Exame Logo

Na fortaleza do centrão

Se garantem a sobrevida do governo, os laços com a política fisiológica também afastam os temores de que o presidente possa dar um golpe

Jair Bolsonaro (Adriano Machado/Reuters)
b

beatrizcorreia

Publicado em 5 de junho de 2020 às 15h20.

Tudo indica que as negociações do governo Bolsonaro com os partidos do centrão prosseguem de vento em popa. Apesar da reviravolta no Banco do Nordeste - Alexandre Cabral foi indicado pelo PTB, assumiu o cargo na terça, notícia de que ele é investigado pelo TCU foi publicada na quarta e ele perdeu o cargo no mesmo dia -, o loteamento de cargos no governo não dá mostras de que vai parar.

O PP e o PL levaram o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o PSD levou o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) e o governo negocia agora duas secretárias da Saúde: a Secretaria de Atenção Primária à Saúde (Saps) e a Secretaria de Atenção Especializada (Saes). O DNIT e o possível fatiamento do Ministério da Justiça e Segurança Pública seguem no radar.

O primeiro resultado dessas nomeações é afastar a possibilidade de impeachment, ao menos por enquanto. Não é de surpreender que um candidato que venceu a eleição dizendo que toda política é suja, quando se vê obrigado a fazer política, faz justamente a “política suja” que ele condenava: pura troca de interesses sem nenhum conteúdo propositivo. Os partidos do centrão querem poder e recursos, Bolsonaro quer sobreviver.

Se garantem a sobrevida do governo, os laços com a política fisiológica também afastam os temores de que o presidente possa dar um golpe. Primeiro porque tiram ânimo da militância mais golpista: o próprio Ministro da Educação, Abraham Weintraub - que é, como visto na reunião de 22/04, um ministro-militante - deu mostras públicas de insatisfação com a negociação do FNDE. Em segundo, prende Bolsonaro ao que há de mais estabelecido no “establishment” político brasileiro.

As negociações, contudo, não param. Cada novo inquérito, cada nova má notícia da pandemia ou da economia, todo novo atrito que Bolsonaro inevitavelmente produzirá com suas falas, aumentará o preço de uma nova rodada de apoio.

Ninguém consegue prever o futuro, mas as perspectivas para o governo não parecem das melhores: os números de mortes da pandemia não param de subir, e está claro que a completa falta de liderança de Bolsonaro no momento em que o Brasil mais precisava só agravou esse quadro. Estar sem Ministro da Saúde da área por mais de duas semanas é o símbolo perfeito do vazio no poder.

Ao mesmo tempo, o fundo do poço econômico parece ter sido em abril; maio já apresenta sinais de melhora. Um reaquecimento será positivo para o governo: mesmo que a economia não volte ao nível anterior, só de estar melhorando já imbui as pessoas de uma certa boa vontade. A grande dúvida paira sobre o ajuste fiscal: um perigoso discurso começa a tomar forma: aceitando-se a agenda de reformas de Guedes, os gastos podem ser elevados sem grande problema. Parece a receita perfeita para contratar aumentos de gasto agora e abandonar as reformas quando a agenda normal do Congresso voltar, sabe-se lá quando.

A militância mais feroz do presidente gosta de vociferar contra o Congresso e contra Rodrigo Maia em particular. Pouco reconhecem que ele foi um Presidente da Câmara muito benigno para com o Executivo, abraçando sem contrapartida a agenda de reformas econômicas e em nenhum momento trabalhando para derrubar o governo. Atacado por Bolsonaro, Maia não só cresceu em poder (em um momento de 2019 ele parecia o verdadeiro primeiro-ministro brasileiro) como também em responsabilidade. Ano que vem, com um provável Presidente da Câmara do PP, o mais provável é que vejamos um Presidente da Câmara menos republicano e mais traiçoeiro.

Se conseguisse ficar quieto e não provocar novos conflitos, Bolsonaro teria uma chance real - com um pouco de sorte na pandemia, na economia e nas investigações - de seguir com seu barco até 2022. Mas além de tudo que pode dar errado, há o próprio perfil do Presidente, que não irá resistir à tentação de provocar novas brigas: único combustível para manter sua base fiel motivada. O discurso ideológico e das armas já vem ganhando novo peso agora que o combate à corrupção e a economia foram ou sacrificados ou deixados em dúvida; com isso, só aumentará a rejeição e o ânimo de seus inimigos. Não há um caminho claro para um término prematuro do mandato; mas os sinais para o futuro do governo não são promissores.

Veja também

Tudo indica que as negociações do governo Bolsonaro com os partidos do centrão prosseguem de vento em popa. Apesar da reviravolta no Banco do Nordeste - Alexandre Cabral foi indicado pelo PTB, assumiu o cargo na terça, notícia de que ele é investigado pelo TCU foi publicada na quarta e ele perdeu o cargo no mesmo dia -, o loteamento de cargos no governo não dá mostras de que vai parar.

O PP e o PL levaram o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o PSD levou o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) e o governo negocia agora duas secretárias da Saúde: a Secretaria de Atenção Primária à Saúde (Saps) e a Secretaria de Atenção Especializada (Saes). O DNIT e o possível fatiamento do Ministério da Justiça e Segurança Pública seguem no radar.

O primeiro resultado dessas nomeações é afastar a possibilidade de impeachment, ao menos por enquanto. Não é de surpreender que um candidato que venceu a eleição dizendo que toda política é suja, quando se vê obrigado a fazer política, faz justamente a “política suja” que ele condenava: pura troca de interesses sem nenhum conteúdo propositivo. Os partidos do centrão querem poder e recursos, Bolsonaro quer sobreviver.

Se garantem a sobrevida do governo, os laços com a política fisiológica também afastam os temores de que o presidente possa dar um golpe. Primeiro porque tiram ânimo da militância mais golpista: o próprio Ministro da Educação, Abraham Weintraub - que é, como visto na reunião de 22/04, um ministro-militante - deu mostras públicas de insatisfação com a negociação do FNDE. Em segundo, prende Bolsonaro ao que há de mais estabelecido no “establishment” político brasileiro.

As negociações, contudo, não param. Cada novo inquérito, cada nova má notícia da pandemia ou da economia, todo novo atrito que Bolsonaro inevitavelmente produzirá com suas falas, aumentará o preço de uma nova rodada de apoio.

Ninguém consegue prever o futuro, mas as perspectivas para o governo não parecem das melhores: os números de mortes da pandemia não param de subir, e está claro que a completa falta de liderança de Bolsonaro no momento em que o Brasil mais precisava só agravou esse quadro. Estar sem Ministro da Saúde da área por mais de duas semanas é o símbolo perfeito do vazio no poder.

Ao mesmo tempo, o fundo do poço econômico parece ter sido em abril; maio já apresenta sinais de melhora. Um reaquecimento será positivo para o governo: mesmo que a economia não volte ao nível anterior, só de estar melhorando já imbui as pessoas de uma certa boa vontade. A grande dúvida paira sobre o ajuste fiscal: um perigoso discurso começa a tomar forma: aceitando-se a agenda de reformas de Guedes, os gastos podem ser elevados sem grande problema. Parece a receita perfeita para contratar aumentos de gasto agora e abandonar as reformas quando a agenda normal do Congresso voltar, sabe-se lá quando.

A militância mais feroz do presidente gosta de vociferar contra o Congresso e contra Rodrigo Maia em particular. Pouco reconhecem que ele foi um Presidente da Câmara muito benigno para com o Executivo, abraçando sem contrapartida a agenda de reformas econômicas e em nenhum momento trabalhando para derrubar o governo. Atacado por Bolsonaro, Maia não só cresceu em poder (em um momento de 2019 ele parecia o verdadeiro primeiro-ministro brasileiro) como também em responsabilidade. Ano que vem, com um provável Presidente da Câmara do PP, o mais provável é que vejamos um Presidente da Câmara menos republicano e mais traiçoeiro.

Se conseguisse ficar quieto e não provocar novos conflitos, Bolsonaro teria uma chance real - com um pouco de sorte na pandemia, na economia e nas investigações - de seguir com seu barco até 2022. Mas além de tudo que pode dar errado, há o próprio perfil do Presidente, que não irá resistir à tentação de provocar novas brigas: único combustível para manter sua base fiel motivada. O discurso ideológico e das armas já vem ganhando novo peso agora que o combate à corrupção e a economia foram ou sacrificados ou deixados em dúvida; com isso, só aumentará a rejeição e o ânimo de seus inimigos. Não há um caminho claro para um término prematuro do mandato; mas os sinais para o futuro do governo não são promissores.

Acompanhe tudo sobre:CentrãoGoverno BolsonaroPolítica

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se