A greve que não é greve
O Brasil se prepara para uma “greve geral” pela defesa dos direitos dos trabalhadores. Ou pelo menos era isso que diziam. Na prática, é paralisação de um dia; não exatamente uma greve. E esse dia calha de ser na véspera do feriado. Podemos dizer, então, que se trata de uma emenda de feriado pelo direito […]
Publicado em 27 de abril de 2017 às, 11h49.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h25.
O Brasil se prepara para uma “greve geral” pela defesa dos direitos dos trabalhadores. Ou pelo menos era isso que diziam. Na prática, é paralisação de um dia; não exatamente uma greve. E esse dia calha de ser na véspera do feriado. Podemos dizer, então, que se trata de uma emenda de feriado pelo direito dos trabalhadores. Não tão heroico assim…
Das pessoas que faltarem ao trabalho na sexta, jamais saberemos quantas o fizeram por de fato querer protestar contra o governo federal, quantas ficaram impossibilitadas de chegar ao trabalho e quantas simplesmente aproveitaram para curtir o feriado mais cedo; não que uma coisa exclua a outra. Mas o fato é que essa paralisação é um ato simbólico. Não visa, como uma greve tradicional, a romper o funcionamento da sociedade, forçando assim uma mudança dos patrões. Visa a manifestar um descontentamento.
Assim como as marchas de domingo que a direita se especializou em fazer (participei de várias), seu impacto é apenas simbólico. Essas, então, especialmente preocupados em não atrapalhar nem um pouco a vida da cidade, ocupando a rua somente aos domingos.
Não acho ruim que as manifestações de hoje – tanto à direita quanto à esquerda – procurem reduzir os danos que causam à cidade e ao funcionamento da sociedade. É positivo. Contudo, elas também sinalizam uma mudança em como a população engajada encara a disputa política, e essa mudança de fundo já me parece mais dúbia.
O protesto à moda antiga tinha como objetivo forçar a mudança. Provocava uma situação objetivamente intolerável – trabalhadores que se recusam a trabalhar, uma indústria parada – e exigia, portanto, uma resposta. Hoje em dia, não. O objetivo agora é apenas mostrar a adesão a um conjunto de valores. Espera-se que, se o número for grande o suficiente, isso provoque algum tipo de mudança nos representantes, que dependem daqueles votos. Mas ela é indireta e, não raro, uma consideração secundária.
O que dá as cartas, pelo menos o que eu tenho observado, é a crença no poder mágico dos próprios valores. Fincar o pé em alguma posição ou identidade e reafirmá-la como superior contra tudo e todos, essa é a única postura considerada digna. Então vemos gente até hoje escrevendo “Fora Temer” por aí ou insistindo “foi golpe”. Não importa que nem o PT adira mais a essa narrativa furada; ela é tomada como ponto de honra por muitos seguidores.
Quando a afirmação da própria identidade se torna o objetivo de uma ação política, não há mais negociação possível com o outro lado. Ao mesmo tempo, torna-se uma ferramenta ainda mais dócil nas mãos dos líderes que se utilizam dessa identidade para consolidar seu poder. Ao mesmo tempo, quando os números do próprio lado começam a cair, torna-se sumamente impotente, em nada diferente daquela meia dúzia de punks de meia idade que se orgulham de jamais terem “traído o movimento”. Ao invés de avançar de verdade um valor ou de ascender pessoalmente, ficam com o triste consolo de se sentir superior.
Nesta sexta-feira, quantas almas virtuosas não serão usadas pelo que há de menos íntegro na nossa sociedade? (O mesmo vale para os protestos verde-amarelos.) O purismo dos ideais sempre serve a alguém que não tem ideal algum.