ou não na União Europeia. Na política contemporânea, o caminho mais seguro e convencional corre o risco de ser descartado em nome de uma aventura irresponsável. O que, apesar do que dizem os experts, nem sempre é uma má ideia… A campanha pela permanência na UE, capitaneada pelo […]
Da Redação
Publicado em 23 de junho de 2016 às 11h30.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h22.
O Reino Unido vota hoje se permanece ou não na União Europeia. Na política contemporânea, o caminho mais seguro e convencional corre o risco de ser descartado em nome de uma aventura irresponsável. O que, apesar do que dizem os experts, nem sempre é uma má ideia…
A campanha pela permanência na UE, capitaneada pelo primeiro-ministro David Cameron e apoiada, ainda que um tanto a contragosto, pelo Partido Trabalhista de Jeremy Corbyn, tem, é preciso admitir, os dados ao seu lado. Os ganhos do Reino Unido oriundos do comércio com a UE, o poder de influir nas decisões do bloco, a relativa segurança de não fazer parte do euro; sem falar nas perspectivas de separatismo interno (Escócia, Irlanda do Norte, Gales) no caso de um voto que quebre com a UE. Tudo isso pesa a favor da permanência.
Por outro lado, a campanha pela saída capta algumas aspirações nacionais importantes. Duas visões principais – e antagônicas – guiam esse lado. A primeira é a de um Reino Unido livre das amarras burocráticas e regulatórias do continente, da ideologia ultrapassada e dos laços com um cadáver econômico. Há a ideia de que a Inglaterra poderia deixar o continente europeu um pouco de lado e voltar-se ao Atlântico, aos povos de língua inglesa, e tomar um papel central em uma nova economia mundial. Teríamos um Reino Unido mais global, mais dinâmico, mais capitalista e maior.
A outra é quase o oposto dessa: a chamada “Little England”. É o equivalente inglês – e mais brando – do nacionalismo continental. Uma Inglaterra protegida da concorrência internacional, fechada aos perigosos imigrantes e refugiados, sustentando sindicatos e carteis tradicionais. A bem da verdade, o grosso do eleitorado que defende a saída da UE quer, no fundo, esse tipo de garantia. Trata-se de uma visão nada liberal e um tanto retrógrada, agradando a setores da direita e da esquerda. O próprio Jeremy Corbyn, no passado, era contrário à UE justamente por ela ser “neoliberal”.
Um Reino Unido mais global e liberal, mais próximo de EUA, Austrália, Hong Kong e outros, é uma visão tentadora. É também, provavelmente, a mais improvável. No curto prazo, o custo comercial e econômico da saída não é negligenciável. Há algum nível de bravata nas ameaças que vêm das outras nações, como França, Alemanha e mesmo EUA, unânimes em recomendar a permanência. O fato é que a economia inglesa é grande e atrativa o bastante; uma vez fora, todos terão a ganhar ao estabelecer laços econômicos com ela. Ainda assim, se quiser continuar comerciando com a UE como faz hoje, o Reino Unido terá que seguir basicamente as mesmas regulamentações que já segue, a pagar uma taxa para Bruxelas e não teria nenhuma influência nas negociações sobre o rumo do bloco; é o que acontece, hoje em dia, com a Noruega, que escolheu lá atrás não fazer parte da UE. Sair disso e negociar acordos bilaterais demorará décadas. Abrir-se unilateralmente ao livre comércio é uma escolha politicamente muito improvável.
Sair do estado atual para cair na “Little England” seria o pior cenário possível. Já que não tenho parte na decisão, posso apostar alto e torcer pelo Brexit otimista, mesmo sabendo se tratar de um resultado improvável.
Contra mim há, reconheço, um argumento adicional que é difícil de refutar. Permanecer na UE é uma decisão facilmente reversível. Um novo plebiscito daqui dez anos, ou quando a UE enfrentar uma nova crise existencial, é algo factível. Já voltar ao bloco tendo saído dele é algo muito mais difícil de ser conquistado. Os próprios países-membros da UE não facilitariam a vida para uma Inglaterra recém-egressa, sob pena de enfraquecer sua própria coesão interna em um momento no qual o projeto de união continental não está exatamente em alta.
Por tudo isso, o consenso dos analistas sensatos e dos experts é quase unânime pela permanência. Mas há um sentimento de orgulho pátrio que ele não capta. Há a perspectiva de se lançar em uma aventura nacional rumo a um sonho possível. A coragem de escolher, pelo menos uma vez na vida, o que vai contra o consenso dos “experts” (cujas receitas estão longe de ser um sucesso retumbante). Isso vale ou não vale incertos 2% do PIB?
O Reino Unido vota hoje se permanece ou não na União Europeia. Na política contemporânea, o caminho mais seguro e convencional corre o risco de ser descartado em nome de uma aventura irresponsável. O que, apesar do que dizem os experts, nem sempre é uma má ideia…
A campanha pela permanência na UE, capitaneada pelo primeiro-ministro David Cameron e apoiada, ainda que um tanto a contragosto, pelo Partido Trabalhista de Jeremy Corbyn, tem, é preciso admitir, os dados ao seu lado. Os ganhos do Reino Unido oriundos do comércio com a UE, o poder de influir nas decisões do bloco, a relativa segurança de não fazer parte do euro; sem falar nas perspectivas de separatismo interno (Escócia, Irlanda do Norte, Gales) no caso de um voto que quebre com a UE. Tudo isso pesa a favor da permanência.
Por outro lado, a campanha pela saída capta algumas aspirações nacionais importantes. Duas visões principais – e antagônicas – guiam esse lado. A primeira é a de um Reino Unido livre das amarras burocráticas e regulatórias do continente, da ideologia ultrapassada e dos laços com um cadáver econômico. Há a ideia de que a Inglaterra poderia deixar o continente europeu um pouco de lado e voltar-se ao Atlântico, aos povos de língua inglesa, e tomar um papel central em uma nova economia mundial. Teríamos um Reino Unido mais global, mais dinâmico, mais capitalista e maior.
A outra é quase o oposto dessa: a chamada “Little England”. É o equivalente inglês – e mais brando – do nacionalismo continental. Uma Inglaterra protegida da concorrência internacional, fechada aos perigosos imigrantes e refugiados, sustentando sindicatos e carteis tradicionais. A bem da verdade, o grosso do eleitorado que defende a saída da UE quer, no fundo, esse tipo de garantia. Trata-se de uma visão nada liberal e um tanto retrógrada, agradando a setores da direita e da esquerda. O próprio Jeremy Corbyn, no passado, era contrário à UE justamente por ela ser “neoliberal”.
Um Reino Unido mais global e liberal, mais próximo de EUA, Austrália, Hong Kong e outros, é uma visão tentadora. É também, provavelmente, a mais improvável. No curto prazo, o custo comercial e econômico da saída não é negligenciável. Há algum nível de bravata nas ameaças que vêm das outras nações, como França, Alemanha e mesmo EUA, unânimes em recomendar a permanência. O fato é que a economia inglesa é grande e atrativa o bastante; uma vez fora, todos terão a ganhar ao estabelecer laços econômicos com ela. Ainda assim, se quiser continuar comerciando com a UE como faz hoje, o Reino Unido terá que seguir basicamente as mesmas regulamentações que já segue, a pagar uma taxa para Bruxelas e não teria nenhuma influência nas negociações sobre o rumo do bloco; é o que acontece, hoje em dia, com a Noruega, que escolheu lá atrás não fazer parte da UE. Sair disso e negociar acordos bilaterais demorará décadas. Abrir-se unilateralmente ao livre comércio é uma escolha politicamente muito improvável.
Sair do estado atual para cair na “Little England” seria o pior cenário possível. Já que não tenho parte na decisão, posso apostar alto e torcer pelo Brexit otimista, mesmo sabendo se tratar de um resultado improvável.
Contra mim há, reconheço, um argumento adicional que é difícil de refutar. Permanecer na UE é uma decisão facilmente reversível. Um novo plebiscito daqui dez anos, ou quando a UE enfrentar uma nova crise existencial, é algo factível. Já voltar ao bloco tendo saído dele é algo muito mais difícil de ser conquistado. Os próprios países-membros da UE não facilitariam a vida para uma Inglaterra recém-egressa, sob pena de enfraquecer sua própria coesão interna em um momento no qual o projeto de união continental não está exatamente em alta.
Por tudo isso, o consenso dos analistas sensatos e dos experts é quase unânime pela permanência. Mas há um sentimento de orgulho pátrio que ele não capta. Há a perspectiva de se lançar em uma aventura nacional rumo a um sonho possível. A coragem de escolher, pelo menos uma vez na vida, o que vai contra o consenso dos “experts” (cujas receitas estão longe de ser um sucesso retumbante). Isso vale ou não vale incertos 2% do PIB?