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Eleição americana: corrida ao abismo

Na próxima quinta-feira, dia da minha coluna, o mundo terá já um novo presidente-eleito dos Estados Unidos. Conforme já opinei aqui antes, considero que, tanto para os EUA quanto para o Brasil – e para o mundo democrático de maneira geral – Hillary Clinton é a escolha mais desejável. Donald Trump é um falastrão de […]

COMEY, DIRETOR DO FBI: mesmo um dos países que mais prezam sua própria constituição e o funcionamento das suas instituições parece caminhar ladeira abaixo / Jonathan Ernst/ Reuters
COMEY, DIRETOR DO FBI: mesmo um dos países que mais prezam sua própria constituição e o funcionamento das suas instituições parece caminhar ladeira abaixo / Jonathan Ernst/ Reuters
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Joel Pinheiro da Fonseca

Publicado em 3 de novembro de 2016 às, 12h10.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h46.

Na próxima quinta-feira, dia da minha coluna, o mundo terá já um novo presidente-eleito dos Estados Unidos. Conforme já opinei aqui antes, considero que, tanto para os EUA quanto para o Brasil – e para o mundo democrático de maneira geral – Hillary Clinton é a escolha mais desejável. Donald Trump é um falastrão de personalidade instável sem nenhum domínio de nenhuma das áreas nas quais o presidente americano é chamado a ter responsabilidade direta.

Esse desfecho era também o mais provável até poucos dias atrás. Agora, embora seja ainda – segundo os maiores especialistas em previsões políticas, como Nate Silver, que comanda o fivethirtyeight.com –, já se trabalha com uma distinta possibilidade de reversão do resultado e vitória de Trump.

Hillary tem, é verdade, um dom especial de gerar rejeição no eleitorado. Na ausência de alguma pauta muito positiva para ela (como a convenção democrática ou uma vitória em debate) ou negativa para seu adversário (como a gravação de sua “conversa de vestiário”), ela parece estar sempre perdendo o apoio dos indecisos. Um pouco talvez seja machismo mesmo – comportamentos considerados desejáveis em homens poderosos causam antipatia quando vindos de uma mulher poderosa –, mas boa parte é mérito individual dela, sempre fria e pouco transparente.

Ao mesmo tempo, desta vez temos um fato novo e bastante grave: o uso político do FBI para influenciar o resultado nas urnas. Quando o diretor do FBI James Comey veio a público dizer que as investigações sobre os emails de Hillary seriam reabertas – sem explicar direito por quê e nem qual o conteúdo dos novos emails – deu a entender que novas informações relevantes sobre eles tinham aparecido, quando na verdade não havia nada. Emails no HD de uma assessora cujo computador está sendo investigado por outro motivo e que não trazem absolutamente nada de relevante sobre o uso – inegavelmente equivocado – que Hillary fez de uma conta pessoal para envio de emails profissionais quando Secretária de Estado.

Obama já veio a público repudiar a atitude do diretor do FBI, cuja reputação (e cargo), ademais, já está seriamente comprometida. Mesmo assim, o estrago já foi feito. E não falo apenas do estrago à campanha de Hillary, mas à própria democracia americana.

Instituições existem apenas na mente humana. Existem na medida em que as pessoas alteram sua conduta para respeitar regras que consideram importantes. No momento em que esse respeito passa a perder importância nas mentes das pessoas, ainda que formalmente as regras continuem as mesmas, as instituições perderam sua solidez. Assistir esse tipo de manobra nas eleições americanas – bem como o uso deliberado e farto da mentira por parte de Trump em inúmeras ocasiões nos debates e em sua propaganda – nos faz temer pelo estado do mundo: mesmo um dos países que mais prezam sua própria constituição e o funcionamento das suas instituições parece caminhar ladeira abaixo para o desbunde prático em que países como o Brasil sempre viveram e do qual a muito custo começamos a superar.

Desde que passei a acompanhar política americana, meu voto sempre iria para o Partido Republicano, pela sua crença no indivíduo e nos ideais do livre mercado. Esta eleição é um caso à parte, e não apenas por Trump ser notoriamente mais protecionista do que Hillary. A diferença é mais embaixo: Trump não apresenta as virtudes mínimas para desempenhar com seriedade o cargo de presidente. Elegê-lo é colocar o Estado mais poderoso do planeta nas mãos de um narcisista inconsequente; mesmo que ele tivesse posições corretas sobre comércio e economia, continuaria sendo uma escolha temerária.

Reconheço que a ascensão do Trump revela um estado de espírito de grande parte do eleitorado que tem que ser levado a sério, e não desmerecido, como a elite intelectual americana tenta fazer, resumindo a divergência nacional a racismo, xenofobia, machismo, etc. Dito isso, no final das contas, trata-se de um candidato fundamentalmente inapto para o cargo, e isso deveria falar mais alto. Daqui do Brasil, só nos resta torcer pelo melhor. E aprender para não cometermos erros similares em 2018. Oportunidades não faltarão.

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