Menos Congresso, mais Uber
O Brasil é um país de alma liberal e cabeça anacronicamente estatizante. Não é possível explicar nossa contradição de outra maneira. Os brasileiros são consumidores vorazes e empreendedores determinados. Por vivermos em um sistema tão ineficiente, a necessidade de encontrar soluções (muitas vezes informais) para os entraves do dia-a-dia exige de todos uma boa dose […]
Publicado em 6 de abril de 2017 às, 11h30.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 17h52.
O Brasil é um país de alma liberal e cabeça anacronicamente estatizante. Não é possível explicar nossa contradição de outra maneira.
Os brasileiros são consumidores vorazes e empreendedores determinados. Por vivermos em um sistema tão ineficiente, a necessidade de encontrar soluções (muitas vezes informais) para os entraves do dia-a-dia exige de todos uma boa dose de criatividade e flexibilidade.
Somos também velozes na incorporação de novas tecnologias, como redes sociais e smartphones. Empreendedores de Whatsapp e de Facebook são muitos. Assim como são muitos as dezenas de milhares de donos de automóvel que se inscreveram no Uber e em serviços semelhantes (como o Cabify) para oferecer transporte nas grandes cidades do país.
Cidades nas quais a quantidade de táxis fixada pelo poder público está estagnada há décadas, fazendo o preço das licenças chegar às centenas de milhares de reais (como linhas telefônicas antes da privatização). O serviço era caro e muitos dos taxistas mal preparados.
Eis que chegam os aplicativos e com eles uma nova realidade: serviços em uma diversa gama de preços, esforço em tratar bem o cliente, uso de aplicativos para encontrar o melhor caminho. Foi assim que o Uber rapidamente ganhou uma fatia relevante do mercado de táxis, colocando a categoria em estado de alerta. É uma constatação dura para os gestores públicos: todo o caro sistema de licenciamento de táxis não é significativamente mais confiável do que um serviço cuja única autorregulação são as resenhas dos próprios usuários.
Os taxistas mais espertos entenderam que os tempos mudaram, que não dá para lutar contra o progresso e que os bons profissionais provavelmente continuarão tendo espaço. Outros partiram para a repressão violenta. A repressão, felizmente, não deu certo, e o Uber e similares viraram realidade nas grandes cidades. Isso até o nosso Congresso vir para “resolver” o problema inexistente, punindo não apenas consumidores como todos os motoristas que encontraram nos aplicativos uma nova fonte de renda, tão importante neste momento de crise.
O Projeto de Lei aprovado pela Câmara esta semana, embora supostamente “permita” os aplicativos, na verdade os mata, submetendo-os às mesmas regras do táxi e à permissão da Prefeitura. Acabou a possibilidade de se cadastrar espontaneamente e oferecer um serviço com o automóvel próprio.
Faz tempo que não uso Uber. Os motoristas que não sabem o básico da geografia da cidade me cansam. Sinto mais conexão com o perfil médio do taxista do que com o motorista de Uber. E, conversando com um taxista uma semana atrás, ele contou como o mercado estava lentamente melhorando, a reputação do Uber sofrendo um tanto pela queda na qualidade do serviço.
Aí estava em ação a melhor regulação que podemos ter: a livre concorrência entre diferentes serviços. É a percepção da relação de custo e benefício feita diariamente por milhares de pessoas que determina quais modelos avançam e quais não; quais servem aos desejos dos consumidores a um preço que eles estão dispostos a pagar e quais falham. É assim, e não com a regulamentação distanciada de alguma autoridade, que os interesses dos cidadãos são mais bem servidos.
E então temos a situação na qual um país que vive de empreendedorismo é presidido por representantes que fazem de tudo para matá-lo. Alma liberal e cabeça estatizante. Só espero que, de tanto bater a cabeça, um dia aprendamos.