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Medida por fim de balanços em jornais é boa, mas o projeto é nefasto

A MP é correta, mas faz parte de um plano maior profundamente nefasto para a liberdade no Brasil

BOLSONARO: o que o incomoda no trabalho da imprensa não são suas falhas, e sim o fato dela cumprir sua função / REUTERS/ Adriano Machado (Adriano Machado/Reuters)
BOLSONARO: o que o incomoda no trabalho da imprensa não são suas falhas, e sim o fato dela cumprir sua função / REUTERS/ Adriano Machado (Adriano Machado/Reuters)
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Joel Pinheiro da Fonseca

Publicado em 9 de agosto de 2019 às, 07h33.

A MP assinada por Bolsonaro que abole a obrigatoriedade de empresas de capital aberto publicarem seus balanços em jornais de grande circulação é correta em seu conteúdo. A exigência fazia sentido antes da internet, mas hoje em dia representa um gasto desnecessário para as empresas sem nenhum benefício palpável.

Como tudo neste governo, no entanto, a medida veio envolta num discurso que apresenta aquela que deve ser sua real motivação, e é a mais baixa possível: revanche do presidente contra “a mídia”. “No dia de ontem eu retribuí parte do que grande parte da mídia me atacou”.

Sem dúvida alguma, a mídia tem diversas falhas e merece críticas por vários motivos. Parte deles deriva justamente da falta de recursos que tem sido a regra desde que a internet se popularizou. O que incomoda Bolsonaro no trabalho da imprensa, contudo, não são suas falhas, e sim o fato dela cumprir sua função. Ele gostaria de uma imprensa que não o perturbasse.

Todo presidente gostaria disso. A diferença é que Bolsonaro, de forma mais agressiva do que qualquer outro presidente desde a redemocratização, transforma seu incômodo com a imprensa em uma verdadeira campanha de hostilização e demonização. A militância – até onde se sabe, voluntária – faz o trabalho mais sujo, em verdadeiras campanhas contra o jornalismo profissional nas redes sociais.

Não podemos olhar só as árvores e perder de vista a floresta. A MP é correta, mas faz parte de um plano maior profundamente nefasto para a liberdade no Brasil. E mesmo naquilo que ela faz, o resultado poderia ser melhor – gerando menos impactos no setor – se a intenção fosse realmente aumentar a eficiência do mercado brasileiro e não apenas atacar um setor.

Uma lei que fora sancionada por Bolsonaro em abril não ia tão longe quanto esta MP – não abolia a obrigatoriedade completamente, apenas exigia que um resumo fosse publicados nos jornais – mas tinha um mérito que a MP não tem: passaria a valer apenas em 2021. Assim, dava um prazo para as empresas jornalísticas se adaptarem. Pela MP agora assinada, o choque ao sistema vem com mais força, aumentando a instabilidade e dificultando a adaptação. Isso seria ruim para uma perspectiva econômica tradicional: o setor afetado fica mais fraco. Para Bolsonaro, isso é positivo, pois seu objetivo é justamente enfraquecer a imprensa.

Evidentemente, o jornalismo profissional sobreviverá. Os desafios econômicos que a tecnologia coloca estão longe de estarem superados, mas algumas experiências de sucesso parecem apontar o caminho. Quando se vê ainda por cima sob ataque do presidente da república e de uma legião de seguidores que não toleram nada menos que a subserviência absoluta, o caminho é redobrar a aposta nas virtudes que fazem o bom jornalismo: a objetividade na comunicação e a coragem e inteligência de ir atrás dos fatos onde eles estiverem, incomode a quem for.

Não ficar dependente de antigos modos de financiamento que não se justificam mais no mundo atual, embora envolva uma dura adaptação, contribuirá para um setor mais moderno e inovador também.