A crença por trás da militância identitária
Para a esquerda identitária membros de minorias são algo menos que seres humanos plenos. Não estou tentando chocar, não. A forma como minorias (negros, mulheres, gays, etc.) são tratadas hoje em dia é inferiorizante. E, infelizmente, os culpados não são os que perpetuam preconceito e violência, mas justamente os autointitulados representantes desses grupos. Ao invés […]
Publicado em 23 de fevereiro de 2017 às, 12h10.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h36.
Para a esquerda identitária membros de minorias são algo menos que seres humanos plenos. Não estou tentando chocar, não. A forma como minorias (negros, mulheres, gays, etc.) são tratadas hoje em dia é inferiorizante. E, infelizmente, os culpados não são os que perpetuam preconceito e violência, mas justamente os autointitulados representantes desses grupos.
Ao invés de indivíduos capazes de pensar e agir por si mesmos, são definidos pela categoria de “vítima”. Não é que sofrem mais ou menos que a média. O sofrimento, o padecer uma injustiça, define sua essência. São seres que sofrem, que apenas recebem a ação violenta do opressor. Mesmo no simples ato de existir o opressor já age sobre a vítima minoritária, que sente a existência do outro como uma violência.
Sendo assim, são incapazes de pensar por conta própria, delegando esse ato a representantes autoproclamados à frente de movimentos organizados. Na luta desses grupos por uma agenda política determinada, a classe toda age.
Se um sujeito empírico negro ou mulher ou gay discordar da agenda de um desses grupos organizados, não passa de um alienado que serve aos inimigos de sua classe. Mesmo a opinião da maioria dos membros concretos da classe pode ser rejeitada, caso discorde do credo da militância; ou melhor, essa opinião sequer existe. Quando dois ou três representantes oficiais falam, é o grupo inteiro que fala; ouvir o resto nem vem ao caso.
Assim, como Eliane Brum (em recente artigo ao site do El Pais Brasil: ‘De uma branca para outra’, 20/02/2017) viu meia dúzia de mulheres negras expressarem opinião nas redes sociais contra uso de turbante por brancas, sentiu-se confortável em dizer “As mulheres negras nos explicam que…”, “As mulheres negras querem…”.
A atitude correta para com eles não é tratá-los como iguais, exigir algum tipo de equivalência racional entre os dois e partir daí. Nossa postura deve ser a da pena e da condescendência com que olhamos para uma criança indefesa. Sempre que repetirem o discurso oficial da classe, estão certos. Irracionalidades ou fantasias estão justificadas a priori, por virem de uma fonte especial, redimida pelo sofrimento e intocável. Discutir seria mais uma forma de agressão, e não há nada mais sórdido que perpetuar essa opressão, né?
Nem passa pela cabeça de ninguém atribuir a mim as opiniões e os interesses de “movimentos brancos” ou do “masculinismo” (duas coisas que, infelizmente, existem). É porque eu sou considerado um indivíduo de forma plena, capaz de pensar e agir. Se 99% dos homens brancos pensarem A e eu B, em nenhum momento serei acusado de traidor ou de servir bovinamente aos meus inimigos. O que outro homem branco fala não diz respeito a mim diretamente, nem eu me sinto mais compelido a concordar com ele do que com uma mulher negra, um transexual asiático etc.
No caso das minorias, não. Não há – segundo a lógica identitária – indivíduos plenos. Seus membros existem apenas como unidades de um coletivo vitimado, podendo ou não representar seu *real* interesse, conforme são mais ou menos manipulados pelo opressor. Os pensamentos e desejos próprios da classe são definidos pelos sacerdotes no topo dos movimentos organizados, devidamente chancelados pela elite cultural (majoritariamente branca) que busca expiar sua culpa lançando-a sobre as almas do resto da população.