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A inércia venezuelana

É cedo decretar o fim da esperança democrática na Venezuela, mas parece cada vez mais segura, contudo, a conclusão de que Juan Guaidó falhou

JUAN GUAIDÓ EM PROTESTO NO DIA DO TRABALHO: autoproclamado presidente da Venezuela não obteve apoio suficiente dos militares  (Carlos Garcia Rawlins/Reuters)
JUAN GUAIDÓ EM PROTESTO NO DIA DO TRABALHO: autoproclamado presidente da Venezuela não obteve apoio suficiente dos militares (Carlos Garcia Rawlins/Reuters)
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Joel Pinheiro da Fonseca

Publicado em 2 de maio de 2019 às, 11h08.

Gostamos de acreditar que a ditadura é um estado de exceção passageiro, um intervalo rápido que logo dá lugar à democracia. Se a Venezuela está vivendo uma ditadura – e está – então logo logo os movimentos democráticos levarão a melhor. Infelizmente, não há nenhuma lei da história que exija que seja assim. Regimes ditatoriais podem durar décadas e décadas a fio, e movimentos pró-democracia podem falhar e ver suas aspirações enterradas.

Acho que é cedo decretar o fim da esperança democrática na Venezuela. Parece cada vez mais segura, contudo, a conclusão de que Juan Guaidó falhou. Não é a primeira vez. Em janeiro Guaidó – presidente da Assembleia Nacional venezuelana – como reação à eleição ilegítima de Maduro, se declarou presidente e prometeu eleições verdadeiramente livres e justas para breve. Esperava desencadear um movimento popular tal que obrigasse o governo a cair. As massas que tomaram as ruas foram impressionantes, mas mesmo assim o governo resistiu. Ele tinha, afinal, o apoio das forças armadas e das milícias chavistas.

Depois disso, Guaidó viajou por vários países em busca de apoio. Diversos governos o reconheceram como presidente – inclusive o Brasil. Foi uma decisão arriscada, posto que reconhecemos como chefe de Estado alguém que não controlava o Estado. No mínimo, havia a expectativa de que ele viria a fazê-lo muito em breve.

Em sua campanha por outros países, Guaidó conseguiu mídia e muitas palavras amigas. Mas seu apoio na Venezuela continuava incerto. Tentou provocar uma resposta exagerada de Maduro ao mandar caminhões de mantimentos para dentro do país, desgastando sua legitimidade para a opinião pública, mas sem sucesso.

Em março, voltou para a Venezuela. Criou-se alguma expectativa de que, dessa vez sim, o povo tiraria Maduro. Não foi o que aconteceu. Guaidó permaneceu livre dentro de seu país, reclamando a presidência, mas sem capacidade de conquistá-la de fato. Quanto mais tempo nessa situação, mais difícil é sustentar sua pretensão à cadeira presidencial.

A tentativa de liderar um levante popular, com apoio de militares que se recusem a seguir apoiando o regime, foi sua cartada final para sair da situação insustentável em que se encontrava. Tudo indica que falhou mais uma vez. Seu aparente desejo de uma intervenção americana no país também não parece em vias de se concretizar. Sendo assim, fica difícil vislumbrar um futuro brilhante para Guaidó. O regime Maduro tem inclusive argumentos fortes para tomar medidas legais contra ele.

O problema é que, sem Guaidó, fica difícil vislumbrar qualquer outro caminho para derrubar o governo Maduro, que é o único meio de recuperar alguma estabilidade e paz no país e na região. O fracasso econômico e humanitário do governo, sem contar suas violações sistemáticas dos direitos humanos e da democracia, o colocam além de qualquer defesa.

O que não quer dizer que quaisquer meios para tirá-lo sejam desejáveis. Uma intervenção militar externa que enfraqueça as forças armadas venezuelanas pode levar a resultados imprevisíveis e ainda mais indesejáveis. Basta lembrar da Líbia, que estava muito ruim com Gaddafi, e ficou ainda pior depois da intervenção militar americana que o derrubou.

O caminho mais seguro é continuar a enfraquecer o regime com sanções, tentando sempre infernizar seus membros mais graúdos (inclusive oficiais do exército) para que mudem de lado. Mas não sabemos quanto tempo Maduro pode ainda sangrar antes de seu poder se tornar politicamente inviável. Até lá, por enquanto, só nos resta esperar e lembrar da realidade básica: não é por serem desejáveis que a democracia e os direitos individuais sejam inevitáveis.