A checagem de fatos e a política
Será ótimo se no futuro um candidato não se sentir mais à vontade para sair inventando números e fatos em sua fala
Da Redação
Publicado em 24 de maio de 2018 às 12h10.
Considero legítima a tentativa do Facebook de controlar a difusão de notícias falsas em sua plataforma por meio de agências de checagem de fatos. Se bem feito, é um serviço que ele presta aos usuários, que terão menos contato com manchetes e matérias mentirosas, feitas para enganá-los; e é um benefício para a cultura política no Brasil, que terá uma redução (ainda que marginal) na quantidade de informações falsas em circulação.
Contudo, essa atividade exige uma série de cuidados para não permitir que algum viés dos membros da agência de checagem comprometa sua imparcialidade. Especialmente se as agências forem além da mera checagem das mentiras puras e simples e se puserem a usar seu poder sobre falas e textos políticos de candidatos e formadores de opinião.
Dentre as principais providências – e que, pelo que me informei, já está sendo tomada – é a elaboração de protocolos para reduzir ao máximo a possibilidade de avaliações inconsistentes entre si. Se um erro de uma certa magnitude foi considerado “exagero” em um caso – digamos, na fala de um candidato -, um erro da mesma magnitude tem que ser classificado da mesma forma quando ocorrer na fala de outro candidato.
Por exemplo: em sua sabatina para a UOL, o pré-candidato Geraldo Alckmin afirmou que “Nós perdemos quase 7% do PIB em três anos”. Somando os dois anos em que houve recessão no Brasil – 2015 e 2016 -, a perda do PIB chega mesmo a aproximadamente 7%. Mas contando a recuperação de 2017, a perda fica em 6%. A Aos Fatos classificou a afirmação como exagerada. Ao mesmo tempo, a fala de Alckmin falava em “quase 7%”; ou seja, para ela ser estritamente verdadeira, não é necessário que o número esteja exato. Como proceder em um caso desses?
Há dois tipos de protocolo necessários aí: o primeiro é o que distingue o verdadeiro do exagerado e do falso. Digamos, apenas o número exato é considerado verdadeiro; o um desvio de até 20% para um lado ou para outro é considerado exagero; e fora disso, considera-se falso. E o segundo protocolo é como tratar a presença de um qualificador como “quase”: conceitualmente, ele deveria aumentar a tolerância para com a frase – afinal, ela está arrogando menos exatidão para si.
Por fim, há uma questão de fundo que exige uma resposta: qual o grau de rigor que devemos exigir da comunicação oral? É razoável submeter uma fala à mesma exigência de exatidão a que submetemos um texto acadêmico? Por um lado, será ótimo se no futuro próximo um candidato não se sentir mais à vontade para sair inventando números e fatos em sua fala, só para gerar um efeito no público. Por outro, uma exigência alta demais simplesmente sufoca a possibilidade de se falar livremente. Todos ficarão acuados, receosos de que a avaliação implacável dos checadores impeça sua divulgação no Facebook.
É pelo grande número de dificuldades inerentes à checagem que eu defendo que, neste campo, é melhor pecar pela falta, desde que seja isonômica. É preferível ter mais opiniões circulando do que tirar um dos lados de um debate público de circulação. Para esse fim, a diversidade ideológica dentro da agência seria algo muito desejável. Num grupo com membros de opiniões diversas, não haverá consenso fácil na hora de classificar afirmações altamente controversas.
Esse consenso será fácil de se obter, contudo, quando o objeto for um fato inexistente ou um dado inventado, sobre os quais qualquer pessoa honesta e minimamente bem informada irá concordar. Até hoje há pessoas que acreditam que o filho do Lula seja dono da Friboi; conheço brasileiros que, em fins de 2017 (e provavelmente até hoje) ainda acreditam na mentira espalhada em 2016 de que Hillary Clinton comande uma rede de pedofilia. Se o alcance dessas mentiras tivesse sido limitado próximo de sua origem, o dano teria sido menor.
Vivemos em tempos nos quais a credibilidade dos grandes órgãos de mídia foi perdida. Se por motivos justos ou injustos, não vem ao caso. O fato é que, para recuperá-la, qualquer grupo precisará dialogar com os diferentes lados da polarização atual; e, para isso, precisará contar com pessoas sérias que se identificam com eles e que sejam assim identificadas. É dessa credibilidade que depende o combate à mentira na esfera pública; sem ela, ficaremos eternamente preso à dinâmica infrutífera de condenar uma afirmação não pelo seu conteúdo mas por sua origem.
Considero legítima a tentativa do Facebook de controlar a difusão de notícias falsas em sua plataforma por meio de agências de checagem de fatos. Se bem feito, é um serviço que ele presta aos usuários, que terão menos contato com manchetes e matérias mentirosas, feitas para enganá-los; e é um benefício para a cultura política no Brasil, que terá uma redução (ainda que marginal) na quantidade de informações falsas em circulação.
Contudo, essa atividade exige uma série de cuidados para não permitir que algum viés dos membros da agência de checagem comprometa sua imparcialidade. Especialmente se as agências forem além da mera checagem das mentiras puras e simples e se puserem a usar seu poder sobre falas e textos políticos de candidatos e formadores de opinião.
Dentre as principais providências – e que, pelo que me informei, já está sendo tomada – é a elaboração de protocolos para reduzir ao máximo a possibilidade de avaliações inconsistentes entre si. Se um erro de uma certa magnitude foi considerado “exagero” em um caso – digamos, na fala de um candidato -, um erro da mesma magnitude tem que ser classificado da mesma forma quando ocorrer na fala de outro candidato.
Por exemplo: em sua sabatina para a UOL, o pré-candidato Geraldo Alckmin afirmou que “Nós perdemos quase 7% do PIB em três anos”. Somando os dois anos em que houve recessão no Brasil – 2015 e 2016 -, a perda do PIB chega mesmo a aproximadamente 7%. Mas contando a recuperação de 2017, a perda fica em 6%. A Aos Fatos classificou a afirmação como exagerada. Ao mesmo tempo, a fala de Alckmin falava em “quase 7%”; ou seja, para ela ser estritamente verdadeira, não é necessário que o número esteja exato. Como proceder em um caso desses?
Há dois tipos de protocolo necessários aí: o primeiro é o que distingue o verdadeiro do exagerado e do falso. Digamos, apenas o número exato é considerado verdadeiro; o um desvio de até 20% para um lado ou para outro é considerado exagero; e fora disso, considera-se falso. E o segundo protocolo é como tratar a presença de um qualificador como “quase”: conceitualmente, ele deveria aumentar a tolerância para com a frase – afinal, ela está arrogando menos exatidão para si.
Por fim, há uma questão de fundo que exige uma resposta: qual o grau de rigor que devemos exigir da comunicação oral? É razoável submeter uma fala à mesma exigência de exatidão a que submetemos um texto acadêmico? Por um lado, será ótimo se no futuro próximo um candidato não se sentir mais à vontade para sair inventando números e fatos em sua fala, só para gerar um efeito no público. Por outro, uma exigência alta demais simplesmente sufoca a possibilidade de se falar livremente. Todos ficarão acuados, receosos de que a avaliação implacável dos checadores impeça sua divulgação no Facebook.
É pelo grande número de dificuldades inerentes à checagem que eu defendo que, neste campo, é melhor pecar pela falta, desde que seja isonômica. É preferível ter mais opiniões circulando do que tirar um dos lados de um debate público de circulação. Para esse fim, a diversidade ideológica dentro da agência seria algo muito desejável. Num grupo com membros de opiniões diversas, não haverá consenso fácil na hora de classificar afirmações altamente controversas.
Esse consenso será fácil de se obter, contudo, quando o objeto for um fato inexistente ou um dado inventado, sobre os quais qualquer pessoa honesta e minimamente bem informada irá concordar. Até hoje há pessoas que acreditam que o filho do Lula seja dono da Friboi; conheço brasileiros que, em fins de 2017 (e provavelmente até hoje) ainda acreditam na mentira espalhada em 2016 de que Hillary Clinton comande uma rede de pedofilia. Se o alcance dessas mentiras tivesse sido limitado próximo de sua origem, o dano teria sido menor.
Vivemos em tempos nos quais a credibilidade dos grandes órgãos de mídia foi perdida. Se por motivos justos ou injustos, não vem ao caso. O fato é que, para recuperá-la, qualquer grupo precisará dialogar com os diferentes lados da polarização atual; e, para isso, precisará contar com pessoas sérias que se identificam com eles e que sejam assim identificadas. É dessa credibilidade que depende o combate à mentira na esfera pública; sem ela, ficaremos eternamente preso à dinâmica infrutífera de condenar uma afirmação não pelo seu conteúdo mas por sua origem.