Escola sem partido ou sem debate?
Quando fiz o segundo ano do ensino médio, tive de aprender, na aula de geografia, sobre os males da globalização, as vantagens do socialismo e, para completar, a diferença entre mais-valia absoluta e mais-valia relativa. Ao mesmo tempo, não me foram passados nem os rudimentos de oferta e demanda, sistema de preços e vantagens comparativas, […]
Da Redação
Publicado em 28 de abril de 2016 às 13h02.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h27.
Quando fiz o segundo ano do ensino médio, tive de aprender, na aula de geografia, sobre os males da globalização, as vantagens do socialismo e, para completar, a diferença entre mais-valia absoluta e mais-valia relativa. Ao mesmo tempo, não me foram passados nem os rudimentos de oferta e demanda, sistema de preços e vantagens comparativas, tópicos que, estes sim, fazem parte da ciência econômica até hoje.
Meu antigo colégio é um colégio de elite em São Paulo que dá uma excelente formação a seus alunos. E, mesmo ali, esse professor enviesado no conteúdo e autoritário na exposição fazia da aula um espaço de doutrinação. Em muitas escolas do país, a situação é mais grave. Cadeiras de humanas (sempre as ciências humanas!) são transformadas em verdadeiros palcos de pregação ideológico-política. Em geral de esquerda.
Em resposta a isso, movimentos — em geral de direita — têm se formado para combater a doutrinação em sala de aula. Um exemplo é o Escola Sem Partido. Outro é o Projeto Escola Livre, aprovado pelos deputados estaduais de Alagoas: uma lei proíbe a doutrinação ou a indução de posições políticas e religiosas na sala de aula, podendo acarretar até mesmo a demissão do professor. Vitória da liberdade de pensamento? Tenho minhas dúvidas.
Em primeiro lugar, não ficou claro o que está sendo proibido. “Doutrinação” é um termo vago, que pode significar desde o professor que hostiliza alunos que pensam diferente dele até a mera expressão de opinião em sala de aula. O mesmo vale para o verbo “induzir”. Rigorosamente falando, todo ato de ensino induz os alunos a acreditar em algo em que antes não acreditavam.
Outra questão é como isso será fiscalizado. Fiscais de neutralidade ideológica em sala de aula são uma imagem impensável de tão orwelliana. Resta a via da denúncia. Sendo assim, todo aluno ou pai insatisfeito terá em mãos essa arma para comprometer a atividade do professor. “Ele disse uma vez em sala que votaria na Dilma / no Aécio…” Isso sem falar nas sindicâncias inquisitoriais que inevitavelmente seriam abertas a cada acusação.
A lei é, ademais, uma faca de dois gumes que pode servir a quem estiver no poder. Servirá para cercear o ensino da teoria “ateia” da evolução? Ou ainda para obrigar que teorias pseudocientíficas do criacionismo sejam apresentadas em paralelo? Ou para constranger professores religiosos? Seja qual for o caso, é a força física institucionalizada sendo utilizada para resolver embates de ideias.
Dar aula é induzir. A questão é que essa indução pode ser feita de maneira honesta ou desonesta. É natural — e mais, é desejável — que o professor traga sua bagagem cultural, suas ideias e posições, para informar o conteúdo dado em sala. Se é um conteúdo da área de humanas, na qual a objetividade pura está fora de questão, isso fica inevitável. Os próprios alunos se interessam em saber a opinião do professor, seus argumentos, seja para aceitar, seja para contrariar. Instaurar a neutralidade artificial aí apenas cria uma barreira intolerável na relação e na capacidade do professor de formular e dar sua aula.
Abusos sempre acontecerão, e a linha que divide um posicionamento que faz sentido no contexto de uma tentativa de doutrinação só fica clara dentro de cada contexto. Por isso, o melhor é que cada escola encontre suas soluções internas. Jogar para uma lei — colocar a força do Estado diretamente na questão — é instaurar a ameaça de censura e o conflito como norma.
Existe um problema de politização militante no ensino público? Sim. Mas a solução não passa por mais Estado. É perfeitamente possível trazer outras perspectivas para a sala de aula. Basta que professores com ideias diferentes do padrão conquistem seus espaços. Onde estão os professores de outras correntes ideológicas? As pessoas “de direita” não se dispõem a trabalhar na educação?
Tive o privilégio de estudar em uma escola com grande variedade de professores. Se o de geografia do segundo ano era ideológico e autoritário, outros — de todo o espectro político — apresentavam visões e referências diversas e estimulavam o debate. Mais escolas podem ser assim se mais gente — independentemente das crenças — se dispuser a melhorar o sistema por dentro em vez de regulamentá-lo de fora.
Ideias ruins são vencidas não com o silêncio forçado, mas com ideias melhores. Mãos à obra!
Quando fiz o segundo ano do ensino médio, tive de aprender, na aula de geografia, sobre os males da globalização, as vantagens do socialismo e, para completar, a diferença entre mais-valia absoluta e mais-valia relativa. Ao mesmo tempo, não me foram passados nem os rudimentos de oferta e demanda, sistema de preços e vantagens comparativas, tópicos que, estes sim, fazem parte da ciência econômica até hoje.
Meu antigo colégio é um colégio de elite em São Paulo que dá uma excelente formação a seus alunos. E, mesmo ali, esse professor enviesado no conteúdo e autoritário na exposição fazia da aula um espaço de doutrinação. Em muitas escolas do país, a situação é mais grave. Cadeiras de humanas (sempre as ciências humanas!) são transformadas em verdadeiros palcos de pregação ideológico-política. Em geral de esquerda.
Em resposta a isso, movimentos — em geral de direita — têm se formado para combater a doutrinação em sala de aula. Um exemplo é o Escola Sem Partido. Outro é o Projeto Escola Livre, aprovado pelos deputados estaduais de Alagoas: uma lei proíbe a doutrinação ou a indução de posições políticas e religiosas na sala de aula, podendo acarretar até mesmo a demissão do professor. Vitória da liberdade de pensamento? Tenho minhas dúvidas.
Em primeiro lugar, não ficou claro o que está sendo proibido. “Doutrinação” é um termo vago, que pode significar desde o professor que hostiliza alunos que pensam diferente dele até a mera expressão de opinião em sala de aula. O mesmo vale para o verbo “induzir”. Rigorosamente falando, todo ato de ensino induz os alunos a acreditar em algo em que antes não acreditavam.
Outra questão é como isso será fiscalizado. Fiscais de neutralidade ideológica em sala de aula são uma imagem impensável de tão orwelliana. Resta a via da denúncia. Sendo assim, todo aluno ou pai insatisfeito terá em mãos essa arma para comprometer a atividade do professor. “Ele disse uma vez em sala que votaria na Dilma / no Aécio…” Isso sem falar nas sindicâncias inquisitoriais que inevitavelmente seriam abertas a cada acusação.
A lei é, ademais, uma faca de dois gumes que pode servir a quem estiver no poder. Servirá para cercear o ensino da teoria “ateia” da evolução? Ou ainda para obrigar que teorias pseudocientíficas do criacionismo sejam apresentadas em paralelo? Ou para constranger professores religiosos? Seja qual for o caso, é a força física institucionalizada sendo utilizada para resolver embates de ideias.
Dar aula é induzir. A questão é que essa indução pode ser feita de maneira honesta ou desonesta. É natural — e mais, é desejável — que o professor traga sua bagagem cultural, suas ideias e posições, para informar o conteúdo dado em sala. Se é um conteúdo da área de humanas, na qual a objetividade pura está fora de questão, isso fica inevitável. Os próprios alunos se interessam em saber a opinião do professor, seus argumentos, seja para aceitar, seja para contrariar. Instaurar a neutralidade artificial aí apenas cria uma barreira intolerável na relação e na capacidade do professor de formular e dar sua aula.
Abusos sempre acontecerão, e a linha que divide um posicionamento que faz sentido no contexto de uma tentativa de doutrinação só fica clara dentro de cada contexto. Por isso, o melhor é que cada escola encontre suas soluções internas. Jogar para uma lei — colocar a força do Estado diretamente na questão — é instaurar a ameaça de censura e o conflito como norma.
Existe um problema de politização militante no ensino público? Sim. Mas a solução não passa por mais Estado. É perfeitamente possível trazer outras perspectivas para a sala de aula. Basta que professores com ideias diferentes do padrão conquistem seus espaços. Onde estão os professores de outras correntes ideológicas? As pessoas “de direita” não se dispõem a trabalhar na educação?
Tive o privilégio de estudar em uma escola com grande variedade de professores. Se o de geografia do segundo ano era ideológico e autoritário, outros — de todo o espectro político — apresentavam visões e referências diversas e estimulavam o debate. Mais escolas podem ser assim se mais gente — independentemente das crenças — se dispuser a melhorar o sistema por dentro em vez de regulamentá-lo de fora.
Ideias ruins são vencidas não com o silêncio forçado, mas com ideias melhores. Mãos à obra!