O ano de Trump
O ano de 2017 promete ser divertido. Para o Brasil, promete mais instabilidade política, com a queda de mais um presidente uma possibilidade realista, e com ela o espectro de eleições diretas ou indiretas; essas, particularmente, prometem ser um espetáculo único para todos os que tiverem o privilégio de assistir. Na Europa, o Brexit deve […]
Publicado em 5 de janeiro de 2017 às, 11h43.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h36.
O ano de 2017 promete ser divertido. Para o Brasil, promete mais instabilidade política, com a queda de mais um presidente uma possibilidade realista, e com ela o espectro de eleições diretas ou indiretas; essas, particularmente, prometem ser um espetáculo único para todos os que tiverem o privilégio de assistir.
Na Europa, o Brexit deve dar bastante trabalho, e a eleição na França – mais a ameaça do Frexit – colocam em risco o sonho do continente unificado. Sonho que, a bem da verdade, nunca foi partilhado por grande parte da população.
Mais do que tudo, contudo, 2017 promete ser o ano de Trump. Eleito numa plataforma de jogo de cena e pose, Donald Trump agora mostrará a que veio. Conforme argumentei em colunas anteriores, embora eu esteja longe de achar que a eleição de Trump seja o cataclismo vislumbrado por alguns (“Oh, o racismo ganhou!” – não, não é o racismo que explica sua vitória), considero que ele provavelmente trará retrocesso em três áreas importantes.
A primeira, e mais óbvia, é o meio-ambiente. Trump já anunciou Scott Pruitt, um negador do aquecimento global, para chefiar a Environmental Protection Agency (EPA). Chutar o balde ambiental – especialmente no que diz respeito ao CO2 – casa muito bem com a política (economicamente equivocada) de Trump de preservar e se possível aumentar empregos americanos na velha indústria. Poluindo mais, gastando menos com tecnologias limpas, é possível gerar um valor maior no curto prazo. Infelizmente, não só os EUA, mas todo o planeta, pagará a conta dessa decisão.
O segundo plano de preocupação global é o comércio internacional. A grande bandeira de Trump é a negação dos ganhos de troca da globalização. Ele parte da velha premissa mercantilista: se um país vende produtos para nós, nós estamos perdendo, pois não os produzimos aqui. O mesmo vale para quando uma empresa, ao invés de contratar americanos, procura trabalhadores na China ou na Índia. Os jornais já comemoram cada empresa que decide manter ou restaurar uma fábrica em solo americano – já prevendo sanções, taxas ou isenções que Trump criará – como se isso fosse um benefício para a economia americana.
Na verdade, ao ter que gastar capital e mão-de-obra para produzir em solo americano aquilo que poderia ser comprado do exterior mais barato, os EUA saem perdendo (assim como perdem seus parceiros comerciais e financeiros). O total produzido será menor, mais mão-de-obra terá que ser utilizada para produzir a mesma quantidade de bens e serviços.
O Brasil tem larga experiência com a política que Trump advoga: a substituição de importações. Leis de conteúdo nacional, barreiras à importação, isenções fiscais para indústrias. Foi, para dizer o mínimo, um fracasso retumbante. Agora a direita americana se rende aos encantos das propostas da velha esquerda brasileira. Se perseguido com igual afinco (o que é improvável, pois os EUA são espontaneamente mais liberais do que nós), terá o mesmo resultado.
Por fim, a terceira área de apreensão global é geopolítica. Trump foi inegavelmente o candidato do Kremlin. E não foi à toa. Para os interesses do Estado russo, Trump representa um relaxamento da tensão que impedia que ele colocasse as mangas de fora. Ao nomear Rex Tillerson – notório camarada dos russos – como Secretário de Estado, Trump sinaliza para uma mudança de paradigma. Deixa de lado a visão dos EUA como garantidor da ordem mundial: uma ordem que, com todas as suas imperfeições e injustiças, tende a ser liberal. Em seu lugar, reacende a ideia de que cada parte do mundo está ou deveria estar na zona de influência de uma potência regional.
Essa atitude corre o risco de ser, num primeiro momento, isolacionista. Deixar que a China domine o oceano, que a Rússia estenda sua presença no Oriente Médio e no Leste da Europa. Em um dado momento, contudo, é inevitável, que alguns desses (ou ainda Irã, Coreia do Norte) vá além do limite em suas ambições imperiais. Neste momento, uma resposta bélica severa será quase inevitável.
O grande “luxo” do Brasil é poder olhar para tudo isso como se fossem questões distantes. Para um país fechado economicamente, cujos maiores desafios ambientais são internos (desmatamento da selva amazônica) e que se fez um “anão diplomático” nos últimos mandatos, o mundo está mesmo um pouco distante. Enquanto isso, o caos aberto de nossa política segue firme, e a hecatombe econômica – que não deve quase nada à desaceleração do resto do mundo – ainda será nossa companheira até pelo menos 2018, na melhor das hipóteses com recuperação lenta. Por mais que seja bom ser espectador da crise alheia, a nossa é sem dúvida ainda maior. A diferença é que, se as eleições do ano passado e a política econômica atual servem de indicador, estamos finalmente no caminho certo.