A esquerda e a armadilha purista
Uma nova esquerda vem tentando nascer no Brasil já há pelo menos dois ciclos eleitorais e com a chegada de Tabata Amaral, a hora pode finalmente ter chegado
Da Redação
Publicado em 11 de julho de 2019 às 15h05.
Última atualização em 11 de julho de 2019 às 17h27.
A vitória de goleada da Reforma da Previdência na Câmara dos Deputados teve dois artilheiros. O primeiro foi Rodrigo Maia, o grande articulador deste resultado. A segunda Tabata Amaral, o voto que se destacou entre outros 378 favoráveis à reforma.
Tabata teve a coragem de peitar a resolução de seu partido, o PDT, que tinha fechado questão contra a reforma e ameaçado com expulsão quem contrariasse o partido. E me parece que ela já é uma vencedora política: se o PDT a expulsar, ela sairá como uma heroína, e como uma das deputadas com maior visibilidade da Câmara, conquistada nesses seis meses em que ela colocou ministros de Estado contra a parede e emplacou mudanças importantes na reforma da previdência para defender os mais vulneráveis. Não faltará partido querendo-a em seus quadros.
Se o PDT voltar atrás, ela sai como a vitoriosa num confronto direto com Ciro Gomes e outros que desejavam a expulsão. Esse desfecho não é improvável, dado que 8 deputados – quase ⅓ da bancada do partido – votaram a favor. Por acaso o PDT valoriza tanto a fidelidade numa questão difícil dessas a ponto de se esvaziar?
Mais relevante que o PDT, penso, é o futuro da esquerda no Brasil. Com um governo populista de direita no poder, seria essencial uma oposição de esquerda séria, capaz de fazer frente às loucuras da direita, sem ser, ela própria, louca. A fixação em Lula está fazendo muito mal.
Por qualquer métrica imaginável, Tabata é um presente dos céus para a esquerda brasileira. Comunga dos valores centrais – foco na distribuição de renda, na educação, na criação de oportunidades para a base da pirâmide, no papel social do Estado – ao mesmo tempo em que, tendo estudado fora, traz ideias mais modernas e alinhadas com o estado atual da ciência. Ao confrontar os ministros da educação de Bolsonaro, não se baseou em textos antigos de teóricos da pedagogia, mas cobrou metas, números, planos concretos de ação.
Ela pode, portanto, se colocar sem problema algum como de esquerda. Além disso, é jovem, tem uma história de vida inspiradora de ascensão por meio da educação. É muito bem articulada. E, para completar, se dá bem com a mídia e fala com um público muito mais amplo do que a turma que vai às ruas pedir Lula Livre e que serve de plataforma eleitoral para políticos que fazem apenas realpolitik – disputa de poder – sem nenhum compromisso com as causas que dizem representar. Se bem preparada, ela pode ser um dos nomes que dará um salto de qualidade e de expansão para a esquerda nacional. Alguém que sabe que, veja só!, sanidade econômica não é antagônica a um país mais justo; é uma condição necessária.
E, no entanto, o que ouvimos da parte mais vocal da esquerda nas redes sociais? Condenações constantes à jovem deputada. Neo-liberal disfarçada, direitista hipócrita, projeto de laboratório do grande capital, cria de Jorge Paulo Lemann, serviçal dos interesses americanos. Ela não pode ser reconhecida como membra da mesma tribo que os “verdadeiros” esquerdistas. Não é pura o bastante para eles.
A política da pureza é venenosa para partidos e grupos que visem conquistar o eleitorado. A velha esquerda foi rechaçada nas urnas (e onde venceu foi como representante da política tradicional) e não dialoga mais com a população. Uma briga fratricida para ver quem é mais “genuíno” vai aliená-la ainda mais das preocupações reais do Brasil, justo no momento em que ela precisa encontrar um novo jeito de falar e novas vozes para chegar a um maior número de pessoas, coisa que a centro-direita – por necessidade de sobrevivência – já está fazendo.
Discorda com a deputada sobre a reforma da previdência é normal. Querer empurrá-la (e, com ela, o centro) para longe é burrada. Uma nova esquerda vem tentando nascer no Brasil já há pelo menos dois ciclos eleitorais. O parto foi adiado enquanto o PT era capaz. Com a falência total do esquema, a hora pode finalmente ter chegado. Basta ver quantos deputados do PDT e do PSB votaram pela reforma. Resta aos simpatizantes desse lado do espectro político escolher se vão ajudar nesse processo ou se preferem entregar mais algumas eleições nas mãos da direita.
A vitória de goleada da Reforma da Previdência na Câmara dos Deputados teve dois artilheiros. O primeiro foi Rodrigo Maia, o grande articulador deste resultado. A segunda Tabata Amaral, o voto que se destacou entre outros 378 favoráveis à reforma.
Tabata teve a coragem de peitar a resolução de seu partido, o PDT, que tinha fechado questão contra a reforma e ameaçado com expulsão quem contrariasse o partido. E me parece que ela já é uma vencedora política: se o PDT a expulsar, ela sairá como uma heroína, e como uma das deputadas com maior visibilidade da Câmara, conquistada nesses seis meses em que ela colocou ministros de Estado contra a parede e emplacou mudanças importantes na reforma da previdência para defender os mais vulneráveis. Não faltará partido querendo-a em seus quadros.
Se o PDT voltar atrás, ela sai como a vitoriosa num confronto direto com Ciro Gomes e outros que desejavam a expulsão. Esse desfecho não é improvável, dado que 8 deputados – quase ⅓ da bancada do partido – votaram a favor. Por acaso o PDT valoriza tanto a fidelidade numa questão difícil dessas a ponto de se esvaziar?
Mais relevante que o PDT, penso, é o futuro da esquerda no Brasil. Com um governo populista de direita no poder, seria essencial uma oposição de esquerda séria, capaz de fazer frente às loucuras da direita, sem ser, ela própria, louca. A fixação em Lula está fazendo muito mal.
Por qualquer métrica imaginável, Tabata é um presente dos céus para a esquerda brasileira. Comunga dos valores centrais – foco na distribuição de renda, na educação, na criação de oportunidades para a base da pirâmide, no papel social do Estado – ao mesmo tempo em que, tendo estudado fora, traz ideias mais modernas e alinhadas com o estado atual da ciência. Ao confrontar os ministros da educação de Bolsonaro, não se baseou em textos antigos de teóricos da pedagogia, mas cobrou metas, números, planos concretos de ação.
Ela pode, portanto, se colocar sem problema algum como de esquerda. Além disso, é jovem, tem uma história de vida inspiradora de ascensão por meio da educação. É muito bem articulada. E, para completar, se dá bem com a mídia e fala com um público muito mais amplo do que a turma que vai às ruas pedir Lula Livre e que serve de plataforma eleitoral para políticos que fazem apenas realpolitik – disputa de poder – sem nenhum compromisso com as causas que dizem representar. Se bem preparada, ela pode ser um dos nomes que dará um salto de qualidade e de expansão para a esquerda nacional. Alguém que sabe que, veja só!, sanidade econômica não é antagônica a um país mais justo; é uma condição necessária.
E, no entanto, o que ouvimos da parte mais vocal da esquerda nas redes sociais? Condenações constantes à jovem deputada. Neo-liberal disfarçada, direitista hipócrita, projeto de laboratório do grande capital, cria de Jorge Paulo Lemann, serviçal dos interesses americanos. Ela não pode ser reconhecida como membra da mesma tribo que os “verdadeiros” esquerdistas. Não é pura o bastante para eles.
A política da pureza é venenosa para partidos e grupos que visem conquistar o eleitorado. A velha esquerda foi rechaçada nas urnas (e onde venceu foi como representante da política tradicional) e não dialoga mais com a população. Uma briga fratricida para ver quem é mais “genuíno” vai aliená-la ainda mais das preocupações reais do Brasil, justo no momento em que ela precisa encontrar um novo jeito de falar e novas vozes para chegar a um maior número de pessoas, coisa que a centro-direita – por necessidade de sobrevivência – já está fazendo.
Discorda com a deputada sobre a reforma da previdência é normal. Querer empurrá-la (e, com ela, o centro) para longe é burrada. Uma nova esquerda vem tentando nascer no Brasil já há pelo menos dois ciclos eleitorais. O parto foi adiado enquanto o PT era capaz. Com a falência total do esquema, a hora pode finalmente ter chegado. Basta ver quantos deputados do PDT e do PSB votaram pela reforma. Resta aos simpatizantes desse lado do espectro político escolher se vão ajudar nesse processo ou se preferem entregar mais algumas eleições nas mãos da direita.