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Mais democracia é sempre desejável? A resposta do condômino

Todo ano, uma ou duas vezes dependendo das necessidades, meu prédio repete um ritual já conhecido de grande parte da classe média brasileira: a reunião de condomínio. Universalmente lamentada, a reunião de condomínio segue sendo um fardo necessário para todos nós que insistimos em dividir um mesmo terreno com outras famílias. Em uma dessas vezes, […]

Campanha, em parceria com as startups Arquiteto de Bolso e MadeiraMadeira acontece ao longo de todo o mês de outubro e oferece projeto de decoração online (Germano Lüders/Exame)
DR

Da Redação

Publicado em 14 de setembro de 2016 às 17h51.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h46.

Todo ano, uma ou duas vezes dependendo das necessidades, meu prédio repete um ritual já conhecido de grande parte da classe média brasileira: a reunião de condomínio. Universalmente lamentada, a reunião de condomínio segue sendo um fardo necessário para todos nós que insistimos em dividir um mesmo terreno com outras famílias.

Em uma dessas vezes, o tema era a possibilidade de fechamento das varandas. Deveríamos decidir se o condômino pode ou não fechar a varanda com janelas de vidro, de forma a bloquear o vento, que às vezes é bem intenso. Dois lados antagônicos se organizaram. No caso da possibilidade do fechamento, teríamos que decidir o modelo padrão que todos deveriam seguir, para não quebrar a “uniformidade” da fachada.

Muitos conflitos e articulações de ambos os lados tiveram que ser feitos para que chegássemos a essa votação. Estávamos todos, ali, exercendo de maneira bastante pura a democracia, mas nem por isso vivenciávamos algum tipo de vivência mais completa ou elevada.

Muito pelo contrário: as brigas, as articulações, o tédio, o uso fastidioso da retórica, um lado tentando vencer o outro pelo cansaço, as formalidades burocráticas de ata e lista de presença; tudo ali conspirava para que não quiséssemos participar dessa tomada conjunta de decisão. No fundo, alguns poucos ali tinham uma opinião formada sobre o assunto; a maioria seguia o que seu grupo preferisse e queria, mais do que tudo, evitar a fadiga. O processo também priorizava justamente a vontade das pessoas mais intrometidas e com mais tempo livre, justamente aquelas cujo poder sobre nossas vidas gostaríamos de limitar.

O que não significa que ter uma decisão imposta pelo síndico fosse melhor. Isso abriria caminho para um autoritarismo e até para uma corrupção que não seríamos capazes de combater. Ao mesmo tempo, por mais imperfeito e irritante que seja o processo, ele ainda permite que, de alguma maneira, prevaleça a vontade dos moradores. Mas se houvesse uma maneira de nos poupar de todo o desgaste do jogo político – sem nos lançar ao arbítrio de um ditador –, ela nos traria grandes ganhos.

E essa maneira existe. Com regras e responsabilidades bem definidas, não é preciso politizar decisões. A simples determinação de que cada pessoa cuida do seu apartamento e se abstém de dar pitaco sobre os demais. Podemos chamar essa saída de saída liberal. Expandimos a esfera de decisão individual, privatizamos um número maior de áreas da vida, e evitamos assim o cabo de guerra eterno entre grupos de influência. Cada um arca com os custos (e aufere os lucros) de suas próprias escolhas. Respeitando o espaço alheio, diminuindo as zonas de conflito, criamos também a possibilidade de uma existência mais harmoniosa.

A sociedade é nosso grande condomínio. Inescapavelmente, há decisões que terão que versar sobre o que é irremediavelmente comum. Para essas, a democracia segue sendo a melhor opção (ou, no dizer de Churchill, “a pior forma de governo, exceto todas as outras”). Mas, sempre que possível, deixar que os indivíduos escolham por e para si mesmos é criar um sistema com mais variedade, mais inovação e mais harmonia entre as partes; melhor também para o coletivo.

A política dá todo dia mostras de suas severas limitações. Em meio à desesperança geral, vozes se levantam que propõem mais democracia, mais politização, mais plebiscitos e referendos, mais comitês populares de tomada de decisão conjunta. Minha única pergunta é: você realmente quer transformar sua vida em uma sucessão ininterrupta de reuniões de condomínio? Parece um bom jeito de gastar tempo e energia mental? Se não, então você não quer mais democracia; você quer mais liberdade.

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Todo ano, uma ou duas vezes dependendo das necessidades, meu prédio repete um ritual já conhecido de grande parte da classe média brasileira: a reunião de condomínio. Universalmente lamentada, a reunião de condomínio segue sendo um fardo necessário para todos nós que insistimos em dividir um mesmo terreno com outras famílias.

Em uma dessas vezes, o tema era a possibilidade de fechamento das varandas. Deveríamos decidir se o condômino pode ou não fechar a varanda com janelas de vidro, de forma a bloquear o vento, que às vezes é bem intenso. Dois lados antagônicos se organizaram. No caso da possibilidade do fechamento, teríamos que decidir o modelo padrão que todos deveriam seguir, para não quebrar a “uniformidade” da fachada.

Muitos conflitos e articulações de ambos os lados tiveram que ser feitos para que chegássemos a essa votação. Estávamos todos, ali, exercendo de maneira bastante pura a democracia, mas nem por isso vivenciávamos algum tipo de vivência mais completa ou elevada.

Muito pelo contrário: as brigas, as articulações, o tédio, o uso fastidioso da retórica, um lado tentando vencer o outro pelo cansaço, as formalidades burocráticas de ata e lista de presença; tudo ali conspirava para que não quiséssemos participar dessa tomada conjunta de decisão. No fundo, alguns poucos ali tinham uma opinião formada sobre o assunto; a maioria seguia o que seu grupo preferisse e queria, mais do que tudo, evitar a fadiga. O processo também priorizava justamente a vontade das pessoas mais intrometidas e com mais tempo livre, justamente aquelas cujo poder sobre nossas vidas gostaríamos de limitar.

O que não significa que ter uma decisão imposta pelo síndico fosse melhor. Isso abriria caminho para um autoritarismo e até para uma corrupção que não seríamos capazes de combater. Ao mesmo tempo, por mais imperfeito e irritante que seja o processo, ele ainda permite que, de alguma maneira, prevaleça a vontade dos moradores. Mas se houvesse uma maneira de nos poupar de todo o desgaste do jogo político – sem nos lançar ao arbítrio de um ditador –, ela nos traria grandes ganhos.

E essa maneira existe. Com regras e responsabilidades bem definidas, não é preciso politizar decisões. A simples determinação de que cada pessoa cuida do seu apartamento e se abstém de dar pitaco sobre os demais. Podemos chamar essa saída de saída liberal. Expandimos a esfera de decisão individual, privatizamos um número maior de áreas da vida, e evitamos assim o cabo de guerra eterno entre grupos de influência. Cada um arca com os custos (e aufere os lucros) de suas próprias escolhas. Respeitando o espaço alheio, diminuindo as zonas de conflito, criamos também a possibilidade de uma existência mais harmoniosa.

A sociedade é nosso grande condomínio. Inescapavelmente, há decisões que terão que versar sobre o que é irremediavelmente comum. Para essas, a democracia segue sendo a melhor opção (ou, no dizer de Churchill, “a pior forma de governo, exceto todas as outras”). Mas, sempre que possível, deixar que os indivíduos escolham por e para si mesmos é criar um sistema com mais variedade, mais inovação e mais harmonia entre as partes; melhor também para o coletivo.

A política dá todo dia mostras de suas severas limitações. Em meio à desesperança geral, vozes se levantam que propõem mais democracia, mais politização, mais plebiscitos e referendos, mais comitês populares de tomada de decisão conjunta. Minha única pergunta é: você realmente quer transformar sua vida em uma sucessão ininterrupta de reuniões de condomínio? Parece um bom jeito de gastar tempo e energia mental? Se não, então você não quer mais democracia; você quer mais liberdade.

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