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Cadê o capitão para colocar ordem no circo?

O vazio de propostas do presidente apenas empodera os grupos que se juntaram para garantir sua vitória e as pessoas que o cercam a arregaçar suas mangas

BOLSONARO E BEBIANNO: nos dias que correm nada é indigno ou ridículo demais / REUTERS/Ricardo Moraes
BOLSONARO E BEBIANNO: nos dias que correm nada é indigno ou ridículo demais / REUTERS/Ricardo Moraes
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Joel Pinheiro da Fonseca

Publicado em 14 de fevereiro de 2019 às, 10h10.

Última atualização em 14 de fevereiro de 2019 às, 10h57.

A recuperação de Bolsonaro no hospital durou mais do que o previsto e deixou o país, efetivamente, sem presidente por vários dias. Aguardamos, por exemplo, desde antes de Davos uma definição sobre qual o projeto de reforma da previdência que será encaminhado ao Congresso. Apesar das promessas, estamos até hoje esperando. Com Bolsonaro já de volta a Brasília, a ideia é que isso finalmente caminhe, mas não podemos subestimar a capacidade deste governo de se perder em intrigas em vez de trabalhar.

Paulo Guedes tem excelentes ideias sobre o tipo de mudança que gostaria de ver no país. Se ele conseguirá transformar essas ideias em realidade, em face à oposição que elas encontram dentro e fora do governo, é outra história. O todo-poderoso superministro da economia acaba de perder sua primeira batalha, contra os produtores de leite que queria a extensão do protecionismo federal contra o leite em pó estrangeiro. Quem arbitra esses conflitos é o presidente. Bolsonaro preferiu proteger os interesses dos produtores de leite em vez de beneficiar a população com leite mais barato, contrariando inclusive a promessa de campanha sobre a abertura comercial brasileira.

É um ponto pequeno e, em si mesmo, pouco relevante. Mas o que ele indica sobre conflitos futuros não é positivo. Muitos grupos se aliaram a Bolsonaro para garantir sua vitória e dar-lhe condições de governar: fazendeiros, industriais, pastores. A agenda econômica liberal, por outro lado, propõe mudanças que muitas vezes contrariam os interesses desses grupos, ao mesmo tempo em que os benefícios que ela traz (que em muito superam os custos) são difusos, e portanto não geram grupos organizados em sua defesa. Bolsonaro, por carecer de uma agenda pessoal na área econômica, simplesmente cedeu ao interesse que falou mais alto. Os argumentos de Guedes nada puderam contra a perspectiva de perder apoio de alguns produtores rurais.

O vazio de propostas do presidente apenas empodera os grupos que se juntaram para garantir sua vitória e as pessoas que o cercam a arregaçar suas mangas e garantir para si a maior fatia do bolo do poder que conseguir. A ambição desenfreada e egoísta por poder e espaço – mesmo que isso prejudique o andamento do governo – é o que tem marcado esse início de governo. E em nenhum caso isso é mais escrachado do que com os filhos do presidente.

O escândalo do laranjal do PSL não é responsabilidade direta do clã Bolsonaro – recém-chegados ao partido – mas tem sido a oportunidade perfeita para que os filhos ganhem espaço a ser tirado de Bebianno. A estratégia de Carlos Bolsonaro de desmentir Gustavo Bebianno no Twitter – um vereador do Rio acusando um ministro de Estado de mentiroso, e sendo chancelado pelo presidente – desmoraliza o governo, que fica parecendo desunido e incompetente. Expõe rachaduras que serão exploradas por pessoas de dentro e de fora. Nada disso importa ao príncipe real, Carlos, que viu no episódio uma chance para se vingar de ressentimentos que duram desde a campanha.

Dá para entender por que Bolsonaro gostaria de se livrar de Bebianno. Com os escândalos de laranjas eleitorais do PSL, tê-lo junto de si é aproximar-se, aos olhos da opinião pública, à velha e suja política nacional. É claro que Bolsonaro e família sempre fizeram e ainda fazem parte dela (Fabrício Queiroz que o diga!), mas conseguiram criar uma imagem de que trazem algo diferente. No momento, ainda é relativamente fácil para o presidente descolar sua imagem dos velhos políticos do PSL; ele até conseguirá descolar sua imagem de seu filho Flávio se isso se mostrar necessários.

O ideal seria que Bebianno, compreendendo que sua situação é insustentável, pedisse demissão. Mas nos dias que correm nada é indigno ou ridículo demais: cada um se segura o máximo que pode e que se explodam noções mínimas de honra ou decoro. Bebianno parece que vai manter posição até que Bolsonaro o demita, forçando mais uma briga para o deleite dos espectadores. Nos faz lembrar o ex-presidente da Apex, Alex Carreiro, no distante mês de janeiro, que seguiu despachando mesmo depois de demitido pelo ministro, aguardando a ordem do presidente. Que o governo dê certo é uma prioridade muito secundária para todos ali; o importante é sentar na janelinha.

Em meio a esse circo, a necessidade de um presidente forte se torna crucial. Bolsonaro, contudo, tem até agora se mostrado fraco e vacilante. Vai e volta nas ideias, faz pirraça com a mídia como estratégia para não admitir as próprias oscilações, não é capaz de silenciar seus filhos e nem de demitir prontamente um ministro incapaz; reduz-se a retuitar o que o filho diz. Quando um grupo de pressão organizado se articula, cede imediatamente.

Como ficará a relação dos deputados do PSL (quantos desses estarão comprometidos com o laranjal?) com o governo, ninguém sabe. Alexandre Frota, deputado bem votado de SP, quer que todos “se f***”. A julgar pelas ações, não é só ele que pensa assim. O governo Bolsonaro, apesar de ultra-polarizador, dá seus primeiros passos desimpedido: não se vê nem sombra de uma oposição. Na falta de um verdadeiro líder, no entanto, nem assim o governo conseguirá andar para frente.