A greve da PM e o papel do Estado
Não é novidade mas é sempre chocante: ver pessoas que não têm nenhuma pinta de criminosos por profissão saqueando lojas em cidades abandonadas pela polícia no Espírito Santo. Para completar, a tranquilidade de bandidos (esses, imagino, profissionais) armados roubando, raptando e matando é um espetáculo à parte, desses que abalam nossa fé no país. Em […]
Da Redação
Publicado em 9 de fevereiro de 2017 às 11h51.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h58.
Não é novidade mas é sempre chocante: ver pessoas que não têm nenhuma pinta de criminosos por profissão saqueando lojas em cidades abandonadas pela polícia no Espírito Santo. Para completar, a tranquilidade de bandidos (esses, imagino, profissionais) armados roubando, raptando e matando é um espetáculo à parte, desses que abalam nossa fé no país.
Em meio às polêmicas e acusações de lado a lado em dias trágicos como estes, algumas conclusões são inevitáveis. A primeira é que, numa situação como essa, em que o Estado se torna incapaz de manter seu monopólio da violência (e portanto, em certo sentido, deixa de existir enquanto Estado), a desigualdade entre cidadãos honestos e criminosos profissionais fica gritante.
Numa situação institucional como a nossa, de desarmamento prático da população, ela se vê completamente à mercê do crime assim que o Estado sai de cena. Se mais cidadãos tivessem armas, é difícil pensar que criminosos teriam tamanha cara-de-pau em roubar e matar abertamente. O risco do crime aumentaria muito.
É claro que isso não diz nada sobre armas em tempos de paz, quando a polícia está fazendo seu trabalho. E sobre ela temos duas constatações que deveriam ser óbvias, mas ficam ofuscadas no dia-a-dia da discussão ideológica. A primeira é que, por pior que nossa polícia seja, ela é preferível à alternativa.
O poder não tolera vácuo. Quando um poder vai embora, estabelece-se imediatamente a luta por sua substituição. É o que o ES vive agora. Conforme ela progride (e com a chegada do Exército, esperamos que isso não ocorra), alguns grupos consolidam sua posição se tornam os novos governantes. É o que ocorre em morros controlados por facções do tráfico ou milícias no Rio. Invariavelmente, os novos Estados paralelos que se estabelecem nesses lugares (com direito inclusive a serviço assistencial à comunidade) são muito mais bárbaros, violentos e arbitrários que o Estado brasileiro.
Sendo assim, a constante campanha de demonização da polícia militar em círculos esclarecidos deveria se tocar que ela brinca com fogo. A PM é, muitas vezes, a última linha de defesa do nosso imperfeito Estado de Direito. E fingir que ela equivale aos poderes que combate é puro cinismo.
O segundo ponto é que justamente essa importância da polícia torna inadmissível a ideia de greve. É fundamental que os grevistas enfrentem sanções exemplares. Pode ser inclusive que sua reivindicação de salários seja justa. Pode ser ainda que, originalmente, o governo devesse ter aumentado os salários (supondo que isso não colocasse em xeque destinos ainda mais importantes do dinheiro). Contudo, dada a greve, essa é a única saída que fica absolutamente inaceitável. Se os policiais do ES levarem essa, o precedente estará aberto para todas as PMs do país, e semanas como esta no ES vão se repetir sempre que uma polícia tiver demandas.
Sendo a violência justamente a prerrogativa fundamental do Estado, não há nenhuma hipótese de seus agentes poderem entrar em greve e não mais aplicarem as leis. É um rompimento da ordem institucional tanto quanto decidirem agir unilateralmente, à revelia da lei. Se a PM do ES se viu na segurança de declarar greve e deixar a população à mercê do crime generalizado, jogada na guerra de todos contra todos, é porque não esperava do governo central uma resposta à altura. O exemplo de Salvador (que teve greve da PM em 2014), ainda fresco na memória, certamente lhes deve ter encorajado.
Uma reação brutal demais pode revoltar todas as PMs do Brasil. A ausência de reação vai encorajá-las a ter mais greves no futuro. É, não é fácil controlar os meios de violência de uma sociedade quebrada…
Não é novidade mas é sempre chocante: ver pessoas que não têm nenhuma pinta de criminosos por profissão saqueando lojas em cidades abandonadas pela polícia no Espírito Santo. Para completar, a tranquilidade de bandidos (esses, imagino, profissionais) armados roubando, raptando e matando é um espetáculo à parte, desses que abalam nossa fé no país.
Em meio às polêmicas e acusações de lado a lado em dias trágicos como estes, algumas conclusões são inevitáveis. A primeira é que, numa situação como essa, em que o Estado se torna incapaz de manter seu monopólio da violência (e portanto, em certo sentido, deixa de existir enquanto Estado), a desigualdade entre cidadãos honestos e criminosos profissionais fica gritante.
Numa situação institucional como a nossa, de desarmamento prático da população, ela se vê completamente à mercê do crime assim que o Estado sai de cena. Se mais cidadãos tivessem armas, é difícil pensar que criminosos teriam tamanha cara-de-pau em roubar e matar abertamente. O risco do crime aumentaria muito.
É claro que isso não diz nada sobre armas em tempos de paz, quando a polícia está fazendo seu trabalho. E sobre ela temos duas constatações que deveriam ser óbvias, mas ficam ofuscadas no dia-a-dia da discussão ideológica. A primeira é que, por pior que nossa polícia seja, ela é preferível à alternativa.
O poder não tolera vácuo. Quando um poder vai embora, estabelece-se imediatamente a luta por sua substituição. É o que o ES vive agora. Conforme ela progride (e com a chegada do Exército, esperamos que isso não ocorra), alguns grupos consolidam sua posição se tornam os novos governantes. É o que ocorre em morros controlados por facções do tráfico ou milícias no Rio. Invariavelmente, os novos Estados paralelos que se estabelecem nesses lugares (com direito inclusive a serviço assistencial à comunidade) são muito mais bárbaros, violentos e arbitrários que o Estado brasileiro.
Sendo assim, a constante campanha de demonização da polícia militar em círculos esclarecidos deveria se tocar que ela brinca com fogo. A PM é, muitas vezes, a última linha de defesa do nosso imperfeito Estado de Direito. E fingir que ela equivale aos poderes que combate é puro cinismo.
O segundo ponto é que justamente essa importância da polícia torna inadmissível a ideia de greve. É fundamental que os grevistas enfrentem sanções exemplares. Pode ser inclusive que sua reivindicação de salários seja justa. Pode ser ainda que, originalmente, o governo devesse ter aumentado os salários (supondo que isso não colocasse em xeque destinos ainda mais importantes do dinheiro). Contudo, dada a greve, essa é a única saída que fica absolutamente inaceitável. Se os policiais do ES levarem essa, o precedente estará aberto para todas as PMs do país, e semanas como esta no ES vão se repetir sempre que uma polícia tiver demandas.
Sendo a violência justamente a prerrogativa fundamental do Estado, não há nenhuma hipótese de seus agentes poderem entrar em greve e não mais aplicarem as leis. É um rompimento da ordem institucional tanto quanto decidirem agir unilateralmente, à revelia da lei. Se a PM do ES se viu na segurança de declarar greve e deixar a população à mercê do crime generalizado, jogada na guerra de todos contra todos, é porque não esperava do governo central uma resposta à altura. O exemplo de Salvador (que teve greve da PM em 2014), ainda fresco na memória, certamente lhes deve ter encorajado.
Uma reação brutal demais pode revoltar todas as PMs do Brasil. A ausência de reação vai encorajá-las a ter mais greves no futuro. É, não é fácil controlar os meios de violência de uma sociedade quebrada…