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Linchamentos online – luzes no fim do túnel

Massas enfurecidas não são um agente confiável ou minimamente razoável para aplicar a justiça

LINCHAMENTO VIRTUAL: seja por meio de grupos, influenciadores ou máquinas programadas, redes sociais intensificam xingamentos / Dan Kitwood/Getty Images (Dan Kitwood/Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 24 de novembro de 2017 às 08h49.

Estamos vivendo um problema nas redes sociais. O problema das patrulhas e linchamentos virtuais sumários (que felizmente não tiram vidas, mas destroem reputações) estão fora de controle. Seja nas mãos de um “digital influencer” famoso, ou de movimentos políticos com muitos seguidores, seja por meio de bots e usuários falsos pagos para fazer barulho online, seja por movimentação de milhares de usuários autônomos, as redes estão se mostrando uma poderosa arma contra… contra qualquer um.

Em 2015, a youtuber (sem preconceito, eu também sou) Kéfera Buchmann sentiu-se desrespeitada por um taxista que não deixou que ela comesse uma marmita no táxi. Indignada, prometeu vingança, e a vingança veio: conclamou seus milhões de seguidores para hostilizar o taxista, revelando seus contatos. O assédio foi tanto – xingamentos, importunações, ameaças de morte – que sua família ficou com medo e ele teve que mudar de telefone.

Recentemente, como parte de uma campanha equivocada e sensacionalista contra a classe artística, que seria pedófila, um formador de opinião da alt-right brasileira criou e disseminou a hashtag #caetanopedofilo. (Vale lembrar que pedofilia é a atração sexual por indivíduos pré-púberes, coisa que Caetano nunca teve ou fez. A acusação é uma mentira.) A hashtag foi disseminada pelas redes, numa evidente tentativa de assassinar sua reputação.

No último dia 12 de novembro, o jornalista Guga Chacra fez um comentário sobre a comemoração popular do dia da independência da Polônia. Segundo Guga, teriam ido às ruas 60 mil nazistas. Na realidade, o grosso da passeata não era de extremistas da direita nacionalista. Cabia sim, possivelmente, uma correção. Mas o que se viu não foi isso: foi um movimento organizado de usuários atacando não a notícia, mas o próprio jornalista, tentando ofendê-lo de diversas formas. O movimento foi intenso e chegou a dominar as redes sociais. Mesmo agora, notícias relacionadas ao caso (tanto em blogs de direita como de esquerda) estão na primeira página de resultados do Google quando se procura “Guga Chacra”.

Não entendemos o fenômeno perfeitamente. Em alguns casos, o linchamento é potencializado com o uso de bots (robôs, perfis automatizados) que replicam insultos ou injúras, tornando-as mais volumosas e fazendo com que cheguem mais longe. Já existem empresas especializadas nesse tipo de serviço, seja com bots ou com usuários profissionais pagos para ficar o dia inteiro atualizando perfis ou seguindo alvos online em busca de algo que possam usar para atacá-lo. Com eleições chegando, isso deve ficar ainda mais grave no ano que vem.

Nos dois primeiros casos, havia uma origem clara do linchamento. Isso tornou mais fácil a reação contrária: tanto a youtuber que hostilizou o taxista quanto os perfis da alt-right brasileira que caluniaram Caetano Veloso foram condenados pela Justiça. Essas decisões, corretas, devem conter os ânimos dos linchadores no futuro.

No entanto, tem vezes em que não é tão fácil identificar a origem. Provavelmente a lei sozinha não dará conta de resolver o problema. Precisamos desenvolver instituições online e posturas individuais que combatam o ímpeto do linchamento virtual. Falar abertamente contra a prática é um primeiro passo. Acima de tudo, precisamos combater o ímpeto de muitas pessoas de acusar seus desafetos na esfera pública, ato que sempre envolve uma boa dose de vaidade e raiva mal processada.

Mesmo em casos justos (suponhamos que o tal taxista tivesse realmente feito algo muito antiético com seu passageiro), a punição das redes é desmedida e vem de um lugar indevido. Quem administra punições em nossa sociedade é o Estado. Massas enfurecidas não são um agente confiável ou minimamente razoável para aplicar a justiça. Tendem a magnificar qualquer delito, demonizar a pessoa envolvida e aplicar punições exageradas.

O filósofo liberal John Stuart Mill, em seu clássico “Sobre a Liberdade”, fez muito bem em ressaltar que tão perigosa para a liberdade individual quanto o Estado era a tirania da opinião pública. Na época dele, essa opinião era guiada por preconceitos religiosos e uma austera moral puritana, inclemente com o mais leve desvio. Hoje em dia o conteúdo da opinião pública mudou, mas a arena aberta das redes sociais tem feito com que ela volte a ser tão repressora da liberdade humana quanto sua predecessora. O cultivo da liberdade individual nunca foi fácil. Hoje, como sempre, ela começa no trabalho dentro de cada um de nós: o esforço de manter-se acima das paixões da massa, por mais sedutoras (e morais) que elas pareçam.

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Estamos vivendo um problema nas redes sociais. O problema das patrulhas e linchamentos virtuais sumários (que felizmente não tiram vidas, mas destroem reputações) estão fora de controle. Seja nas mãos de um “digital influencer” famoso, ou de movimentos políticos com muitos seguidores, seja por meio de bots e usuários falsos pagos para fazer barulho online, seja por movimentação de milhares de usuários autônomos, as redes estão se mostrando uma poderosa arma contra… contra qualquer um.

Em 2015, a youtuber (sem preconceito, eu também sou) Kéfera Buchmann sentiu-se desrespeitada por um taxista que não deixou que ela comesse uma marmita no táxi. Indignada, prometeu vingança, e a vingança veio: conclamou seus milhões de seguidores para hostilizar o taxista, revelando seus contatos. O assédio foi tanto – xingamentos, importunações, ameaças de morte – que sua família ficou com medo e ele teve que mudar de telefone.

Recentemente, como parte de uma campanha equivocada e sensacionalista contra a classe artística, que seria pedófila, um formador de opinião da alt-right brasileira criou e disseminou a hashtag #caetanopedofilo. (Vale lembrar que pedofilia é a atração sexual por indivíduos pré-púberes, coisa que Caetano nunca teve ou fez. A acusação é uma mentira.) A hashtag foi disseminada pelas redes, numa evidente tentativa de assassinar sua reputação.

No último dia 12 de novembro, o jornalista Guga Chacra fez um comentário sobre a comemoração popular do dia da independência da Polônia. Segundo Guga, teriam ido às ruas 60 mil nazistas. Na realidade, o grosso da passeata não era de extremistas da direita nacionalista. Cabia sim, possivelmente, uma correção. Mas o que se viu não foi isso: foi um movimento organizado de usuários atacando não a notícia, mas o próprio jornalista, tentando ofendê-lo de diversas formas. O movimento foi intenso e chegou a dominar as redes sociais. Mesmo agora, notícias relacionadas ao caso (tanto em blogs de direita como de esquerda) estão na primeira página de resultados do Google quando se procura “Guga Chacra”.

Não entendemos o fenômeno perfeitamente. Em alguns casos, o linchamento é potencializado com o uso de bots (robôs, perfis automatizados) que replicam insultos ou injúras, tornando-as mais volumosas e fazendo com que cheguem mais longe. Já existem empresas especializadas nesse tipo de serviço, seja com bots ou com usuários profissionais pagos para ficar o dia inteiro atualizando perfis ou seguindo alvos online em busca de algo que possam usar para atacá-lo. Com eleições chegando, isso deve ficar ainda mais grave no ano que vem.

Nos dois primeiros casos, havia uma origem clara do linchamento. Isso tornou mais fácil a reação contrária: tanto a youtuber que hostilizou o taxista quanto os perfis da alt-right brasileira que caluniaram Caetano Veloso foram condenados pela Justiça. Essas decisões, corretas, devem conter os ânimos dos linchadores no futuro.

No entanto, tem vezes em que não é tão fácil identificar a origem. Provavelmente a lei sozinha não dará conta de resolver o problema. Precisamos desenvolver instituições online e posturas individuais que combatam o ímpeto do linchamento virtual. Falar abertamente contra a prática é um primeiro passo. Acima de tudo, precisamos combater o ímpeto de muitas pessoas de acusar seus desafetos na esfera pública, ato que sempre envolve uma boa dose de vaidade e raiva mal processada.

Mesmo em casos justos (suponhamos que o tal taxista tivesse realmente feito algo muito antiético com seu passageiro), a punição das redes é desmedida e vem de um lugar indevido. Quem administra punições em nossa sociedade é o Estado. Massas enfurecidas não são um agente confiável ou minimamente razoável para aplicar a justiça. Tendem a magnificar qualquer delito, demonizar a pessoa envolvida e aplicar punições exageradas.

O filósofo liberal John Stuart Mill, em seu clássico “Sobre a Liberdade”, fez muito bem em ressaltar que tão perigosa para a liberdade individual quanto o Estado era a tirania da opinião pública. Na época dele, essa opinião era guiada por preconceitos religiosos e uma austera moral puritana, inclemente com o mais leve desvio. Hoje em dia o conteúdo da opinião pública mudou, mas a arena aberta das redes sociais tem feito com que ela volte a ser tão repressora da liberdade humana quanto sua predecessora. O cultivo da liberdade individual nunca foi fácil. Hoje, como sempre, ela começa no trabalho dentro de cada um de nós: o esforço de manter-se acima das paixões da massa, por mais sedutoras (e morais) que elas pareçam.

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