Exame.com
Continua após a publicidade

A tragédia real sob a tragédia inventada

Usar uma tragédia como pretexto para avançar uma agenda qualquer, muitas vezes alterando ou inventando fatos, é algo a ser louvado, imitado? Pois a prática é o “novo normal” da nossa sociedade. Justiça, imparcialidade e verdade são valores descartáveis perto de defender uma causa que se julgue boa. Foi o que aconteceu na recente tragédia […]

HABIB’S NO IMPEACHMENT: o real crime do Habib’s foi outro: foi ter apoiado explicitamente o impeachment de Dilma Rousseff na época das marchas contra ela / Rovena Rosa/Agência Brasil
HABIB’S NO IMPEACHMENT: o real crime do Habib’s foi outro: foi ter apoiado explicitamente o impeachment de Dilma Rousseff na época das marchas contra ela / Rovena Rosa/Agência Brasil
J
Joel Pinheiro da Fonseca

Publicado em 9 de março de 2017 às, 19h01.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h24.

Usar uma tragédia como pretexto para avançar uma agenda qualquer, muitas vezes alterando ou inventando fatos, é algo a ser louvado, imitado? Pois a prática é o “novo normal” da nossa sociedade. Justiça, imparcialidade e verdade são valores descartáveis perto de defender uma causa que se julgue boa.

Foi o que aconteceu na recente tragédia em um Habib’s de São Paulo, em que morreu o adolescente João Victor, de 13 anos. Em circunstâncias que ainda não foram totalmente esclarecidas, o jovem – que pedia dinheiro na porta – foi abordado por um gerente e um supervisor, que talvez o tenham agredido, e morreu.

O veredito das redes foi instantâneo: João Victor foi assassinado pelo Habib’s por ser negro. O boicote à empresa e protestos insistentes eram a única solução possível contra essa barbaridade.

Crime no Brasil agora é assim. Se a vítima for mulher, foi feminicídio causado por misoginia. Se for gay ou transexual, é homotransfobia. E se for negra, é racismo. Sem qualquer necessidade de coletar um indício que seja de que essa tenha sido de fato a motivação do criminoso. Negar que uma dada morte violenta de uma pessoa negra tenha sido motivada pelo racismo, ademais, te coloca – no discurso padrão – perigosamente próximo da defesa do racismo.

Ocorre que João Victor não era, em nenhum sentido relevante do termo, negro. As fotos que circulam dele mostram claramente um menino mestiço com traços mais de branco do que de negro. Quanto aos funcionários, pelo que se pode depreender das imagens da câmera de segurança, um deles é de fato negro.

E tem mais. Segundo o laudo do IML, a causa da morte de João Victor não foi nenhuma agressão: foi o lança-perfume e a cocaína em seu sangue, que teriam provocado uma parada cardíaca. Isso não exclui que um dos funcionários o tenha dado um soco na cabeça – ou um “croc”, segundo um funcionário não identificado -, conforme acusa uma testemunha. Contudo, elimina a hipótese de assassinato. A agressão – que se ocorreu, foi sim criminosa – não seria o bastante para matá-lo e não o matou.

A realidade que emerge das câmeras e do laudo bem diferente da narrativa militante. Na narrativa da militância, um jovem negro que brincava e tentava ganhar algum dinheiro para sua família pedindo esmolas teria sido brutalmente assassinado por seguranças racistas a serviço de uma empresa que despreza a vida humana. Pela melhor informação que temos até agora, a história foi outra: um jovem pesadamente drogado estava assediando clientes com um pedaço de pau, foi perseguido por funcionários e morreu em decorrência da droga. Essa história é tão trágica quanto a versão fantasiosa, mas não serve aos fins da militância profissional ou amadora que consegue cada dia mais adeptos.

E cabe a pergunta: porque essa revolta toda contra o Habib’s? Mesmo na pior das hipóteses, a morte teria sido fruto da decisão unilateral de um funcionário. Não daria nem sequer para atribuí-la àquela franquia; quanto menos atribuí-la à rede como um todo, ainda mais considerando que ela está cooperando com as investigações!

O real crime do Habib’s foi outro: foi ter apoiado explicitamente o impeachment de Dilma Rousseff na época das marchas contra ela. É por isso que figuras inglórias do petismo como Lindbergh Farias e Paulo Teixeira levantaram a campanha contra a empresa (inclusive mencionando o fato em suas publicações nas redes). Também é por isso que o advogado Ariel de Castro Alves – que defende causas de esquerda e já assinou manifesto pró-Dilma – decidiu assessorar a família do menino.

Família da qual poucos falam. Porque a maior tragédia nessa história é justamente um adolescente mal saído da infância estar metido com drogas. Não se trata de culpar alguém, porque a vida desses pais decerto também não é fácil, mas de apontar a real origem do problema: não uma empresa maléfica ou um ódio racial generalizado, e sim a falta de oportunidades acoplada a total destruição de parâmetros para a infância em nossa cultura. Causas complexas que passam longe do afã mal-direcionado (e não raro mal-intencionado) das militâncias que guiam nossa discussão pública.

joel-ficha33.jpg