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O dia que o Google matou a liberdade de pensamento

O engenheiro do Google James Damore escreveu – num forum de funcionários da empresa, onde a expressão de ideias é incentivada – um texto questionando algumas premissas e práticas que vigoram na companhia acerca da diversidade homens e mulheres. A empresa, segundo ele, tem um problema com o pensamento único. Não se admite qualquer tese […]

GOOGLE, DA ALPHABET: a direção da empresa ficou do lado dessas pessoas e prontamente demitiu Damore. Isso só ressaltou o ponto dele que perpassa todo o artigo / Ole Spata/Corbis/Latinstock (Ole Spata/Corbis/Latinstock/Reprodução)
GOOGLE, DA ALPHABET: a direção da empresa ficou do lado dessas pessoas e prontamente demitiu Damore. Isso só ressaltou o ponto dele que perpassa todo o artigo / Ole Spata/Corbis/Latinstock (Ole Spata/Corbis/Latinstock/Reprodução)
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Joel Pinheiro da Fonseca

Publicado em 10 de agosto de 2017 às, 11h23.

O engenheiro do Google James Damore escreveu – num forum de funcionários da empresa, onde a expressão de ideias é incentivada – um texto questionando algumas premissas e práticas que vigoram na companhia acerca da diversidade homens e mulheres.

A empresa, segundo ele, tem um problema com o pensamento único. Não se admite qualquer tese que negue a premissa central de que qualquer diferença entre homens e mulheres é fruto de construções sociais arbitrárias (e negativas) e deve ser combatida. Assim, enquanto as mulheres não forem 50% da mão-de-obra e não ganharem exatamente o mesmo que os homens, a missão de diversidade do Google não estará completa.

Damore questiona essa premissa, argumentando que há diferenças biológicas importantes. Homens perseguem mais status e poder – podendo abrir mão do resto da vida – e se atraem por temas áridos, impessoais. Mulheres preferem um melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal e preferem áreas em que relacionamentos ou pessoas tenham alguma participação. Sendo assim, programas de diversidade cegos para essas diferenças podem não ser tão eficazes. Ao invés de apenas facilitar para as mulheres no processo seletivo, que tal implementar alguma mudança no trabalho da empresa para que ele se torne mais atrativo a mulheres; ou ainda expandir as possibilidades de trabalhar meio período.

O texto de Damore é perfeito em seu tom. Ele faz questão de frisar, logo de saída, que ele também quer mais diversidade dentro da empresa. Mais importante de tudo: ele ressalta que diferenças nas médias entre os sexos não significa que todos os indivíduos seguem a média. Há muitas mulheres com características “masculinas” e vice-versa. Ele a todo momento se preocupa em mostrar os limites de suas conclusões e as considerações do outro lado. Não há nenhuma tentativa de ofender ninguém, não há nenhum humor ou mostra de agressividade. É um funcionário usando um espaço da empresa explicitamente desenhado para a liberdade de expressão, expressando com honestidade suas dúvidas acerca de certa mentalidade e certas políticas da empresa.

O texto é sério e o tom é correto. Previsivelmente, no entanto, provocou uma celeuma interna. Uma minoria de trabalhadores do Google considerou-o ofensivo, e aparentemente algumas funcionárias se sentiram intimidadas e machucadas. A direção da empresa ficou do lado dessas pessoas e prontamente demitiu Damore. Isso só ressaltou o ponto dele que perpassa todo o artigo: há um clima perigosamente monolítico dentro da empresa quando o tema é opinião sobre esse tipo de assunto. Assim, uma empresa que diz valorizar a liberdade de pensamento mostra que, na prática, exclui quem diverge da cartilha, mesmo que o faça com bons argumentos e as melhores das intenções.

Tanto as premissas do texto – em sua maioria adivindas de estudos científicos – quanto as conclusões sobre as políticas do Google e a cultura interna da empresa podem e devem ser questionadas. É isso que se espera de um ambiente de discussão de ideias sadio. O ultraje sobre o caso não tem rigorosamente nada a ver com Damore estar correto ou não (no caso, eu, pessoalmente, acredito que ele esteja).

A reação exaltada ao texto dele e a decisão da Google de demiti-lo são moralmente abjetas independentemente de ele estar correto ou incorreto em suas conclusões. Elas violam os princípios básicos da liberdade de pensamento. A tortura e condenação de Galileu pela Igreja não se tornam menos condenáveis pelo fato de que, no final das contas, o Sol não é o centro do universo. Galileu – e agora Damore – não foi condenado por errar. Ele foi condenado por pensar.

Houve quem o criticasse por medir erroneamente a reação que seu texto geraria. Sem dúvida, ele estimou mal. Ele imaginou que a razoabilidade e a boa fé fossem preponderantes no Google; um erro evidente, como agora foi comprovado. Como escreveu sem medir o impacto que teria, ele que lide com as consequências. Isso o torna tão “culpado” quanto seria culpado alguém que defendesse o ateísmo na Idade Média e acabasse na fogueira.

Seja como for, cabe pegar essa acusação de não medir bem a reação do meio e voltá-la para os progressistas. Dentro da bolha progressista americana, o que se passou foi normal e esperado. Mas quando o resto do país e do mundo – as pessoas normais, atrasadas, que ainda acham que existe tal coisa como “homem” e “mulher” – olha para um casos desses, pode ter certeza que ele não gosta do que vê. E vota no Trump. Os êxtases persecutórios da bolha progressista estão gerando uma reação violenta ao seu redor. E, quando ela vier, eles que lidem com a consequência…