Mídia e poder na era das redes sociais
Em uma sociedade saudável, a mídia não dá descanso ao poder. Seja de que partido ele for, o governante sabe que terá seus motivos questionados e seus malfeitos expostos pelos principais órgãos da imprensa. Graças a isso, o público descobre aquilo que o poder preferiria ocultar e os próprios poderosos têm um incentivo para se […]
Publicado em 19 de janeiro de 2017 às, 11h28.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h21.
Em uma sociedade saudável, a mídia não dá descanso ao poder. Seja de que partido ele for, o governante sabe que terá seus motivos questionados e seus malfeitos expostos pelos principais órgãos da imprensa. Graças a isso, o público descobre aquilo que o poder preferiria ocultar e os próprios poderosos têm um incentivo para se comportar melhor. O governante detém de fato muita influência sobre a sociedade, mas fica em alguma medida nas mãos da imprensa, que por sua vez depende, para sua credibilidade, da manutenção de certos padrões de ética jornalística que são independentes da posição política dos jornalistas.
Esse modelo nunca funcionou perfeitamente, mas de alguma maneira servia para entendermos um pouco mais dos conflitos à nossa volta. Hoje em dia, está sendo progressivamente substituído por um novo, no qual tecnologia e moralismo contribuem para enfraquecer a possibilidade da população de se informar devidamente.
Que o jornalismo jamais foi nem nunca será 100% imparcial é algo que não deveria precisar ser dito. Nada no mundo atinge a perfeição. Mas era um ideal buscado com sinceridade pelos grandes veículos. Ideal que vai sendo deixado para trás em nossa época, na qual as certezas morais da mídia – e, como toda classe, ela tem opiniões dominantes e vieses sistêmicos – ou do jornalista justificam omissões, manipulações e até mentiras.
É o que temos visto com a cobertura dada a Donald Trump. Depois da lua-de-mel de oito anos com Obama, a grande mídia liberal norte-americana tem novamente um vilão. Seria uma boa oportunidade para voltar ao papel que sempre deveria ter cumprido, não fosse a forte suspeita de que não é isso que vai acontecer. O peso e a importância que praticamente toda a mídia deu, ademais, a tentativas desesperadas de cancelar a eleição (derrota teria sido causada por hacking russo, recontagem daria vitória a Hillary, delegados votariam contra o desejo da população) mostrou o quanto o desejo pode obstruir o senso de realidade. Isso para não falar de verdadeiras gafes como a cometida pelo Buzzfeed, que, sem a experiência jornalística real, veiculou documentos falsos que incriminariam Trump.
Ao mesmo tempo, os políticos estão descobrindo que não precisam da mídia. O principal canal de comunicação de Trump com a população tem sido o Twitter. Lá ele pode provocar, afirmar, ofender e tergiversar sem nenhum filtro da imprensa. Livre também da responsabilidade de checar fatos ou aprimorar sua linguagem, tem um púlpito particular para falar o que quiser.
No Brasil, com algumas diferenças, o mesmo ocorre. Enquanto a mídia não para de mostrar o prefeito de São Paulo João Doria como um mauricinho e a questionar suas ações (e esse é o trabalho dela mesmo), ele monta uma refinada operação de comunicação, inclusive comunicação direta com a população, via, por exemplo, Facebook. É Doria de gari, Doria apagando pixação, Doria ajudando mendigo, pacientes pobres no hospital particular. As redes sociais substituem o trabalho da imprensa, o que a deixa desesperada. Ao mesmo tempo, anulam qualquer possibilidade de uma voz isenta. Possibilidade essa que a imprensa, se continuar movida pelo desejo de fazer cruzadas pelas boas causas, será a primeira a jogar fora. Infelizmente.
Em meio a tudo isso, Mark Zuckerberg, dono do Facebook, faz um estranho tour pelos cinquenta estados americanos. Correm especulações de que isso é o primeiro passo de uma candidatura futura. Tendo nas mãos uma ferramenta formidável para se promover – 58% dos americanos estão na rede social – será interessante assistir como a mídia tradicional fará para manter sua relevância.