Não é uma escolha entre vidas e economia
Mais cedo ou mais tarde, a crise econômica virá de qualquer forma, a questão é que quanto mais mortes, mais difícil será a recuperação
Da Redação
Publicado em 27 de março de 2020 às 19h03.
Última atualização em 27 de abril de 2020 às 20h39.
Uma das maiores tragédias de nossos tempos é a incessante polarização política de discussões técnicas. No caso do combate ao coronavirus, o adjetivo “trágico” é literal. O fato é que, desde o discurso de Bolsonaro em rede nacional na última terça-feira, o debate público se reduziu a um dilema estéril e abstrato: devemos salvar as vidas ou a economia?
Concretamente falando, o dilema não existe: a crise econômica virá. Ela pode vir algumas semanas antes, caso pratiquemos o confinamento preventivamente – o que reduzirá consumo e produção – ou algumas semanas depois, caso deixemos a doença se alastrar, as milhares de mortes diárias chegarem e o pânico tomar conta. A diferença é que, neste segundo caso, o número de mortes será muito maior e a recuperação muito mais lenta.
Para reduzir os danos econômicos do confinamento, o Estado tem que intervir de forma decisiva na economia, tendo três objetivos: garantir a subsistência de todo mundo que precise; preservar empregos na medida do possível, subsidiando a folha de pagamento de empresas que precisem suspender seus trabalhadores; prover capital de giro para as empresas. Essas medidas contribuem para que a recuperação econômica, ao fim da crise, seja rápida: as pessoas e os bens de capital estarão em seu lugar, os trabalhadores apenas voltam para seus postos. É muito mais fácil do que reorganizar uma terra arrasada do zero.
Desde o discurso do presidente, contudo, uma parte relevante da opinião pública tem defendido o fim de qualquer política de confinamento, aconselhando apenas que idosos fiquem em casa.
É preciso frisar, aqui, o quanto o debate brasileiro está distante do resto do mundo. Ao pedir que as pessoas fora do grupo de risco voltem às ruas e que as escolas voltem a ter aulas, Bolsonaro nos coloca em uma posição de permissividade mais extrema que a do Japão, o país que menos medidas restritivas tomou até agora (nesta semana, os novos casos em Tóquio subiram de forma preocupante; por isso a governadora regional já avisou que um lockdown pode estar a caminho). Mesmo lá, contudo, as escolas foram fechadas.
Nos EUA, Trump tem adotado uma posição similar à de Bolsonaro: protesta, em nome da economia, contra as medidas de isolamento social. No entanto, mesmo em seu discurso temerário o fim das restrições deve começar, gradualmente, apenas na Páscoa: ou seja, dia 12 de abril. A quarentena de SP, contra a qual Bolsonaro protesta veementemente, está programada para ir até o dia 07 de abril. Mesmo os exemplos mais permissivos do resto do mundo, portanto, são tratados como uma restrição intolerável pelo discurso de Bolsonaro e seus seguidores nas redes, que não se baseia em nenhum tipo de estudo ou modelo.
Por fim, cabe lembrar qual foi o país que adotou a mesma linha pregada agora por Bolsonaro: a de que a epidemia é um alarmismo midiático e que a economia não pode parar: a Itália. Em fins de fevereiro, a cidade de Milão adotou a campanha “Milano non si ferma” (“Milão não para”), iniciada em fins de fevereiro em Milão. Desde então, Milão se tornou o grande foco na doença na Itália, e hoje morrem diariamente mais de 700 pessoas no país. O prefeito de Milão já pediu desculpas públicas pela campanha. As desculpas, contudo, não trarão uma vida sequer de volta.
Ninguém deseja estender o isolamento social mais do que o necessário. Ao mesmo tempo, há evidências de que este seja o melhor jeito de reduzir a taxa de novos contágios. É o que os números vêm mostrando em SP: nos últimos dias os novos casos parecem estar desacelerando. O custo econômico, evidentemente, é alto. Felizmente, com a aprovação da renda básica de R$600 pelo Congresso (provavelmente precisaremos de medidas adicionais para chegar a todos) e a linha de crédito especial do Banco Central para financiar a folha de pagamento de pequenas e médias empresas, esse custo será amenizado.
A estratégia, a partir de agora, deve se focar nos gastos da Saúde: aumentar a capacidade do SUS para tratar novos casos (leitos e respiradores), compras massivas de testes para a população e investimento na produção de ítens de proteção individual, como máscaras. Com essa agenda avançada, e a curva um pouco achatada, será possível reduzir a restrição, liberando pessoas não-infectadas, identificando rapidamente novos focos e isolando todos os que tiverem contato, além do confinamento dos grupos de risco.
Sem essas providências, toda promessa de “isolamento parcial” não passa de engodo; é jogar a população num “salve-se quem puder”, aumentando drasticamente o contágio e, muito em breve, produzindo pânico social e uma crise econômica muito pior. Ou alguém acha que os consumidores irão felizes às compras se cenas de corpos empilhados diariamente às portas dos hospitais se tornarem normais?
Uma das maiores tragédias de nossos tempos é a incessante polarização política de discussões técnicas. No caso do combate ao coronavirus, o adjetivo “trágico” é literal. O fato é que, desde o discurso de Bolsonaro em rede nacional na última terça-feira, o debate público se reduziu a um dilema estéril e abstrato: devemos salvar as vidas ou a economia?
Concretamente falando, o dilema não existe: a crise econômica virá. Ela pode vir algumas semanas antes, caso pratiquemos o confinamento preventivamente – o que reduzirá consumo e produção – ou algumas semanas depois, caso deixemos a doença se alastrar, as milhares de mortes diárias chegarem e o pânico tomar conta. A diferença é que, neste segundo caso, o número de mortes será muito maior e a recuperação muito mais lenta.
Para reduzir os danos econômicos do confinamento, o Estado tem que intervir de forma decisiva na economia, tendo três objetivos: garantir a subsistência de todo mundo que precise; preservar empregos na medida do possível, subsidiando a folha de pagamento de empresas que precisem suspender seus trabalhadores; prover capital de giro para as empresas. Essas medidas contribuem para que a recuperação econômica, ao fim da crise, seja rápida: as pessoas e os bens de capital estarão em seu lugar, os trabalhadores apenas voltam para seus postos. É muito mais fácil do que reorganizar uma terra arrasada do zero.
Desde o discurso do presidente, contudo, uma parte relevante da opinião pública tem defendido o fim de qualquer política de confinamento, aconselhando apenas que idosos fiquem em casa.
É preciso frisar, aqui, o quanto o debate brasileiro está distante do resto do mundo. Ao pedir que as pessoas fora do grupo de risco voltem às ruas e que as escolas voltem a ter aulas, Bolsonaro nos coloca em uma posição de permissividade mais extrema que a do Japão, o país que menos medidas restritivas tomou até agora (nesta semana, os novos casos em Tóquio subiram de forma preocupante; por isso a governadora regional já avisou que um lockdown pode estar a caminho). Mesmo lá, contudo, as escolas foram fechadas.
Nos EUA, Trump tem adotado uma posição similar à de Bolsonaro: protesta, em nome da economia, contra as medidas de isolamento social. No entanto, mesmo em seu discurso temerário o fim das restrições deve começar, gradualmente, apenas na Páscoa: ou seja, dia 12 de abril. A quarentena de SP, contra a qual Bolsonaro protesta veementemente, está programada para ir até o dia 07 de abril. Mesmo os exemplos mais permissivos do resto do mundo, portanto, são tratados como uma restrição intolerável pelo discurso de Bolsonaro e seus seguidores nas redes, que não se baseia em nenhum tipo de estudo ou modelo.
Por fim, cabe lembrar qual foi o país que adotou a mesma linha pregada agora por Bolsonaro: a de que a epidemia é um alarmismo midiático e que a economia não pode parar: a Itália. Em fins de fevereiro, a cidade de Milão adotou a campanha “Milano non si ferma” (“Milão não para”), iniciada em fins de fevereiro em Milão. Desde então, Milão se tornou o grande foco na doença na Itália, e hoje morrem diariamente mais de 700 pessoas no país. O prefeito de Milão já pediu desculpas públicas pela campanha. As desculpas, contudo, não trarão uma vida sequer de volta.
Ninguém deseja estender o isolamento social mais do que o necessário. Ao mesmo tempo, há evidências de que este seja o melhor jeito de reduzir a taxa de novos contágios. É o que os números vêm mostrando em SP: nos últimos dias os novos casos parecem estar desacelerando. O custo econômico, evidentemente, é alto. Felizmente, com a aprovação da renda básica de R$600 pelo Congresso (provavelmente precisaremos de medidas adicionais para chegar a todos) e a linha de crédito especial do Banco Central para financiar a folha de pagamento de pequenas e médias empresas, esse custo será amenizado.
A estratégia, a partir de agora, deve se focar nos gastos da Saúde: aumentar a capacidade do SUS para tratar novos casos (leitos e respiradores), compras massivas de testes para a população e investimento na produção de ítens de proteção individual, como máscaras. Com essa agenda avançada, e a curva um pouco achatada, será possível reduzir a restrição, liberando pessoas não-infectadas, identificando rapidamente novos focos e isolando todos os que tiverem contato, além do confinamento dos grupos de risco.
Sem essas providências, toda promessa de “isolamento parcial” não passa de engodo; é jogar a população num “salve-se quem puder”, aumentando drasticamente o contágio e, muito em breve, produzindo pânico social e uma crise econômica muito pior. Ou alguém acha que os consumidores irão felizes às compras se cenas de corpos empilhados diariamente às portas dos hospitais se tornarem normais?