A eleição de Trump reafirma a força da democracia
Conforme já defendi nesta coluna anteriormente, Trump era, em minha opinião, o pior candidato à presidência americana. Internamente, fará dos EUA um país mais fechado, mais avesso à integração econômica mundial e, devido a sua política anti-imigração, com mais dificuldade de absorver os talentos e a capacidade de trabalho mundial. A entrada de imigrantes, ao […]
Publicado em 9 de novembro de 2016 às, 12h27.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h38.
Conforme já defendi nesta coluna anteriormente, Trump era, em minha opinião, o pior candidato à presidência americana. Internamente, fará dos EUA um país mais fechado, mais avesso à integração econômica mundial e, devido a sua política anti-imigração, com mais dificuldade de absorver os talentos e a capacidade de trabalho mundial. A entrada de imigrantes, ao contrário do discurso dele, é boa para um país e traz crescimento, ainda que no curto prazo alguns grupos de trabalhadores locais tenham sua renda diminuída. No médio prazo, quando os trabalhadores já se ajustaram, o aumento da mão-de-obra permite que uma quantidade maior de bens e serviços seja produzida, barateando o consumo. Cabe apontar que os EUA sempre recebeu grande quantidade de imigrantes e, mesmo assim, fora em períodos de crise, tem desemprego baixo.
No plano internacional, Trump é uma incógnita. Todos os sinais que deu durante a campanha foram muito ruins: mostrou-se uma personalidade instável, na qual não se pode confiar. A chance de criar atritos com aliados dos EUA é alta. Ao mesmo tempo, demonstrou uma curiosa leniência com as pretensões russas. Mas só uma postura firme, de colocar as pretensões de expansão russa em xeque constante – como propunha Hillary – será capaz de conter suas ambições imperiais. Sem falar que sua eleição em uma campanha particularmente suja fortalece a narrativa russa de que a democracia liberal ocidental é um engodo.
Para o Brasil, a notícia é ruim também. Depois de anos de uma política externa ideológica e absolutamente fracassada, de cooperação “Sul-Sul”, de se voltar para o bloco decadente que é o Mercosul e de adoção de políticas protecionistas, vivemos o momento contrário: queremos nos integrar à economia global, como fizeram nas últimas décadas Chile, México, os países asiáticos; todos com grande sucesso. O problema é que, neste momento em que o Brasil quer mais comércio com o resto do mundo, os países ricos estão se fechando. Trump é o candidato do fechamento, enquanto Hillary acenava para a continuidade da política de tratados econômicos e comerciais com o resto do mundo. Perdemos um importante bonde da história, que não deve passar de novo tão cedo.
Haverá um lado bom na eleição de Trump? Culturalmente, eu acredito que sim. A cultura oficial no Ocidente está há muito tempo martelando que o orgulho nacional e o autointeresse são condenáveis, que é preciso colocar os interesses de todos os demais povos do mundo antes do próprio, que um país rico que ainda por cima recebe milhões de imigrantes e dá a eles oportunidades que não existem nos países de onde vieram é, ainda assim, moralmente culpado de alguma maneira. O vitimismo nunca esteve tão em alta, numa época em que cada comentário ou piada provoca abalo psicológico e discursos exagerados de autopiedade. Grande parte da população está farta disso.
E estratégia da campanha de Hillary foi equivocada. Ao insistir na tecla de Trump era racista, que não ligava para os sentimentos dos outros, que era sexualmente agressivo e tudo o mais, apenas reforçava sua imagem de um homem forte que não se curva ao establishment politicamente correto. Era exatamente isso que o eleitorado queria: alguém que defendesse seu interesse abertamente, sem pedir perdão. Culturalmente, então, sua vitória serve para limpar um pouco a hipocrisia do discurso dominante.
E serve também como um índice da força da democracia. Mesmo com toda a grande mídia, com todos os bancos, com todos os formadores de opinião e especialistas defendendo Hillary, a opinião pública foi na direção contrária. A elite perdeu e assistiremos a uma transição pacífica. Essa é a força do regime democrático: estar aberto também à derrota dos poderosos, mesmo quando os poderosos calham de – na minha opinião – estarem com a razão.