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Como criar um exército de inimigos online

Você sabe que uma força política ou cultural está condenada quando seus membros estão mais preocupados em manter a certeza (ou seria a pose?) da superioridade moral a efetivamente trazer pessoas para próximo de seus valores e causas. É o que a esquerda brasileira – nas diversas facetas de seus movimentos identitários – vem fazendo […]

CAMPANHA DA ALEZZIA: uma loja de móveis em aço inox se converteu em um think-tank antifeminista com projeção nacional / Divulgação
CAMPANHA DA ALEZZIA: uma loja de móveis em aço inox se converteu em um think-tank antifeminista com projeção nacional / Divulgação
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Joel Pinheiro da Fonseca

Publicado em 16 de fevereiro de 2017 às, 11h39.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h45.

Você sabe que uma força política ou cultural está condenada quando seus membros estão mais preocupados em manter a certeza (ou seria a pose?) da superioridade moral a efetivamente trazer pessoas para próximo de seus valores e causas. É o que a esquerda brasileira – nas diversas facetas de seus movimentos identitários – vem fazendo com enorme eficiência.

A Alezzia era uma marca de móveis em aço inox com publicidade envolvendo uma modelo de maiô (jeito estranho de vender cabideiros, mas vai que…), sem nada de notável para oferecer ao mundo. O estagiário Gabriel Vaz da construtora Cantareira era apenas um jovem que gosta de provocar, como tantos outros, e fez piadas com feministas em seu perfil pessoal do Facebook. Thauane Cordeiro, por sua vez, é uma jovem branca com câncer que achou uma forma bonita de cobrir a cabeça: um turbante.

A princípio, os três não teriam nada em comum. Mas foram todos vítimas do mesmo algoz: movimentos feministas (e, no caso de Thauane, movimentos feministas negros). Seja ao vivo ou nas redes sociais, receberam doses generosas de condenação e opróbrio que os coletivos online distribuem generosamente. A Alezzia virou inimigo público, Gabriel perdeu seu emprego prontamente e Thauane recebeu muitas lições de moral por estar se “apropriando culturalmente” de uma peça de vestuário que, todos sabem, pode apenas ser usada por negros.

Em geral a narrativa termina aí. Vidas severamente prejudicadas por uma patrulha online impiedosa. Delitos minúsculos ou mesmo imaginários que recebem um verdadeiro justiçamento das redes. Desta vez, não.

A Alezzia resolveu bater de frente com seus agressores militantes. Depois de muitas respostas exaltando a beleza feminina (transformando em ideológico algo que antes era apenas uma expressão espontânea), deu a jogada de mestre: contratou o recém-desempregado Gabriel Vaz para um estágio temporário. Seus imitadores abundam na internet, sentindo-se encorajados a fazer mais piadas.

Na sequência, a Alezzia fechou uma parceria com Thauane Cordeiro. Não faço ideia de quais eram as posições políticas de Thauane antes do episódio de assédio por conta de seu turbante. Fosse qual fosse, depois do amável encontro com as “manas” do feminismo ela se converteu voluntariamente em uma garota propaganda da direita.

Em alcance e em curtidas, a Alezzia não poderia estar melhor (resta saber o quanto disso se traduzirá em vendas). O sucesso foi tanto que um grupo de hackers anônimos se intitulando Anonymous BR hackeou sua página e, entre outros atos autoritários de vandalismo ilegal, publicou um manifesto, constrangedor em sua vaidade, de defesa do feminismo. Violência, autoengano e pose de superioridade são as armas da vez.

Mas armas perdedoras. De volta ao ar e tomando as medidas legais cabíveis, está fazendo ainda mais sucesso com sua defesa eloquente da liberdade de expressão que militantes “bem intencionados” querem abolir.

Aos hackers e a quem aprova o que fizeram, deixo apenas o alerta: não vale ficar indignado quando as mesmas armas forem usadas por uma militância que não é a sua. Mas isso agora pouco importa. A cada novo ataque, a cada nova mostra de intolerância, violência ou pura obtusidade, esses movimentos que se julgam

superiores ao restante da sociedade evidenciam sua pequenez e perdem qualquer resquício de legitimidade que um dia tiveram aos olhos da população.

E é assim, graças aos esforços incansáveis de feministas lacradoras, coletivos de esquerda e hackers Do Bem, uma loja de móveis em aço inox se converteu em um think-tank antifeminista com projeção nacional.

No mesmo exato sentido, embora com conteúdo ideológico oposto, não posso deixar de me alegrar com uma notícia americana: a marca de roupas Nordstrom, cujas ações tinham caído vertiginosamente graças ao ataque que o Presidente dos Estados Unidos moveu contra ela no Twitter (sim, este é o nível da figura), não apenas se recuperaram como superaram em muito o patamar anterior. Em outras palavras: seja da direita ou da esquerda, sejam legiões de militantes ou o homem mais poderoso do mundo, o bullying online pode até ladrar bem alto, mas a mordida é fraca. A sanidade ainda tem uma chance.

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