Islamofobia e extremismo islamista são aliados
Um espectro ronda a direita brasileira. O espectro da islamofobia. Sou bem econômico na hora de acusar alguém de alguma fobia da pós-modernidade. Mas é o nome mais apropriado para o que tem sido a campanha de direita de difamação do islã pela Europa, pelos EUA e até pelo Brasil. A ideia, basicamente, é promover […]
Publicado em 8 de junho de 2017 às, 17h47.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h02.
Um espectro ronda a direita brasileira. O espectro da islamofobia. Sou bem econômico na hora de acusar alguém de alguma fobia da pós-modernidade. Mas é o nome mais apropriado para o que tem sido a campanha de direita de difamação do islã pela Europa, pelos EUA e até pelo Brasil. A ideia, basicamente, é promover ódio popular contra muçulmanos. O ódio sempre foi uma ferramenta habilmente utilizada por políticos e líderes populistas em geral. Em parte, ele é fomentado por mentiras e exageros que tocam os medos da população; por outra parte, o que o permite são as posições esquivas do nosso establishment cultural politicamente correto.
Existe um problema de terrorismo na Europa. Isso é um fato. Segundo fato: é um problema cuja origem está na comunidade islâmica. Não há como negá-lo, e as tentativas de se fazê-lo é que geram a revolta que pode facilmente se transformar no preconceito contra toda a comunidade.
Pelo discurso islamofóbico, os muçulmanos que vivem no Ocidente são uma quinta coluna, falsos cidadãos que querem destruir a sociedade onde vivem, e quando não cometem atentados terroristas por conta própria, apoiam aqueles que cometem. A diferença entre moderados e extremistas está apenas nessa disposição de colocar em prática o que todos desejam. Grande parte dos muçulmanos nega isso? Ora, eles estão apenas praticando a “taqiyya”, a permissão teológica de mentir em nome da fé. Em outras palavras, nenhum muçulmano jamais é confiável.
Dá para suspeitar que algum exagero está ocorrendo aí, certo? Na verdade, a “taqiyya” (essa mentira que Alá não condena) se aplica apenas a caso de perseguição violenta, para proteger a própria vida ou a comunidade. No fundo, é um preceito ético que a maioria das pessoas viva no mundo hoje concorda e pratica. O raro, hoje, é encontrar alguém que – tal qual fazia o cristianismo tradicional – condene a mentira em todo e qualquer caso, inclusive quando ela é usada para salvar uma vida. Acreditar que um muçulmano está rotineiramente praticando a “taqiyya” – em conversas com vizinhos, em pesquisas de opinião, etc. – é pura e simplesmente paranoia.
E quando olhamos mais de perto o tipo de muçulmano que costuma virar terrorista, fica claro que o problema passa longe da teologia ou da fé. Não se trata de uma civilização irremediavelmente inimiga do Ocidente, dotada de um “DNA teológico” violento e inextirpável; e sim de indivíduos em crise que, em busca de sua identidade, encontram em versões muito minoritárias e extremistas da religião uma resposta, e decidem colocá-la em prática.
O terrorista não é alguém iniciado desde cedo nas profundezas da fé islâmica, versado em teologia e jurisprudência religiosa, com vida de oração, mandamentos e espiritualidade. É um jovem adulto que, via de regra, não seguia sua religião de família, sonhava com tênis Nike e mulheres, e nunca conseguiu se ajustar direito na sociedade. É o que revelou uma pesquisa com todos as pessoas condenadas por terrorismo no Reino Unido (grande parte dos casos foram debelados antes do ataque acontecer). Com idade média de 22 anos e moradores de áreas relativamente mais pobres (mesmo entre muçulmanos ingleses), menos da metade (47%) estava empregado ou estudava, e 26% já tinham sido condenados por outros crimes no passado.
O que temos, acima de tudo, é um problema de desajuste social de jovens adultos. Uma sociedade pouco integrada, na qual o imigrante ou filho de imigrantes se sente deslocado, com poucas oportunidades econômicas para jovens sem destaque, e falta de perspectivas econômicas. No caso de jovens muçulmanos, sua religião pode ser um fonte de identidade e respostas. E ao seguir por essa trilha, ele cai nas mãos de organizações prontas para aliciá-lo e ajudá-lo a cometer um ato de violência contra a sociedade malvada que, na narrativa alucinada dos extremistas, o oprime e humilha.
Cada vez mais, a identidade “muçulmano” aparece como em oposição ao Ocidente. Esse é o verdadeiro perigo. Na medida em que ela vingar, em que ela aparecer como verdadeira para as pessoas, os terroristas vencem. Não por algum motivo moral abstrato, mas porque empurramos mais pessoas para o caminho do extremismo. É uma profecia autorrealizável.
O jogo da extrema direita é o mesmo do ISIS, e só vai piorar o problema do terrorismo. Isso é excelente para os políticos que buscam se eleger com a bandeira da segurança nacional. Para a sociedade como um todo, é péssimo. O caminho de buscar a integração de muçulmanos no Ocidente (que inclui aspectos econômicos mas também sociais e culturais) não só é o mais positivo do ponto de vista ético, por enfatizar a convivência ao invés da guerra, como também é o único que pode funcionar na prática.