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Após rompimentos eleitorais, é hora de reconstruir pontes

Ninguém está orgulhoso; quase todos querem voltar às relações tais como eram antes da campanha entre Bolsonaro e Haddad. Se possível, a tempo para o Natal

ELEITOR DE BOLSONARO COM CAIXÃO DO PT: até que possamos fazer um juízo mais completo do novo governo, a prioridade é refazer os laços que foram danificados / REUTERS/Nacho Doce
DR

Da Redação

Publicado em 2 de novembro de 2018 às 07h17.

Última atualização em 3 de novembro de 2018 às 22h32.

Independentemente do candidato favorito de cada um, e da felicidade ou tristeza com a vitória de Bolsonaro no segundo turno, a maior parte da população brasileira sentiu uma boa dose de alívio com o fim das eleições. Finalmente, depois de meses de discussões acaloradas, rompimentos sofridos e barracos nos grupos de família, poderemos voltar à convivência normal. Isto é, às relações humanas nas quais a preferência política de cada um não é o critério determinante.

Uma das grandes virtudes do brasileiro é justamente não deixar – ou não ter, até agora, deixado – que a identidade política seja preponderante sobre as demais. Nisso, somos diferentes de grande parte da América espanhola, na qual as divisões políticas calam fundo e causam separações e ressentimentos irremediáveis. Também diferimos dos EUA, onde a divisão chegou a tal ponto que o eleitor de um partido muitas vezes nem sequer tem em seu círculo social e familiar um eleitor do partido rival.

Nossa história fez de nós um povo intensamente individualista, no qual identidades coletivas ficam em segundo plano. Isso vale para a política, mas também para a religião, a raça e outras manifestações do espírito tribal. Temos fanatismo, temos preconceito, temos racismo; mas os laços pessoais constroem pontes que, por vezes, os superam. Na religião, a tolerância e o sincretismo; nas raças, a miscigenação.

Damos vazão aos interesses individuais sobre o coletivo – os desejos, os relacionamentos, os laços de afeto e de sangue -, com tudo de bom e de ruim que isso implica. E não estou falando do indivíduo teorizado pela ciência econômica clássica, o Homo economicus, tomador racional de decisões visando maximizar a utilidade. O individualismo brasileiro opera na esfera dos sentimentos, é um individualismo… cordial, para usar o termo tão desgastado de Sergio Buarque de Holanda; ou seja, que vem do coração.

Amamos e odiamos no plano individual. Nossos inimigos não são aqueles que pertencem a um coletivo abstrato diferente do nosso, mas aqueles que prejudicam nossos planos individuais ou os de nossos parentes e amigos. Todos os líderes ganham nossa adesão apenas na medida em que nos trazem os bons sentimentos da vitória; temos muita relutância em matar (e ainda mais morrer) por qualquer projeto de poder que não seja o nosso próprio.

Dito isso, demos um passo além do nosso normal. Bolsonaro e o PT conseguiram dividir o Brasil de uma maneira que há muito não se sentia. As brigas deixaram ressentimentos e destruíram pontes. Perfis foram bloqueados, grupos de WhatsApp foram abandonados, conversas ficaram frias e embaraçosas. A maior força de nosso espírito, contudo, está em que, depois de passado o pleito, isso tudo deixou um gosto ruim. Ninguém está orgulhoso; quase todos querem voltar às relações tais como eram antes. Se possível, a tempo para o Natal.

À extrema direita e à extrema esquerda, a campanha não acabou. Nem acabará. Continuarão fazendo militância e protestando, procurando ocasiões para acusar, culpar e brigar. Cada palavra de Bolsonaro será objeto de intensa polêmica – e ele sabe e se utiliza disso. Será promovendo a polarização com a esquerda radical que ele se manterá popular. Para o grosso da sociedade, contudo, está na hora de parar com a gritaria. O presidente foi escolhido e, mesmo que ele seja um desastre, será preciso deixá-lo governar e dar-lhe uma chance de mostrar, com ações, seu projeto para o país. Até que possamos fazer um juízo mais completo, a prioridade é refazer os laços que foram danificados. Afinal, nosso coração vem antes da política.

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Independentemente do candidato favorito de cada um, e da felicidade ou tristeza com a vitória de Bolsonaro no segundo turno, a maior parte da população brasileira sentiu uma boa dose de alívio com o fim das eleições. Finalmente, depois de meses de discussões acaloradas, rompimentos sofridos e barracos nos grupos de família, poderemos voltar à convivência normal. Isto é, às relações humanas nas quais a preferência política de cada um não é o critério determinante.

Uma das grandes virtudes do brasileiro é justamente não deixar – ou não ter, até agora, deixado – que a identidade política seja preponderante sobre as demais. Nisso, somos diferentes de grande parte da América espanhola, na qual as divisões políticas calam fundo e causam separações e ressentimentos irremediáveis. Também diferimos dos EUA, onde a divisão chegou a tal ponto que o eleitor de um partido muitas vezes nem sequer tem em seu círculo social e familiar um eleitor do partido rival.

Nossa história fez de nós um povo intensamente individualista, no qual identidades coletivas ficam em segundo plano. Isso vale para a política, mas também para a religião, a raça e outras manifestações do espírito tribal. Temos fanatismo, temos preconceito, temos racismo; mas os laços pessoais constroem pontes que, por vezes, os superam. Na religião, a tolerância e o sincretismo; nas raças, a miscigenação.

Damos vazão aos interesses individuais sobre o coletivo – os desejos, os relacionamentos, os laços de afeto e de sangue -, com tudo de bom e de ruim que isso implica. E não estou falando do indivíduo teorizado pela ciência econômica clássica, o Homo economicus, tomador racional de decisões visando maximizar a utilidade. O individualismo brasileiro opera na esfera dos sentimentos, é um individualismo… cordial, para usar o termo tão desgastado de Sergio Buarque de Holanda; ou seja, que vem do coração.

Amamos e odiamos no plano individual. Nossos inimigos não são aqueles que pertencem a um coletivo abstrato diferente do nosso, mas aqueles que prejudicam nossos planos individuais ou os de nossos parentes e amigos. Todos os líderes ganham nossa adesão apenas na medida em que nos trazem os bons sentimentos da vitória; temos muita relutância em matar (e ainda mais morrer) por qualquer projeto de poder que não seja o nosso próprio.

Dito isso, demos um passo além do nosso normal. Bolsonaro e o PT conseguiram dividir o Brasil de uma maneira que há muito não se sentia. As brigas deixaram ressentimentos e destruíram pontes. Perfis foram bloqueados, grupos de WhatsApp foram abandonados, conversas ficaram frias e embaraçosas. A maior força de nosso espírito, contudo, está em que, depois de passado o pleito, isso tudo deixou um gosto ruim. Ninguém está orgulhoso; quase todos querem voltar às relações tais como eram antes. Se possível, a tempo para o Natal.

À extrema direita e à extrema esquerda, a campanha não acabou. Nem acabará. Continuarão fazendo militância e protestando, procurando ocasiões para acusar, culpar e brigar. Cada palavra de Bolsonaro será objeto de intensa polêmica – e ele sabe e se utiliza disso. Será promovendo a polarização com a esquerda radical que ele se manterá popular. Para o grosso da sociedade, contudo, está na hora de parar com a gritaria. O presidente foi escolhido e, mesmo que ele seja um desastre, será preciso deixá-lo governar e dar-lhe uma chance de mostrar, com ações, seu projeto para o país. Até que possamos fazer um juízo mais completo, a prioridade é refazer os laços que foram danificados. Afinal, nosso coração vem antes da política.

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