A quem interessa a polarização?
“A casa grande surta quando a senzala vira médica”. Não foi um blogueiro pago para incitar as redes, não foi um militante radicalizado pela bolha cognitiva dos diretórios estudantis; quem segurava essa placa posando para foto ao lado de uma médica negra foi ninguém menos que nossa presidente Dilma Rousseff em evento no Palácio do […]
Publicado em 14 de abril de 2016 às, 13h08.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h39.
“A casa grande surta quando a senzala vira médica”. Não foi um blogueiro pago para incitar as redes, não foi um militante radicalizado pela bolha cognitiva dos diretórios estudantis; quem segurava essa placa posando para foto ao lado de uma médica negra foi ninguém menos que nossa presidente Dilma Rousseff em evento no Palácio do Planalto no dia 12 de abril, em um evento cuja finalidade era “dizer ‘Não’ ao golpe”.
É um lugar-comum reconhecer a polarização atual dos discursos. Entre ‘petralhas’ e ‘coxinhas’, todo mundo está rotulado e fala cada vez mais apenas para os seus. Ninguém se entende – ninguém nem sequer busca ouvir o outro – e todos se odeiam. Claro que quem não participa dessa guerra recebe também sua pecha: os ‘isentões’. Sempre a lamentar tão profundamente o clima fratricida, poucos desses epígonos do equilíbrio atentam para um fato gritante: um dos principais fomentadores da polarização na política nacional foi o próprio Partido dos Trabalhadores e seus representantes máximos.
Para Dilma, a fraude fiscal, a pior recessão da história do Brasil e os maiores esquemas de corrupção já registrados não são bons motivos para a indignação popular. Quem é contra seu governo no fundo nutre ódio aos negros, aos pobres e a às muitas minorias oprimidas, cujos movimentos organizados estão todos devidamente cooptados para servir aos desígnios do projeto de poder em vigor.
Passamos seis anos ouvindo que a oposição odiava o Brasil, que queria proteger privilégios escusos, que sob a capa moralista escondia interesses inconfessáveis. Ao mesmo tempo, o governo insuflava sempre que podia o ódio social e racial como maneira preferencial de justificar suas políticas. O terrorismo político nos fez perder dois ciclos eleitorais sem discutir nenhuma mudança substancial para o Brasil. O medo do bicho-papão neoliberal matou no berço qualquer debate mais sério sobre educação, saneamento básico, investimento e reformas estruturais. No final das contas, os “pessimildos” estavam certos e agora nos vemos neste buraco sem perspectiva de saída.
Quanto mais estridente e acusatório o moralismo, mais culpado é quem o invoca. O governo Dilma está apostando suas últimas fichas no acirramento das tensões sociais para mobilizar os movimentos que sempre lhe deram suporte. O Palácio do Planalto foi transformado em máquina de guerra ideológica do PT. Felizmente, cada vez menos gente cai nessa história. Um governo que levará a taxa de desemprego para além dos 10% e que promove a queda de milhões de famílias da classe C para a classe D – ao mesmo tempo em que enriqueceu empreiteiras bilionárias – não governa, em hipótese alguma, para os pobres.
O ar da discussão política brasileira está viciado. Precisamos respirar e discutir com mais serenidade os rumos do país em um momento difícil como este. Sem paixões ideológicas e sem ódio. Reconhecer que discordâncias sinceras são possíveis – que seu adversário político também quer o bem da sociedade, ainda que veja as coisas de maneira diferente – é um pré-requisito da democracia. E o primeiro passo para recuperar o espírito democrático é o governo reconhecer que sua oposição não é perversa, racista ou escravocrata; há muitos e bons motivos para se estar indignado.
O rebaixamento da discussão política e o fim de todo real debate de ideias podem não ser crimes. Mas são, sem dúvida, um dos piores legados da era Dilma. Caberá a nós reconstruir não só a economia, mas também o diálogo e o sentido de união nacional nos destroços deste governo que se encaminha a seu inglório fim.