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A não-polêmica da mãe policial

Quem tem superioridade moral para “julgar” casos como esse?

KATIA SASTRE: policial recebeu flores do governador de São Paulo, Marcio França, após polêmica  / Gilberto Marques | Divulgação
KATIA SASTRE: policial recebeu flores do governador de São Paulo, Marcio França, após polêmica / Gilberto Marques | Divulgação
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Joel Pinheiro da Fonseca

Publicado em 17 de maio de 2018 às, 13h01.

Uma mãe, que ainda por cima é policial, defendendo sua filha e mais outras mães e crianças na porta de uma escola contra um criminoso armado é o tipo de cena que, em qualquer lugar do mundo, é tomada por exemplo de heroísmo; algo a ser admirado e imitado.

Para a imensa maioria da população brasileira, vale o mesmo. É por isso que a policial Katia da Silva Sastre recebeu inclusive uma homenagem das mãos do governador de SP Márcio França. Para muitas pessoas que vivem o medo da insegurança no dia a dia, ver que uma mãe conseguiu proteger sua filha e matar o criminoso traz alegria e paz.

Para uma pequena parcela de uma esquerda altamente intelectualizada, contudo, a história é outra. Katia Sastre é uma privilegiada, enquanto o ladrão era uma vítima da sociedade, tentando se virar como podia. Dado que o ladrão era negro, celebrar sua morte seria uma mostra de racismo da população. Além do determinismo ofensivo para qualquer pessoa que tenha nascido também na pobreza mas que não entrou para o crime, esse tipo de discurso mostra o abismo que existe entre muitos daqueles que julgam falar pelo povo e o próprio povo.

A ação de Katia Sastre pode ser avaliada de um ponto vista ético e de um ponto de vista técnico.

Do ponto de vista ético, o caso parece bem claro: se um indivíduo ameaça outras pessoas com força letal, ele mostra estar disposto a tirar a vida delas. Sendo assim, é completamente justo responder a essa agressão com uma força também letal, caso seja necessária para tirá-lo de ação. Ademais, responder dessa maneira a um ladrão armado exige coragem e habilidade, duas virtudes que Sastre demonstrou.

Ela demonstrou, ainda, perfeito autocontrole: assim que ele não apresentava mais perigo, Sastre não mais o alvejou. Se tivesse lhe dado um tiro na cabeça depois que estivesse já no chão, teria cometido um assassinato. O ato poderia até ser compreensível se pensarmos que ela reagia a alguém que ameaçara a vida de sua filha, mas seria, ainda assim, injustificável. Felizmente, não foi o que aconteceu: o criminoso morreu como decorrência de um uso de força letal necessário para neutralizá-lo. Ir além disso e exigir dela que mirasse em alguma parte não vital do corpo seria um contrassenso: se o objetivo ali é proteger as vítimas de um criminoso violento, qualquer providência que torne a reação mais lenta e mais incerta seria sacrificar o bem-estar das vítimas em nome do bem-estar do criminoso.

Do ponto de vista técnico, podemos investigar se é, via de regra, uma boa política para policiais de folga usarem suas armas para combater criminosos. Se essa atitude tende, em média, a proteger vidas inocentes ou a colocá-las em um risco ainda maior. Seja qual for a conclusão, é evidente que se tratará de um resultado médio, e que muitos casos particulares podem escapar a essa regra. No caso em questão, a ação de Katia Sastre levou ao fim do perigo representado pelo criminoso.

Por fim, do lado da população, de todos nós que assistimos ao fato: é antiético celebrar a morte de um criminoso? O primeiro ponto que precisa ser notado aqui é que, para grande parte da população – de todas as classes sociais – essa pergunta é irrelevante: saber que alguém que potencialmente ameaçava a sua vida e a de seus parentes morreu trará alívio e alegria.

Mas levando a sério essa intimação ética – que, afinal, apela a uma empatia fundamental para com todos os homens, que tem origem cristã mas que se secularizou e forma ainda uma base moral de nossa sociedade e inclusive da esquerda de maneira geral – podemos distinguir duas coisas diferentes: uma é o ódio por um indivíduo enquanto tal, que se alegra com a morte dele pelo prazer de vê-lo destruído. Isso é difícil de conciliar com o valor de um amor ou empatia universal. Outra coisa é a alegria de saber que um perigo foi tirado da sociedade, e isso é compatível com a empatia universal. É possível lamentar o fato do sujeito ter seguido pelo caminho do crime e ter tido um fim trágico e celebrar o fato de ele não mais apresentar um perigo às demais pessoas.

A mesma população que vê uma jovem de 17 anos ser morta com um tiro na cabeça por um ladrão porque demorou demais para desbloquear seu celular, sente um profundo senso de justiça e alívio ao constatar que, em ao menos um caso, quem levou a melhor foram os cidadãos inocentes.

Também reparam que os que se dizem defensores de direitos humanos aparecem na hora de criticar a mãe que matou um criminoso (não raro imputando motivações obviamente falsas como racismo a quem celebrou o ocorrido) e não dizem absolutamente nada sobre um assassinato cruel por um motivo fútil como o roubo de um celular. É de se espantar, portanto, que – segundo a pesquisa Pulso Brasil – 66% da população ache que “direitos humanos defendem mais os bandidos”? E se essa percepção estiver justificada dada a conduta e o discurso dos que se dizem defensores dos direitos humanos, quem é que tem a superioridade moral neste caso?