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A verdade atrapalha os candidatos

Não deveria, no entanto, ser assim. O bom debate é o que se assenta nos fatos

Santinhos de deputados jogados no chão  (Antonio Cruz/ Agência Brasil/Agência Brasil)
Santinhos de deputados jogados no chão (Antonio Cruz/ Agência Brasil/Agência Brasil)
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João Gabriel de Lima

Publicado em 29 de junho de 2018 às, 12h27.

A política não precisa da verdade. Mais que isso: a verdade atrapalha os políticos. Quem desenvolve essa tese polêmica é a filósofa alemã Hannah Arendt, em seu famoso texto Verdade e Política. Ao falar em verdade, ela não invoca nenhum conceito transcendental. Refere-se à verdade comezinha: acontecimentos do passado que podem ser comprovados por várias testemunhas, em sua definição. Ou seja: os fatos. Para Hannah Arendt, a política não precisa dos fatos.

Os fatos, ah, os fatos. Como eles atrapalham a vida dos candidatos, e ainda mais na era digital. Basta eles contarem uma mentirinha que são desmoralizados pelos jornalistas-checadores nas redes sociais. Ao contrário dos políticos, os jornalistas precisam dos fatos. Vivem de credibilidade – ninguém paga por uma assinatura de jornal, seja em aplicativo ou papel, se não acreditar no que vê ou lê. Hannah Arendt sabia disso. Ficou famosa entre o grande público ao veicular, na revista The New Yorker, um relato sobre o julgamento do carrasco nazista Adolf Eichmann em Jerusalém. Era uma filósofa a exercitar a nobre arte da reportagem.

No mesmo texto Verdade e Política, Hannah Arendt mostra que os fatos incomodam os políticos não apenas na campanha eleitoral. Continuam incomodando, até mais, depois que eles se elegem. Se um político se torna Presidente da República num país endividado, a dívida é um fato – e não há alternativa a não ser encará-la. Se for prudente, o líder corta o problema pela raiz – diminui gastos (melhor) ou aumenta impostos (indesejável, mas às vezes necessário). Se for imprudente, empurra a dívida até que a inflação acabe com ela – e sacrifica a população mais pobre, a que mais sofre com a carestia. Ou, ainda, declara moratória ao credor – em geral, poupadores ou aposentados. Foi o que fez Fernando Collor quando confiscou os depósitos bancários em seu governo, no início dos anos 1990. Privados de seu dinheiro, aposentados e poupadores apertaram os cintos, venderam seus carros, processaram o governo – e houve até quem se matasse.

Uma reportagem publicada em EXAME comparou os programas dos candidatos à presidência. Ela mostra que, em meio às várias alternativas colocadas na mesa, existe concordância em relação a alguns fatos – ah, os fatos. Um deles é que o governo Dilma Rousseff promoveu equívocos monstruosos na área econômica – da extrema direita à extrema esquerda, todos são extremamente críticos da administração da petista. Outro é que, sim, as contas públicas são um problema grave. Entre os principais nomes, nenhum nega a necessidade de se realizar uma reforma profunda na previdência – que, a crescer no ritmo atual, caminha para a quebra inevitável.

Nesta semana, o Ministério da Fazenda anunciou que colocará todos os números do país à disposição da opinião pública e das assessorias econômicas dos candidatos. A inciativa lembra a transição entre os governos Lula e Fernando Henrique, quando seus ministros da Fazenda, Pedro Malan e Antonio Palocci, colocaram suas equipes para trabalhar juntas sobre os fatos – ah, os fatos – das contas públicas.

Foi um dos grandes momentos da jovem democracia brasileira. Se o debate eleitoral deste ano se pautar pelos fatos reais – e nada é mais real e factual que a economia –, teremos outro grande momento democrático. O oposto disso é o populismo em que os candidatos fazem promessas que não cabem no orçamento. No primeiro caso, os presidenciáveis mostrariam que se pode fazer política com base na verdade. No segundo, confirmariam a triste tese de que a verdade não combina com a política.