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Bloqueio do WhatsApp: a crônica de um país chamado Brasil

Da primeira vez que o Whatsapp foi bloqueado, a revolta nas redes e nas conversas foi geral. Como é possível a decisão de um juiz prejudicar milhões de pessoas dessa maneira? A crítica era válida. Não é novidade para ninguém que a lei brasileira tem um problema de se adaptar à internet e ao mundo […]

WHATSAPP: qual a diferença ente um juiz do interior que bloqueio o aplicativo e um grupo de 200 pessoas que bloqueia uma cidade? / Justin Sullivan/Getty Images
DR

Da Redação

Publicado em 5 de maio de 2016 às 11h13.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h20.

Da primeira vez que o Whatsapp foi bloqueado, a revolta nas redes e nas conversas foi geral. Como é possível a decisão de um juiz prejudicar milhões de pessoas dessa maneira? A crítica era válida.

Não é novidade para ninguém que a lei brasileira tem um problema de se adaptar à internet e ao mundo moderno de maneira geral. Somos o campeão mundial em censuras do Google – quando artistas ou, o que é mais comum, políticos, exigem retirada de material que julgam ofensivo a sua imagem –, e agora estamos na vanguarda do bloqueio de aplicativos de mensagens.

O que se exige do WhatsApp é impossível. Seria o mesmo que exigir dos Correios que violassem e copiassem todas as correspondências do país para entregar o conteúdo de qualquer uma delas à Justiça quando lhe fosse exigido. Para piorar as coisas, além de o Whatsapp não salvar o conteúdo das mensagens que passam por ele, mesmo se salvasse seria inútil: são todas criptografadas e decodificadas apenas no receptor final; inacessíveis, portanto, inclusive à empresa.

Para os magistrados brasileiros, isso parece não importar. A realidade é apenas um inconveniente no único objetivo que importa: fazer valer a legislação. Faça-se a justiça, ainda que pereça o mundo. Lembrando que, no nosso caso, a lei nem sempre é justa.

Da segunda vez que bloquearam o WhatsApp, que ocorreu entre segunda e terça desta semana, a revolta, já mais branda, conviveu com o humor. Não é melhor mesmo passar um tempo desconectado, redescobrindo a vida fora do smartphone? Pairava no ar aquela antiga virtude que dá o tom da vida brasileira em relação aos desmandos do poder: a resignação.

Alguns baixam aplicativos concorrentes, outros apenas esperam o bloqueio acabar. E a vida segue. Não é, afinal, nenhum fim de mundo ficar uns dias sem mandar mensagem. A humanidade viveu por milênios sem aplicativos. Assim como viveu milênios sem eletricidade, água encanada e transporte público, outros serviços que, rotineiramente, também passamos sem.

Não há, no fim das contas, nada a ser feito contra as forças da natureza. A lei da gravidade, as enchentes, as secas, o Judiciário; todas forças alheias aos anseios humanos. Já vislumbro um novo cotidiano brasileiro: a cada dois ou três meses, uma nova decisão judicial bloqueia o WhatsApp por alguns dias. Será como tantos outros inconvenientes da vida moderna brasileira: falta de luz, racionamento de água, queda da internet, greve do transporte, trânsito inesperado.

Há algum paralelo entre um juiz de cidade pequena que interrompe a comunicação do maior canal de mensagens do país com uma manifestação de duzentos militantes que fecha as maiores avenidas de uma cidade, interrompendo o fluxo de milhões de trabalhadores. E se em abstrato parecem absurdos, a força do hábito logo faz deles a coisa mais banal do mundo.

Viram perdas de tempo irritantes, mas que não chegam a ser catastróficas. O que é uma hora a mais perdida no trânsito? O que é esperar um diazinho a mais para mandar aquela mensagem ou fechar um orçamento?

E, de grão em grão, as ineficiências do sistema vão somando um peso considerável, ainda que despercebido. Não há nada concreto que foi perdido; ninguém morreu, nenhuma empresa faliu em decorrência direto de algum desses eventos. É só nossa vida ficando mais curta. Minutos, horas, dias e anos que cedemos de graça a instituições que têm enorme poder sobre nós e que – cada vez mais claramente – não representam nossos interesses.

O impeachment de qualquer político hoje em atuação não provoca o desgosto – na esquerda ou na direita – de um dia sem um aplicativo de celular. Sinal de que o Estado, tecnologia milenar de solucionar problemas sociais, precisa urgente de atualizações.

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Da primeira vez que o Whatsapp foi bloqueado, a revolta nas redes e nas conversas foi geral. Como é possível a decisão de um juiz prejudicar milhões de pessoas dessa maneira? A crítica era válida.

Não é novidade para ninguém que a lei brasileira tem um problema de se adaptar à internet e ao mundo moderno de maneira geral. Somos o campeão mundial em censuras do Google – quando artistas ou, o que é mais comum, políticos, exigem retirada de material que julgam ofensivo a sua imagem –, e agora estamos na vanguarda do bloqueio de aplicativos de mensagens.

O que se exige do WhatsApp é impossível. Seria o mesmo que exigir dos Correios que violassem e copiassem todas as correspondências do país para entregar o conteúdo de qualquer uma delas à Justiça quando lhe fosse exigido. Para piorar as coisas, além de o Whatsapp não salvar o conteúdo das mensagens que passam por ele, mesmo se salvasse seria inútil: são todas criptografadas e decodificadas apenas no receptor final; inacessíveis, portanto, inclusive à empresa.

Para os magistrados brasileiros, isso parece não importar. A realidade é apenas um inconveniente no único objetivo que importa: fazer valer a legislação. Faça-se a justiça, ainda que pereça o mundo. Lembrando que, no nosso caso, a lei nem sempre é justa.

Da segunda vez que bloquearam o WhatsApp, que ocorreu entre segunda e terça desta semana, a revolta, já mais branda, conviveu com o humor. Não é melhor mesmo passar um tempo desconectado, redescobrindo a vida fora do smartphone? Pairava no ar aquela antiga virtude que dá o tom da vida brasileira em relação aos desmandos do poder: a resignação.

Alguns baixam aplicativos concorrentes, outros apenas esperam o bloqueio acabar. E a vida segue. Não é, afinal, nenhum fim de mundo ficar uns dias sem mandar mensagem. A humanidade viveu por milênios sem aplicativos. Assim como viveu milênios sem eletricidade, água encanada e transporte público, outros serviços que, rotineiramente, também passamos sem.

Não há, no fim das contas, nada a ser feito contra as forças da natureza. A lei da gravidade, as enchentes, as secas, o Judiciário; todas forças alheias aos anseios humanos. Já vislumbro um novo cotidiano brasileiro: a cada dois ou três meses, uma nova decisão judicial bloqueia o WhatsApp por alguns dias. Será como tantos outros inconvenientes da vida moderna brasileira: falta de luz, racionamento de água, queda da internet, greve do transporte, trânsito inesperado.

Há algum paralelo entre um juiz de cidade pequena que interrompe a comunicação do maior canal de mensagens do país com uma manifestação de duzentos militantes que fecha as maiores avenidas de uma cidade, interrompendo o fluxo de milhões de trabalhadores. E se em abstrato parecem absurdos, a força do hábito logo faz deles a coisa mais banal do mundo.

Viram perdas de tempo irritantes, mas que não chegam a ser catastróficas. O que é uma hora a mais perdida no trânsito? O que é esperar um diazinho a mais para mandar aquela mensagem ou fechar um orçamento?

E, de grão em grão, as ineficiências do sistema vão somando um peso considerável, ainda que despercebido. Não há nada concreto que foi perdido; ninguém morreu, nenhuma empresa faliu em decorrência direto de algum desses eventos. É só nossa vida ficando mais curta. Minutos, horas, dias e anos que cedemos de graça a instituições que têm enorme poder sobre nós e que – cada vez mais claramente – não representam nossos interesses.

O impeachment de qualquer político hoje em atuação não provoca o desgosto – na esquerda ou na direita – de um dia sem um aplicativo de celular. Sinal de que o Estado, tecnologia milenar de solucionar problemas sociais, precisa urgente de atualizações.

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