Armas, EUA e Brasil
O massacre de Las Vegas ocorrido no último domingo, embora o mais mortal da história dos EUA, vem apenas se somar a tantos outros – centenas, na verdade – que ocorreram só este ano. Podemos falar já desse tipo de crime como um traço da cultura americana. Mudá-lo, certamente, estará no melhor interesse de todos […]
Da Redação
Publicado em 6 de outubro de 2017 às 11h25.
O massacre de Las Vegas ocorrido no último domingo, embora o mais mortal da história dos EUA, vem apenas se somar a tantos outros – centenas, na verdade – que ocorreram só este ano. Podemos falar já desse tipo de crime como um traço da cultura americana. Mudá-lo, certamente, estará no melhor interesse de todos os cidadãos, mas uma coisa é certa: não veremos uma discussão acerca do controle de armas.
A possibilidade do cidadão ter e carregar armas é, hoje em dia, um artigo de fé americano, baseado numa interpretação bastante particular da segunda emenda da Constituição (que, no entanto, já foi outrora interpretada de maneira bem mais branda, permitindo muito mais restrições à venda e porte de armas).
Uma mudança marginal pode vir: a venda de armas automáticas (que disparam muitas vezes com uma só pressionada no gatilho) já é proibida desde 1986. Só podem circular legalmente armas automáticas fabricadas antes de 86, o que não chega a 500 mil, tornando-as proibitivamente caras, além da dificuldade e demora na compra. Existem, contudo, apetrechos que, na prática, transformam uma semi-automática em automática. É o “bump-stock”, justamente o que o atirador Stephen Paddock parece ter usado. É possível que ele seja proibido. O que não mudará muita coisa.
No Brasil, ao contrário, um massacre como esses serve para que nossos formadores de opinião e mídia em peso reforcem ainda mais seus posicionamentos contra as armas e pelo desarmamento compulsório da população. É uma reação exagerada e alienante, que busca alarmar e não discutir. Mais um de tantos casos nos quais a opinião “esclarecida” da elite cultural europeia está em franca oposição à opinião pública brasileira.
Não há problema nenhum em pensar diferente da maioria. Quem dera essa diferença viesse de um real esforço pessoal, e não da mera imitação de outros modelos… Seja como for, ao se adotar essa posição e querer que ela seja determinante na tomada de decisão pública, é preciso estabelecer algum tipo de diálogo e abertura.
Simplesmente não temos o conhecimento para afirmar o que aconteceria caso as armas no Brasil fossem liberadas (hoje em dia a compra e posse é possível por uma gambiarra jurídica – a ficção do “clube de tiro” – mas feita pelas vias formais é incerta) e o porte permitido.
Meu instinto me diz que liberar o porte para o cidadão comum andar armado na rua vai dar muito problema. Não duvido que o crime profissional possa diminuir, pois se tornará mais arriscado assaltar. Crimes passionais, acidentes e suicídios, contudo, provavelmente subirão. São apostas, simplesmente não sabemos. E por isso mesmo, visando saber, seria muito positivo se o Brasil fosse capaz de testar essa hipótese: permitindo o porte em algum município ou estado por alguns anos, registrando os resultados.
A situação atual, no qual o porte é proibido e a venda mais ou menos permitida, é também um experimento em larga escala. Não temos como dizer que esta é a melhor solução. Talvez o melhor seja proibir armas de uma vez; talvez seja não só liberá-las como liberar também o porte. Testar outras leis de forma localizada nos daria mais informação.
Este teste poderia vir de um Estado central que adotasse uma postura científica (algo que talvez não seja tão fácil de vender à população…) como também de um país mais federalizado, com mais autonomia para estados e municípios. Por que forçar Rio Grande do Sul e Piauí a seguirem as mesmas regras? Que cada estado pense, vote e implemente sua própria política de armas, e que os resultados sejam comparados ao longo do tempo. Pode ser que uma solução se imponha como claramente superior, pode ser que diferentes soluções funcionem melhor em diferentes contextos, e pode ser, frente aos mesmos resultados, diferentes populações tomem escolhas diferentes.
A questão das armas é séria e simplesmente não chegaremos a um consenso no campo da teoria, não importa o quanto nossas classes falantes batam o pé no chão. Seria melhor assumir nossa ignorância e abrir-se à descoberta.
O massacre de Las Vegas ocorrido no último domingo, embora o mais mortal da história dos EUA, vem apenas se somar a tantos outros – centenas, na verdade – que ocorreram só este ano. Podemos falar já desse tipo de crime como um traço da cultura americana. Mudá-lo, certamente, estará no melhor interesse de todos os cidadãos, mas uma coisa é certa: não veremos uma discussão acerca do controle de armas.
A possibilidade do cidadão ter e carregar armas é, hoje em dia, um artigo de fé americano, baseado numa interpretação bastante particular da segunda emenda da Constituição (que, no entanto, já foi outrora interpretada de maneira bem mais branda, permitindo muito mais restrições à venda e porte de armas).
Uma mudança marginal pode vir: a venda de armas automáticas (que disparam muitas vezes com uma só pressionada no gatilho) já é proibida desde 1986. Só podem circular legalmente armas automáticas fabricadas antes de 86, o que não chega a 500 mil, tornando-as proibitivamente caras, além da dificuldade e demora na compra. Existem, contudo, apetrechos que, na prática, transformam uma semi-automática em automática. É o “bump-stock”, justamente o que o atirador Stephen Paddock parece ter usado. É possível que ele seja proibido. O que não mudará muita coisa.
No Brasil, ao contrário, um massacre como esses serve para que nossos formadores de opinião e mídia em peso reforcem ainda mais seus posicionamentos contra as armas e pelo desarmamento compulsório da população. É uma reação exagerada e alienante, que busca alarmar e não discutir. Mais um de tantos casos nos quais a opinião “esclarecida” da elite cultural europeia está em franca oposição à opinião pública brasileira.
Não há problema nenhum em pensar diferente da maioria. Quem dera essa diferença viesse de um real esforço pessoal, e não da mera imitação de outros modelos… Seja como for, ao se adotar essa posição e querer que ela seja determinante na tomada de decisão pública, é preciso estabelecer algum tipo de diálogo e abertura.
Simplesmente não temos o conhecimento para afirmar o que aconteceria caso as armas no Brasil fossem liberadas (hoje em dia a compra e posse é possível por uma gambiarra jurídica – a ficção do “clube de tiro” – mas feita pelas vias formais é incerta) e o porte permitido.
Meu instinto me diz que liberar o porte para o cidadão comum andar armado na rua vai dar muito problema. Não duvido que o crime profissional possa diminuir, pois se tornará mais arriscado assaltar. Crimes passionais, acidentes e suicídios, contudo, provavelmente subirão. São apostas, simplesmente não sabemos. E por isso mesmo, visando saber, seria muito positivo se o Brasil fosse capaz de testar essa hipótese: permitindo o porte em algum município ou estado por alguns anos, registrando os resultados.
A situação atual, no qual o porte é proibido e a venda mais ou menos permitida, é também um experimento em larga escala. Não temos como dizer que esta é a melhor solução. Talvez o melhor seja proibir armas de uma vez; talvez seja não só liberá-las como liberar também o porte. Testar outras leis de forma localizada nos daria mais informação.
Este teste poderia vir de um Estado central que adotasse uma postura científica (algo que talvez não seja tão fácil de vender à população…) como também de um país mais federalizado, com mais autonomia para estados e municípios. Por que forçar Rio Grande do Sul e Piauí a seguirem as mesmas regras? Que cada estado pense, vote e implemente sua própria política de armas, e que os resultados sejam comparados ao longo do tempo. Pode ser que uma solução se imponha como claramente superior, pode ser que diferentes soluções funcionem melhor em diferentes contextos, e pode ser, frente aos mesmos resultados, diferentes populações tomem escolhas diferentes.
A questão das armas é séria e simplesmente não chegaremos a um consenso no campo da teoria, não importa o quanto nossas classes falantes batam o pé no chão. Seria melhor assumir nossa ignorância e abrir-se à descoberta.